João Goulart e o comício na Central do Brasil (13 de março de 1964)

Desde a renúncia de Jânio Quadros, o Brasil vivia um momento político tenso. O mandato de João Goulart mexeu em interesses da elite, ao trazer à pauta questões como a reforma agrária e o petróleo brasileiro. Durante o comício, que reuniu 150 mil pessoas no Rio de Janeiro, o presidente assinou decretos declarando sujeitas à desapropriação as propriedades subutilizadas. Falou-se ainda em reforma urbana e ficou determinada a tomada de refinarias de petróleo em favor da Petrobrás. Assuntos que faziam arrepiar as classes média e alta brasileiras. O cenário para o golpe estava montado. O comício foi transmitido pelo rádio – ainda na época o principal veículo de comunicação nacional – e pela TV.

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O golpe – Carlos Lacerda

O general Mourão Filho partiu de Juiz de Fora com tanques rumo ao Rio de Janeiro. Soldados tomaram as ruas e prenderam políticos, sindicalistas e estudantes. O então governador do Estado da Guanabara, Carlos Lacerda, um dos líderes civis do golpe militar de 1964 se refugiou no Palácio da Guanabara e transmitiu via rádio um possível golpe comunista, exatamente o contrário do que acontecia. Nesse áudio ele fala que os brasileiros precisavam libertar o país da ameaça comunista, ajudando, assim, a criar o pano de fundo para o golpe militar.

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O discurso de Rubens Paiva

Na madrugada do dia 1º de abril de 1964 (com o golpe militar em andamento desde o dia anterior), Rubens Paiva, deputado federal por São Paulo, fez um apelo ao vivo pela Rádio Nacional, em defesa da legalidade do presidente João Goulart. O discurso se tornou histórico pela coragem do deputado de criticar abertamente o golpe em andamento.

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O fechamento das rádios

Quando assumiu, o governo militar usou o poder de cassação de concessões em benefício do regime. A Rádio Nacional e a Mayrink Veiga, do Rio de Janeiro, foram as primeiras a sofrer com as mudanças. A primeira foi ocupada por militares um dia após o golpe e 36 de seus funcionários foram demitidos. A Mayrink Veiga saiu do ar por três semanas, voltou por alguns meses com posição política totalmente alterada, até ter a concessão retirada definitivamente em novembro do mesmo ano. Algumas rádios católicas como a 9 de Julho, de São Paulo, também foram lacradas.

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– Espetacular tomada da Rádio Nacional de São Paulo pela resistência à ditadura
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Tomada da Rádio Nacional e leitura de manifesto de Carlos Marighella

Às oito e meia da manhã, no dia 15 de agosto de 1969, um destacamento de doze guerrilheiros da Ação Libertadora Nacional(ALN) invadiu a estação transmissora da Rádio Nacional, em Piraporinha, perto de Diadema (SP). O grupo interrompeu a ligação com o estúdio e transmitiu uma gravação em que Carlos Marighella lia um manifesto. Na meia hora em que a estação esteve sob o controle da ALN o manifesto foi lido mais de uma vez.

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Guerrilha do Araguaia

Os noticiários quase não veiculavam notícias sobre a guerrilha do Araguaia, uma das mais expressivas reações armadas contra o regime militar, organizada pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B), no sul do Pará. Com todas as rádios do país e os demais meios de comunicação sob censura, as rádios paraenses e a população se mantinham informadas sobre a guerrilha através da Rádio Tirana, da Albânia. Os militares censuravam qualquer informação que pudesse passar a ideia de que os guerrilheiros estavam bem organizados e armados. Como eles roubavam bancos para comprar armas, a imprensa local não podia noticiar os assaltos a bancos. Depois, essas notícias foram liberadas, mas com uma condição: que não fosse divulgada a quantidade de dinheiro roubada. Os poucos repórteres do rádio que se atreveram a ir contra as ordens militares foram presos na região.

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Embratel e Radiobrás

Em 1965, os militares criaram o sistema Embratel, que seria responsável pela modernização das telecomunicações, e, em 1976, o Sistema Radiobrás, que centralizava o controle das emissoras do governo federal em todo o país. O Ministério das Comunicações e a Delegacia Nacional de Telecomunicações (Dentel) liberaram milhares de canais de rádio e de televisão, a fim de possibilitar a formação de uma rede nacional de telecomunicações de alcance continental (com conteúdo pró-governo).

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Nascimento da rádio FM

A rádio FM começou a operar no Brasil durante o governo militar, em 1970. Enquanto o radiojornalismo era estabelecido na rádio AM, a FM ficou conhecida por ter abrangência mais local. As rádios eram orientadas a tocar música, principalmente em inglês, para evitar problemas com a censura (que bania diversas músicas nacionais). A FM se expandiu, roubando audiência das emissoras AM, também devido à qualidade do som, mais apropriada para escutar música. Essas emissoras se tornaram veículos voltados ao entretenimento e ao lucrativo negócio musical, que patrocinava programas e emissoras.

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A implementação de projetos de História de forma geral, mas especificamente do período da ditadura, integrada com a perspectiva da educação em direitos humanos, deve priorizar não apenas fatos, mas emoções e sentimentos. É preciso garantir que os estudantes se envolvam com as temáticas abordadas.

Por isso, o portal disponibiliza conteúdos em diferentes linguagens e documentos históricos, para que os estudantes não apenas absorvam informações, mas também adquiram suficiente espírito crítico para analisar textos, vídeos, áudios, imagens, obras de arte, no contexto em que foram produzidos. Também para que desenvolvam argumentos, estabelecendo relações entre as ideias e os eventos históricos, em um diálogo entre passado e presente, problematizando questões que, embora atuais, tenham surgido ou aconteçam em diferentes tempos históricos. E tudo isso não acontece se os estudantes não forem protagonistas de suas aprendizagens.

Assim, é importante que os diferentes projetos realizados em sala de aula proponham a produção dos alunos, envolvam tarefas de pesquisa e coloquem o jovem como protagonista de um conhecimento a ser produzido, ou seja, que ele investigue e construa posicionamentos sobre o tema com base nas fontes. O resultado dos trabalhos também pode ser divulgado no portal ou em blogs, abrindo diálogo com a comunidade extraescolar.

A seguir, algumas orientações sobre como encaminhar produções dos alunos:

Em 2014, completaram-se 50 anos do golpe civil-militar que instituiu um regime ditatorial no país. Esse período tem sido rememorado em diversos filmes, livros, documentários e atos para contestar as arbitrariedades da ditadura. O governo federal criou a Comissão Nacional da Verdade para apurar os crimes cometidos contra os opositores do regime.

Apesar de haver muitas iniciativas para recuperar a memória daquele período, o Brasil ainda desconhece muito dessa história. As novas gerações sabem pouco e muitas vezes de forma parcial sobre um período tão intenso e que deixou tantas marcas na vida de muitos brasileiros.

Se a população de forma geral não conhece sua história recente, a situação é ainda pior quando identificamos a precariedade com que o assunto é tratado na educação básica, que tem como responsabilidade garantir o estudo da História do Brasil para a formação da cidadania. Os livros didáticos, por melhores que sejam, são muito limitados como fonte de informação, abordam o assunto de forma superficial e só nas últimas páginas, quando geralmente não sobra mais tempo no ano letivo.

As escolas precisam e merecem ter acesso a um material de qualidade e completo sobre esse capítulo da história de nosso país. E é para isso mesmo que existe este portal!

A música popular como veículo de crítica e resistência às ditaduras militares não foi importante apenas no Brasil. Além de estarem ligadas aos movimentos de esquerda que defendiam mudanças na América Latina, a canção engajada foi um importante foco de resistência depois dos golpes de Estado. Genericamente conhecida como “nueva canción”, a canção engajada denunciava as mazelas sociais, mobilizava as paixões políticas, elogiava os heróis individuais e coletivos que lutaram (no passado longínquo) e ainda continuavam lutando nos idos dos anos 1960 e 1970 por uma nova realidade na América Latina.

A inspiração ideológica da “nueva canción” vinha tanto das lutas nacionalistas contra o imperialismo, quanto das lutas socialistas pela emancipação das classes populares, historicamente reprimidas e excluídas da vida política na maioria dos países latino-americanos. Ambos eram fortemente temperados pela busca de uma unidade cultural latino-americana, sonhada desde o século XIX, mas que entre os anos 1950 e 1970 do século XX, voltava a motivar os movimentos revolucionários que fervilharam pelo continente.

O nacionalismo anti-imperialista que se generalizou nos anos 1950, a Revolução Boliviana de 1952, a Revolução Cubana de 1959 e a experiência socialista chilena no começo dos anos 1970 foram os principais movimentos que inspiraram as novas canções.  Os artistas engajados defendiam a busca de uma cultura “popular e autêntica” que fosse alternativa à massificação cultural do cinema e do rádio, e à entrada maciça de produtos culturais estadunidenses. Para os artistas e intelectuais que defendiam este projeto, o rico folclore das massas camponesas era uma das fontes de inspiração.

Mas não bastava se inspirar no folclore para entrar para o clube da “nueva canción”. A música comercial de vários países latino-americanos já se influenciava pelo folclore nacional desde meados dos anos 1950 e nem por isso era sinônimo de engajamento. As bases da “nueva canción” foram lançadas no momento em que o interesse pelo folclore se encontrou com uma nova postura política diante dos problemas e dilemas dos países latino-americanos, resultando em um projeto de dimensões estéticas e ideológicas bem delimitadas, ainda que muito plural em seus estilos e estéticas.

O ano de 1963 marca o início desse engajamento. Naquele ano, divulgou-se em Mendoza o “Manifiesto del Nuevo Cancionero”, que sistematizou as diretrizes da “nueva canción” argentina, enquanto, no Uruguai, era lançado o primeiro disco do uruguaio Daniel Viglietti, marco fonográfico da “canción protesta” latino-americana, como também seria conhecido aquele novo movimento cultural.

O “Manifiesto” foi escrito pelo poeta e radialista Armando Tejada Gomez, assinado por 14 artistas entre os quais Mercedes Sosa, que se tornaria a intérprete mais conhecida da canção engajada latino-americana. O texto dizia: “A busca por uma música nacional de conteúdo popular tem sido e é um dos mais caros objetivos do povo argentino”. Lançado dentro de um contexto de governo militar instaurado em 1962, com a deposição do presidente Arturo Frondizi, o “Manifiesto” aglutinou um sentimento nacionalista, libertário e de oposição às elites oligárquicas tradicionais, à medida que defendia a música popular como veículo de identidade cultural e política dos excluídos, valorizando regionalismos, promovendo a produção independente e resistindo à imitação musical de obras estrangeiras.

O Uruguai foi outro polo importante da “nueva canción”. Em 1963, seria lançado o disco “Canciones folklóricas y seis impresiones para canto y guitarra”, daquele que viria a ser o maior embaixador da música de protesto do Uruguai: o compositor, cantor e violonista Daniel Viglietti. Ao incluir no disco duas canções do argentino Atahualpa Yupanqui e um poema do cubano Nicolás Guillén, Viglietti contribuiu muito para a integração cultural das esquerdas latino-americanas,  fazendo inclusive sucesso no exterior, como na França.

O Chile também passava por um importante processo de renovação musical. Desde os anos 1950, Violeta Parra percorria os mais longínquos rincões do país para recolher materiais folclóricos. Ela se tornaria uma grande compositora da “Nueva Canción Chilena”, movimento que explode em 1965, e que tinha como epicentro a “Peña” (uma espécie de taberna musical) dos seus dois filhos, Ángel e Isabel. O movimento musical chileno foi ganhando novos membros, quase todos jovens engajados oriundos das universidades, como Victor Jara, Rolando Alarcón e os lendários grupos Quilapayún e Inti-Illimani.

Finalmente, veio de Cuba, primeiro país latino-americano a formar um governo socialista, a quarta grande “coluna” musical alinhada com o novo cancioneiro latino-americano. Batizado de “nueva trova cubana“, tal movimento teve nos cantores e compositores Silvio Rodríguez e Pablo Milanés seus grandes representantes.

Em todos estes países, particularmente no Chile e em Cuba, a “nueva canción” foi além do folclorismo ou das baladas com letras diretas e engajadas, uma vez que criou novas formas poéticas e arranjos musicais sofisticados, em alguns casos inspirados no jazz e no rock, embora o violão e os instrumentos de percussão e corda tradicionais dessem o tom.

Em 1967, aconteceu o 1º Encuentro de la Canción Protesta, em Havana, ocasião em que os principais nomes da música engajada se mostraram dispostos a radicalizar sua atividade e trocar figurinhas sobre os rumos da nova canção. Naquele momento, em Cuba e no Cone Sul, a polarização da Guerra Fria e a euforia com a Revolução Cubana promoviam a emergência de temas contemporâneos cada vez mais presentes nas canções de protesto. Os ideais revolucionários, o anti-imperialismo, a crítica à guerra do Vietnã, e a defesa da reforma agrária na América Latina eram alguns deles. Estiveram no evento os chilenos Ángel Parra e Rolando Alarcón, e os uruguaios Alfredo Zitarrosa, Daniel Viglietti e Los Olimareños, entre outros.

A experiência socialista no Chile governado pela Unidad Popular (1970-1973) e os movimentos de guerrilha anti-imperialistas e socialistas que se disseminaram pelo continente entre o fim dos anos 1960 e começo dos anos 1970, foram embalados pela trilha sonora da “nueva canción”. Não por acaso, os principais compositores tiveram que se exilar depois dos golpes de Estado que instauraram ditaduras militares. No Chile, tal era a identificação da “Nueva Canción Chilena” com o governo deposto da Unidad Popular, que o general Pinochet proibiu os instrumentos típicos deste movimento, como a charango  e a zampoña.

Ao longo das décadas de 1970 e 1980, enquanto durou a ditadura militar no Brasil, canções de Violeta Parra, Sílvio Rodríguez e Pablo Milanés foram largamente executadas e regravadas no país, em especial por Milton Nascimento (“Volver a los 17″, em 1976, “Canción por la Unidad Latino-Americana”, em 1978, “Sueño con Serpientes”, em 1980) e Chico Buarque (“Pequeña Serenata Diurna”, em 1978, “Supõe”, em 1982, “Iolanda” e “Como se fosse a primavera”, em 1984). Artistas que, à sua maneira, faziam canções de protesto e se esforçavam para promover o diálogo com os países vizinhos.

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

GOMES, Caio de Souza. Quando um muro separa, uma ponte une: conexões transnacionais na canção engajada na América Latina (anos 1960/70). São Paulo: Alameda, 2015.

Aqueles anos de chumbo foram cheios de intolerância e radicalização estética e política. Disputas insufladas nos festivais migravam para as gravadoras, os canais de TV, a vida pessoal. Na Copa de 1970, enquanto a seleção conquistava o tricampeonato no México, a linha dura do regime institucionalizava a tortura como método de repressão e fazia disparar as estatísticas (não computadas, não divulgadas) de mortes e desparecimentos políticos.

A oposição ao governo inflamava-se de tal maneira que surgiu a patrulha ideológica de esquerda que apontava o dedo para todos aqueles que ousavam gravar canções ufanistas e que revelassem amor pelo país, o que bastava para ser acusado de conivência com o sistema.

Dom & Ravel e Os Incríveis faziam canções ufanistas e tornaram-se queridinhos dos militares com “Eu te Amo Meu Brasil”. Nem “País Tropical”, de Jorge Ben (depois Benjor), escapou.

Enquanto as polarizações permaneciam — entre acústicos e plugados, engajados e desbundados, “comprometidos” e “traidores” — a maioria dos ouvintes de música popular brasileira queria mesmo era se divertir com o soul dançante de Simonal e Jorge Ben e, principalmente, com o pop-cafona de Odair José, Waldik Soriano e Agnaldo Timóteo, na época ídolos da música brega. Odair José, um dos artistas mais represtativos do período do regime militar, é o autor da canção “Uma Vida Só (Pare de Tomar a Pílula)”, censurada, como tantas outras de sua autoria, não por ideologia política stricto sensu, mas por atentar contra os bons costumes.

Enquanto isso, o samba pedia passagem com Clara Nunes, a primeira mulher a vender mais de 100 mil cópias de um LP, Paulinho da Viola, Alcione, Martinho da Vila, Beth Carvalho, Paulo César Pinheiro e, diretamente de São Paulo, o macarrônico Adoniran Barbosa, entre outros.

A música sertaneja avançava com Tião Carreiro & Pardinho, Milionário & Zé Rico, Chitãozinho & Xororó, Sérgio Reis, apresentando os primeiros indícios do fenômeno de massa que seria consolidado nos anos 1990, com canções como “Estrada da Vida”, de Milionário & Zé Rico.

Diga-me o que ouves e te direi quem és. A partir dos anos 1950, a música passou a ser tratada como um território em disputa: cada ritmo uma religião, cada gênero um time de futebol. Não apenas se disseminaram os rótulos, a ponto de os gêneros musicais começarem a ser impressos nos selos dos álbuns, como também se difundiu o costume de averiguar a filiação estética. Em outras palavras, a “panelinha” a que cada artista estava associado. Fulano cantava samba, cicrano fazia choro, beltrano tocava toadas. E fazia toda a diferença saber se o samba era de morro, de carnaval, de breque ou samba-canção. Dependendo do samba, dava para concluir se um artista era mais solar ou noturno, pobre ou rico, enfim, que apito ele tocava.

Foi assim que os jovens da Zona Sul carioca, carentes de um repertório que tivesse a sua cara — mais requintado que os sambas de morro, mais praiano que os sambas-canção de boate, em que imperava a fossa e a dor de cotovelo — investiram suas fichas na bossa nova, movimento musical surgido em 1958. Movimento, sim, porque era mais do que um gênero. Harmonia, melodia, ritmo e letra transmitiam a essência do que era ser jovem na Zona Sul do Rio de Janeiro. A música não se limitava aos discos e shows. Todo o resto tinha de fazer sentido também: das roupas ao corte de cabelo, das gírias aos locais frequentados.

Essa lógica se estendeu aos demais movimentos que se seguiram. A jovem guarda, criada pela moçada com um olho no rock estrangeiro. As canções de protesto, preferidas por quem militava no movimento estudantil e na resistência à ditadura. O tropicalismo, que buscava assimilar guitarras e música regional, liberdade de expressão e cultura de massa. Cada um à sua maneira, os movimentos contribuíram para elevar a prática musical a um patamar político sem precedentes no Brasil.

Processo semelhante caracterizou a música latino-americana, especialmente nos países que viviam sob ditaduras militares ou sob governos socialistas recentes. A nueva trova cubana, o nuevo cancionero argentino, o canto popular uruguaio, a nueva canción chilena foram algumas denominações mais ou menos locais para uma tendência geral de valorização de ritos folclóricos e expressões populares, quase sempre revestidas com letras de protesto.

Em todos esses lugares, desde meados dos anos 1960, a arte foi cerceada pela censura, e muitos compositores foram presos e exilados. Alguns morreram. O chileno Victor Jara, preso no dia do golpe que depôs Salvador Allende em 1973, teve as mãos esmigalhadas e o corpo crivado por mais de 30 tiros numa noite de extermínio do Estádio Nacional, em Santiago (o mesmo que, em 2003, virou Estádio Victor Jara). No Brasil, o arbítrio se abateu principalmente sobre os autores da música de protesto e da Tropicália — Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Taiguara e Geraldo Vandré foram alguns dos artistas presos e exilados.

A função social da música deixava de ser o mero entretenimento. As canções eram concebidas para fazer pensar. E contaminavam as demais esferas da vida cultural: a moda, o comportamento, a atitude. E não é que, de uma hora para outra, cada ouvinte percebeu que era preciso procurar sua turma?

A partir dos anos 1950, o Brasil passou por uma ebulição musical nunca antes vista, com um caldeirão de movimentos: bossa nova, jovem guarda, tropicalismo, música de protesto. Os festivais de música brasileira despertavam paixões no público, com vaias e aplausos calorosos. Mas, nos rebeldes anos 1960 e 1970, cantar virou atividade de risco, já que a censura baixava seu carimbo sobre aqueles que se insurgiam contra o regime.

Se o rádio foi o meio de comunicação estratégico da ditadura de Getúlio Vargas, a televisão foi o do regime militar. Por meio dela, o governo queria “integrar” o Brasil, veiculando para todos os rincões do país seus valores e realizações. Mas a TV nos anos 1970 foi além dessas expectativas conservadoras. Foi também o veículo em que artistas e autores de oposição veicularam obras de contestação à ditadura.