O rádio teve uma importância muito grande no contexto do golpe e do regime militar. Vários momentos históricos foram transmitidos por esse meio de comunicação, a ditadura se utilizou dele para veicular programas oficiais e propagandas, e a resistência contra a ditadura também passou pelas ondas radiofônicas. Nesse período, o rádio ainda era parte fundamental do cotidiano da população brasileira.
Autor: Andre Deak
Quando se fala em resistência cultural à ditadura, é bem provável que venha à cabeça um conjunto de músicas, filmes e peças de teatro. A literatura parece ter ocupado um lugar secundário. Ledo engano! A literatura teve um papel importante entre as artes de resistência. Tanto no diagnóstico da violência e da experiência social sob o autoritarismo, quanto no exame das contradições e impasses dos intelectuais de esquerda que se opunham ao regime.
A produção brasileira de artes plásticas no período da ditadura refletiu não só o inconformismo com o regime autoritário, como também as mudanças artísticas pelas quais o mundo passava na época. Se, durante os anos 1950, havia um otimismo da arte nacional em relação ao desenvolvimento do país, como nos mostram o concretismo e a construção de Brasília, nos anos 1960, a palavra de ordem era romper com todos os padrões do “sistema”.
O teatro feito durante o regime militar, apesar de ter tido menos público do que o cinema e a música popular, propiciava o encontro físico com a plateia, que muitas vezes comungava os valores críticos à ditadura. A classe teatral esteve entre os principais alvos da repressão, mesmo na fase inicial da ditadura, quando as liberdades individuais dos artistas estavam razoavelmente garantidas.
A partir dos anos 1950, o Brasil passou por uma ebulição musical nunca antes vista, com um caldeirão de movimentos: bossa nova, jovem guarda, tropicalismo, música de protesto. Os festivais de música brasileira despertavam paixões no público, com vaias e aplausos calorosos. Mas, nos rebeldes anos 1960 e 1970, cantar virou atividade de risco, já que a censura baixava seu carimbo sobre aqueles que se insurgiam contra o regime.
Soa paradoxal: apesar do conservadorismo e da violência do regime, a produção cultural brasileira durante a ditadura militar vem sendo lembrada sobretudo pelo engajamento político à esquerda, pelo desejo de mudança, pelas críticas ao governo.
Novo Cinema Latino-Americano
Até o surgimento do Novo Cinema Latino-Americano, a região produzia filmes inspirados no neorrealismo italiano, com a intenção de promover alguma crítica social. Um de seus principais expoentes foi Emilio Fernandez, autor de obras como Maria Candelária (1943). Nesse filme, Dolores Del Rio é uma índia segregada do convívio com seus pares, por ser a filha de uma mulher assassinada pela comunidade local pela forma como ganha a vida. O longa explora, pela primeira vez, elementos melodramáticos que vão fundar a base para o que hoje se vê nas populares novelas produzidas no México.
Já nas décadas de 1960 e 1970, período de extrema restrição das liberdades individuais e coletivas, essa busca por identidade perde espaço. O objetivo do Novo Cinema Latino-Americano (NCLA) é fazer da atividade cinematográfica um instrumento de emancipação, uma frente de luta contra o imperialismo estadunidense. No lugar de um cinema para o entretenimento, entra em cena a valorização da cultura e da tradição – a língua, as locações, os personagens, as vestimentas, as músicas – com foco nas classes populares e na revolução. Para além da pobreza e da desigualdade, os cineastas atuavam de olho na censura e na repressão. Dentre seus autores, reunidos em grupos ou individualmente, destacam-se:
::. Grupo Cine Liberación (Argentina): Nascido no fim dos anos 1960, como braço cinematográfico do general Juan Domingo Perón, que à época vivia exilado na Espanha de Francisco Franco. Tendo como principais expoentes Fernando Birri, Fernando Solanas e Octavio Getino, pretendia produzir obras abertas, capazes de despertar a consciência do espectador, em oposição ao cinema catártico de Hollywood.
::. Grupo Ukamau (Bolívia): De Jorge Ruiz e Jorge Sanjinés, dedicado a produzir um cinema de baixo custo, filmado em espaços reais, não cenários, permitindo o improviso, e comprometido com a realidade social e a identidade cultural do seu povo.
::. Cinema Novo (Brasil): De Glauber Rocha e Nelson Pereira dos Santos, comprometido em fazer um cinema autoral, sincero, criativo, voltado para a realidade social e econômica do Brasil. Um cinema capaz de comunicar o povo ao povo, e de provocar a revolução nacional e popular necessária para a superação das desigualdades.
::. Cinemateca del Tercer Mundo (Uruguai): Nela, o cineasta Mario Handler conseguiu apoio para produzir dois documentários, Liber Arce, Liberarse (acompanhando o cortejo do primeiro estudante morto pela polícia em 1969) e El problema de la carne (sobre a greve geral dos trabalhadores de um matadouro). Em 1972, dois de seus diretores foram presos, torturados e mantidos incomunicáveis. Walter Achugar permaneceu dois meses em cativeiro. Já Eduardo Terra foi libertado apenas quatro anos depois. Durante os anos 1980, entretanto, a Cinemateca se reergueu: arregimentou 10 mil filiados, estruturou uma biblioteca, editou um periódico e livros específicos sobre a produção cinematográfica do país, e estimulou a execução de novos títulos.
Outros nomes representantes do Novo Cinema Latino-Americano:
::. Raúl Ruiz, Miguel Littín, Lautaro Murúa e Aldo Francia (Chile);
::. Julio García Espinoza, Tomás Gutiérrez-Alea e Santiago Álvarez (Cuba);
::. Margot Benacerraf, Mauricio Walerstein e Román Chalbaud (Venezuela).
Com o fim da Embrafilme, fechada pelo governo Fernando Collor em 1990 em nome da austeridade de gastos do Estado e da valorização do livre mercado, o cinema brasileiro virtualmente acabou. Não se trata apenas de força de expressão, e sim de um fato estatístico incontestável. Em 1992, apenas um filme brasileiro de longa metragem estreou no mercado.
Com a queda do governo Collor, a partir de um grande movimento político e social contra a corrupção, a situação do cinema começou a melhorar. O governo Fernando Henrique Cardoso criou leis de incentivo e captação de recursos para viabilizar o cinema, estimulando o patrocínio privado à base de renúncia fiscal para produzir filmes brasileiros.
Iniciou-se o chamado “cinema da retomada”, depois de anos de crise. O ritmo de produções ficcionais e documentais aumentou, estabelecendo, em muitos casos, parcerias com as grandes emissoras de televisão, sobretudo a Rede Globo. Mesmo sem atingir os níveis de público dos anos 1970, quando esteve no auge da popularidade, o cinema brasileiro renascia das cinzas.
Nos anos 1970, o cinema brasileiro vivenciou um paradoxo. Era apoiado financeiramente pelo mesmo Estado autoritário que praticava a censura. Como se explica esse paradoxo? Qual o legado do cinema brasileiro moderno que se fortaleceu durante a ditadura militar? Como os filmes ajudaram a fixar, na memória e no debate cultural, certas imagens sobre a ditadura e seus opositores?
O aparato de repressão montado pela ditadura civil-militar de 1964, como se sabe, foi dirigido, explícita e predominantemente, contra os “subversivos” e “comunistas”. Mas os golpistas foram além! Montaram também um aparato de controle moral contra os comportamentos sexuais, tidos como “desviantes”. Assim, homossexuais, travestis, prostitutas e outras pessoas consideradas “perversas”, ou “anormais”, foram alvo de perseguições, detenções arbitrárias, expurgos de cargos públicos, censura e outras formas de violência.
À forte repressão sofrida, a comunidade LGBTs respondeu com a criação e o fortalecimento de movimentos de resistência inspirados nas organizações de luta por direitos de homossexuais, surgidas no contexto internacional. No fim dos anos 1970, diversos grupos começaram a se mobilizar e formar coletivos de enfrentamento à opressão do Estado, e ao preconceito contra a população LGBT, em defesa de seu reconhecimento e de seus direitos. A perseguição aos homossexuais no período da ditadura foi mais um capítulo na história de violência de que são alvos pessoas e organizações LGBTs. Por isso, a sua luta continua necessária e atual no Brasil e no mundo.