O futebol não está isolado do restante da sociedade. Como parte dela, reflete as mesmas contradições, interesses e tensões. Influencia e é influenciado. Usa e é usado. Joga e deixa jogar. Na noite que durou 21 anos, a bola não parou de rolar no Brasil. O futebol se modernizou, fomos tricampeões mundiais, grandes estádios foram construídos, o campeonato nacional nasceu. Por outro lado, vozes aqui e ali tentaram dizer que alguma coisa não ia bem. Como em outros campos da sociedade, o futebol brasileiro durante a ditadura militar foi espaço de conivência e atrito, submissão e tensionamento, propaganda e resistência.

Selecionamos 50 histórias que refletem essa relação entre o futebol e a ditadura militar no Brasil. Não são todas as histórias do período, claro, mas uma boa síntese dos usos do futebol pela ditadura, das tensões entre personagens e o regime, dos espaços de resistência e das vezes em que futebol e ditadura apenas se cruzaram no caminho.

(Textos de Daniel Cassol e Leandro Stein, publicados nos sites Impedimento e Trivela, em 04/04/2014)

A ditadura militar no Brasil passou por três fases diferentes ao longo de seus 21 anos de duração. A primeira foi de legalização do regime autoritário, por meio de decretos-lei e de uma nova constituição. A segunda, de recrudescimento da repressão e da violência estatal contra os opositores da ditadura. E a terceira, de reabertura política, com a Lei da Anistia e o movimento pelas eleições diretas para presidente.

Quando o presidente João Goulart anunciou que iria colocar em prática as Reformas de Base, com objetivo de reduzir a concentração da renda e da terra no país, milhares de pessoas saíram às ruas para defende-las e aprofundá-las. Contudo, apesar do forte apoio popular às mudanças anunciadas, os setores da sociedade ligados ao pensamento conservador protestaram contra o governo, considerado por eles uma porta de entrada para o comunismo no Brasil. Isso animou os golpistas, que perceberam uma importante disposição de setores das classes médias para sustentar a derrubada do presidente por quaisquer meios.

A partir de 1976, o presidente Ernesto Geisel decidiu controlar de maneira mais direta os “porões da repressão”, dentro da estratégia de preparar o regime para uma futura transição para um governo civil. Mas, durante esse período chamado de “abertura”, registrou-se uma atividade terrorista de direita. Uma sequência de atentados à bomba contra pessoas, órgãos da imprensa, livrarias, universidades e instituições identificadas com a oposição, marcaram a escalada de violência de direita.

Os militares no poder procuraram sempre atuar a partir de uma “legalidade autoritária”. Mas para combater qualquer um que contestasse o regime mais diretamente, os chamados “subversivos”, não deveria haver limite jurídico, ético ou moral. Assim, principalmente a partir de 1968, o Estado brasileiro patrocinou uma repressão ao mesmo tempo legal e ilegal, baseada em censura, vigilância, tortura sistemática, prisões ilegais e desaparecimentos.

O sucesso da Revolução Cubana e a aproximação do país com a União Soviética acirraram a luta dos Estados Unidos contra o comunismo na América Latina, resultando em golpes militares em diversos países. Para integrar a repressão a movimentos guerrilheiros e a opositores das ditaduras em geral, foi criada a Operação Condor, que aprofundou a cooperação entre as forças de segurança das várias ditaduras latino-americanas, entre elas, Brasil, Argentina, Uruguai, Chile e Paraguai.

Já imaginou viver num mundo bipolar, dividido entre países capitalistas e comunistas, em constante disputa entre eles? Pois saiba que já foi assim, e não faz muito tempo. E isso teve muita influência sobre o golpe militar e a ditadura no Brasil (e em outros países da América do Sul). Os Estados Unidos apoiaram golpes contra governos eleitos pelo voto e também pressionaram os países a lutar contra o comunismo na região.