O movimento estudantil foi um dos principais protagonistas da luta contra o regime militar no Brasil. Inconformados com o autoritarismo e a repressão, muitos estudantes tiveram a coragem de enfrentar as forças repressoras, dispostas a massacrar jovens idealistas e contestadores, ou qualquer um que simpatizasse com ideias consideradas subversivas. Lutavam por um mundo melhor e mais justo, para tornar realidade seus sonhos revolucionários, defendiam a liberdade e os direitos humanos.
Mês: novembro 2014
As mulheres sempre estiveram presentes nos movimentos de contestação e mobilizações ao longo da nossa história. No período da Ditadura não foi diferente. Elas resistiram de muitas formas: se organizaram em clubes de mães, associações, comunidades eclesiais de base, em movimentos contra o custo de vida e por creches. Desafiando o papel feminino tradicional, participaram do movimento estudantil, partidos, sindicatos. Também, ainda que sempre em menor número que os homens, pegaram em armas, na tentativa de derrubar o regime militar. Foram duramente reprimidas. Foram elas ainda que iniciaram o movimento pela anistia.
Um dos primeiros resultados do golpe militar de 1964 foi a dura repressão sobre os movimentos sindicais e populares. O controle da “base” era essencial para despolitizar o ambiente social, esvaziar as ruas dos protestos populares, e implantar um rígido programa de controle salarial para conter a inflação, recompor os lucros dos capitalistas e garantir novos investimentos.
O que pode ter levado centenas de jovens, muitos deles universitários, a largar tudo na vida para se tornarem guerrilheiros? Hoje, com a traumática derrota da luta armada de esquerda, no Brasil e em outros países, e com a mudança do cenário internacional, essa opção pode até parecer um delírio. Mas na época não era bem assim.
Entre 1966 e 1979, o Brasil tinha apenas dois partidos legais, a Aliança Renovadora Nacional (Arena), de apoio ao governo, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), de oposição consentida. Outros, como o Partido Comunista Brasileiro (PCB), continuaram a existir na clandestinidade. Já nos últimos anos da ditadura, o governo fez uma reforma partidária, para dividir a oposição, ao mesmo tempo em que tentava manter unido o partido do regime.
O golpe militar de 1964, por não ter encontrado quase nenhuma resistência, deixou perplexos setores organizados da esquerda e movimentos sociais que apoiavam o governo Goulart. A impressão era de que as esquerdas que prometiam a revolução se rendiam sem conseguir entender a situação. O velho clichê que afirmava o brasileiro como passivo e distante da política parecia se confirmar. Mas será que efetivamente não houve resistência? Quem resistiu? Como?
Muitos países que viveram longos períodos de ditaduras que violaram direitos humanos, anos mais tarde, durante a redemocratização, passam pela chamada justiça de transição, um longo processo para que se concretize uma democracia de fato. Os países vizinhos ao nosso, do chamado Cone Sul, como Argentina e Chile, que viveram longos períodos de ditadura completaram essa transição de fato, composta pelo tripé verdade, justiça e reparação. No Brasil, infelizmente, e sobretudo por conta da Lei de Anistia, promulgada em 1979, quem cometeu graves violações de direitos humanos durante a ditadura continua impune e mais que isso, não pode ser punido.
No entanto, diversas ações têm sido levadas a cabo desde antes do fim da ditadura, pelos governos que se sucederam e pela sociedade civil organizada em suas diversas formas, para que possamos, ao menos, conhecer nossa própria História. O conhecimento do que ocorreu e a criação dessa memória histórica é essencial para que fatos como os que se passaram não se repitam. Sobretudo familiares de pessoas que foram mortas ou que seguem desaparecidas precisam de explicações para entender o que aconteceu com seus entes queridos.
Histórico:
No Brasil tivemos, até agora, reparação, alguma verdade e nenhuma justiça.
A reparação começou a se dar com e Lei 9.140, de 1995, que reconheceu como mortas pessoas desaparecidas em razão de participação, ou acusação de participação, em atividades políticas entre 1961 e 1979. Ou seja, foi um primeiro passo para que familiares conseguissem atestados de óbito de seus parentes desaparecidos para que pudessem resolver determinadas questões legais.
Além disso, a Lei 9.140 criou a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), que analisou os casos que deveriam ser contemplados com atestados de óbito, além de ter como objetivo “promover a busca de informações e a construção de instrumentos que permitam a elucidação de violações contra os direitos humanos ocorridas durante a ditadura civil-militar brasileira”. Outra função da CEMDP foi conceder a reparação prevista na lei por meio de indenizações e tentar localizar e identificar restos mortais de desaparecidos políticos, para devolvê-los às suas famílias.
Na esteira dessas ações, o Estado brasileiro promove desde 2008, por meio da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, as chamadas “Caravanas da Anistia”. As caravanas são sessões públicas e itinerantes de “julgamento” dos pedidos de anistia política e geralmente são acompanhadas por atividades educativas e culturais. Ou seja, o Estado vai até o cidadão que entrou com um requerimento na comissão e torna a sessão pública para que todos fiquem conhecendo aquela história. As caravanas acontecem normalmente em cidades do Brasil onde aconteceram violações de direitos humanos ou perseguições políticas, para que todos daquela localidade conheçam aqueles fatos. Têm o objetivo de resgatar a memória de quem foi morto ou continua desaparecido e de promover o debate junto à sociedade civil em torno dos temas da consolidação de nossa democracia.
Muitas outras ações foram feitas pela sociedade civil para resgatar a verdade e sobretudo a circunstância de morte e desaparecimento de diversos militantes que lutavam contra a ditadura militar. Um dos casos emblemáticos é o Projeto Brasil: Nunca Mais, realizado clandestinamente entre 1979 e 1985, no fim da ditadura, por Dom Paulo Evaristo Arns, Henry Sobel e Jaime Wright, entre outros, que sistematizou informações dos processos do Superior Tribunal Militar. É um dossiê que reúne processos, depoimentos e dados sobre pessoas presas, mortas e desaparecidas, além de relatos de tortura.
Além disso, a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos fez um importante dossiê, relatando caso a caso de mortos ou desaparecidos durante a ditadura. O resultado é o “Dossiê Ditadura: mortos e desaparecidos políticos no Brasil (1964-1985)”, com foto e circunstância de morte ou desaparecimento de cada pessoa citada.
A Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, sob a gestão do então ministro Paulo Vannucchi, organizou dossiê semelhante, desta vez “oficial”, ou seja, do Estado, contando as histórias dos crimes cometidos por seus agentes durante a ditadura.
Nem só de militares viveu a ditadura
Quando se discute o golpe militar no Brasil, na imensa maioria das vezes, atribui-se o protagonismo e a responsabilidade às Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica), definindo a ditadura instaurada como estritamente militar. Mas, recentemente, jornalistas e historiadores têm descrito um quadro muito mais complexo de organização do golpe, que coloca em relevo uma extensa participação de setores da sociedade civil no processo de construção e legitimação da tomada de poder pelos militares.
Entre os civis de tradição liberal, a necessidade de intervenção militar foi aos poucos sendo reforçada, por meio de um imaginário anticomunista que vinha sendo construído desde a primeira metade do século XX no país. O anticomunismo expressava o medo que se tinha das ideologias críticas ao capitalismo e do reformismo social e político. Mas, sobretudo, expressava a rejeição dos setores conservadores aos novos agentes políticos que emergiam como protagonistas da transformação social: os trabalhadores, os sindicatos, e suas demandas por participação política e social.
Durante o governo de João Goulart, foi promovida uma intensa campanha de deslegitimação do governo e de suas iniciativas no campo social. Associava-se o medo dos comunistas com a degeneração moral da sociedade, com o a ideia de o povo tomar o poder, com a quebra de hierarquias tradicionais da sociedade “cristã e ocidental”, e com o fim da propriedade privada.
Jango foi acusado de construir uma “república sindicalista”, isto é, um governo com tendências comunistas, por defender a reforma agrária, o voto para pessoas não alfabetizadas, e outros direitos para os trabalhadores. Também era acusado de planejar uma ditadura pessoal, como a de Getúlio Vargas durante os anos 1930 e 1940. O apoio do Partido Comunista Brasileiro (PCB) às reformas de base de Jango era visto como a evidência de que a União Soviética pretendia expandir por aqui a ideologia comunista, inimiga das liberdades individuais e da propriedade privada.
Essa mitologia fundamentou uma ação política de setores da sociedade civil que viam nos militares brasileiros e na aliança com os Estados Unidos a força necessária para combater e impedir o avanço daquilo que era julgado como “subversivo”.
Nem todos os militares eram a favor do golpe
Em geral, ao se falar da ditadura no Brasil, imputa-se ao militares a autoria do golpe e a manutenção do estado autoritário. É frequente, por um lado, caracterizar a repressão como se ela fosse unicamente de responsabilidade da categoria militar, esquecendo a participação importante dos civis. Por outro, é comum ignorar que não foram todos os militares que apoiaram o golpe e a instalação da ditadura. Pouco se fala sobre a “resistência dos quartéis” ao golpe de 1964 e sobre a crítica interna aos rumos adotados pelos governos militares.
Fato é que os militares ficaram marcados pelo histórico repressivo e pela interpretação que se tornou hegemônica nos relatos históricos e nas memórias dos civis que resistiram. Mas os militares que não apoiaram as investidas de tomada do poder em 1964 formaram um grupo distinto que sofreu perseguições, punições e torturas.
Contrários ao militares de alta patente que esquadrinhavam os rumos da política e da economia do Brasil, cerca de 7,5 mil membros das Forças Armadas e bombeiros foram presos e torturados ou expulsos de suas corporações por oposição ao que se denominava nos quartéis de “revolução de 1964”. Assim como estudantes, sindicalistas e intelectuais, esses militares – em grande maioria de baixa patente, ou seja, subtenentes, cabos e sargentos – também tiveram um papel importante e necessário na resistência democrática e, proporcionalmente, foram penalizados em maior número que em outras categorias sociais.
Isso não corresponde a afirmar que todos estes militares perseguidos eram de esquerda. Eram de uma oposição fundamentalmente nacionalista, lutavam por questões que historicamente estavam relacionadas à preservação da soberania nacional e dos direitos humanos. De todo modo, a pauta de reivindicações desses militares, ainda antes do golpe de 1964, foi no sentido da ampliar seus direitos civis e políticos, vale lembrar que os chamados “praças” (militares não graduados) eram impedidos de votar.
Havia também, muitos oficiais de alta patente que eram contra o golpe, os chamados “legalistas”, mas que acabaram aderindo na última hora, pelo medo da quebra da hierarquia militar, por causa da movimentação dos cabos e sargentos por mais direitos.