Cara a cara - 2 - jul. a dez. 78

Atuação Profissional

Bancário

Organização

Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR)

Filiação

Nathayl Machado da Fonseca e José Augusto Valente da Fonseca

Data e Local de Nascimento

13/1/1946, Rio de Janeiro (RJ)

Data e Local de Morte

29/12/1972, Rio de Janeiro (RJ)

Fernando Augusto Valente da Fonseca

Fernando Augusto Valente da Fonseca

Fernando Augusto Valente da Fonseca morreu no dia 29 de dezembro de 1972, em ação comandada pelo Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) do I Exército, Rio de Janeiro, para onde foi transferido depois de ter sido preso e torturado por agentes do Estado no DOI-CODI do IV Exército, em Recife.

 

Segundo a falsa versão, Fernando e outros cinco militantes do PCBR teriam morrido em confronto armado com agentes das forças de segurança no dia 29 de dezembro de 1972. A nota, divulgada pelo serviço de relações públicas do I Exército somente na edição do Jornal do Brasil de 17 de janeiro de 1973, com o título “Destruído o Grupo de Fogo Terrorista do PCBR/GB”, informava que em ações simultâneas, realizadas em pontos diferentes da Guanabara, os órgãos de segurança, prosseguindo operações contra grupos terroristas remanescentes, desbarataram duas importantes células do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), que atuavam coordenadas nos bairros de Grajaú e Bento Ribeiro.

As operações contra o grupo teriam se viabilizado graças a informações obtidas a partir da prisão de lideranças regionais do PCBR e da apreensão de documentos relativos ao planejamento de ações futuras. Particularmente, a prisão de Fernando Augusto da Fonseca, importante quadro do PCBR, em Recife, no dia 26 de dezembro de 1972, teria possibilitado o desmonte do chamado Grupo de Fogo do PCBR. Segundo a mesma versão, em seu interrogatório, Fernando Augusto teria fornecido às equipes de investigação informações sobre dois aparelhos do PCBR, localizados no Rio de Janeiro.

De posse dessas informações, os agentes do DOI-CODI/IV de Recife teriam conduzido Fernando até o Rio de Janeiro, onde ele teria acompanhado um grupo de agentes a um “ponto” no bairro do Grajaú, que estava marcado para o encontro de outros quatro militantes. No Grajaú, ao se aproximar do carro no qual aguardavam os outros quatro integrantes do partido, Fernando teria sido baleado por seus próprios companheiros que, percebendo o cerco policial, decidiram abrir fogo. Na sequência, um intenso tiroteio com as forças de segurança teria resultado na morte de José Bartolomeu Rodrigues, Getúlio de Oliveira Cabral e José Silton Pinheiro, cujos corpos teriam sido carbonizados dentro do veículo, incendiado em decorrência da troca de tiros.

Um quarto militante teria conseguido escapar, mas este nunca chegou a ser identificado. No mesmo momento, outra equipe teria se deslocado para o bairro de Bento Ribeiro, local onde estariam outros militantes do PCBR. No segundo confronto travado no “aparelho”, ainda narrado pela falsa versão, dois militantes teriam reagido ao cerco policial com armas de fogo, inclusive granadas de mão, e acabaram mortos no tiroteio. De acordo com a nota oficial, as duas vítimas seriam Valdir Salles Saboia e Luciana Ribeiro da Silva, nome falso de Lourdes Maria Wanderley Pontes.

As investigações realizadas pela CEMDP e pela Comissão Nacional da Verdade (CNV) revelaram a existência de indícios que permitem desconstruir a versão oficial divulgada pelos órgãos da repressão. Como oficialmente reconhecido, Fernando foi preso no dia 26 de dezembro de 1972, em Recife, e levado ao DOI-CODI/IV. Nessa data, Fernando se preparava para viajar com a sua esposa, Sandra Maria da Fonseca, e seu filho para Belo Horizonte, onde passariam o fim de ano. De acordo com o depoimento de Sandra Maria anexado ao processo da CEMDP, pouco antes da viagem, Fernando deixou o hotel no qual estavam hospedados para se encontrar com outro militante da organização.

Cerca de uma hora mais tarde, Sandra Maria foi presa, encapuzada e levada com o filho do casal por agentes da Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS) de Pernambuco para um local que não sabia identificar. Lá, foi informada que seu marido também estava detido, porém não chegou a vê-lo. Depois de passar um dia inteiro sendo interrogada, foi conduzida para outro local que parecia ser uma residência, de onde só foi libertada no dia 16 de janeiro de 1973 e apenas no dia posterior soube, pela imprensa, da morte de seu marido.

Outros elementos corroboram para fragilizar a versão oficial de morte dos seis militantes do PCBR. Em relatório do Centro de Informações da Aeronáutica (Cisa) sobre as atividades do PCBR está listado, entre outras ações, um assalto a banco que teria ocorrido em outubro de 1972, na rua Marquês de Abrantes, no Rio de Janeiro. Segundo o Relatório, as informações sobre essa ação tinham sido levantadas a partir de declarações de Fernando Augusto da Fonseca e Valdir Salles Saboia. Esse registro aponta para um contato de agentes da repressão com Valdir, anterior à morte do militante, o que indica que também foi detido e interrogado no final de 1972, contrariando a versão de tiroteio após o “estouro” de um aparelho.

A prisão de Valdir Saboia é confirmada por outro documento do Cisa, de 19 de março de 1973, que apresenta um extrato das declarações do militante, relacionando às ações do PCBR mapeadas a partir de seu interrogatório. No caso das mortes de Valdir e Lourdes Maria, o caráter fantasioso do episódio narrado também se evidencia pela indicação do endereço da casa onde teriam sido mortos em Bento Ribeiro: trata-se da rua Sargento Valder Xavier de Lima, nome de um militar morto por militantes do PCBR, em 1970, em Salvador (BA).

Além disso, como já observado pela CEMDP, as fotos da perícia técnica desmentem a versão de tiroteio, que teria envolvido inclusive o uso de granadas, no suposto aparelho em Bento Ribeiro. As fotos mostram que não há marcas de tiros na parede, e o corpo de Lourdes Maria aparece em um canto da sala e atrás de uma árvore de natal, que permanece com as bolas de vidrilho intactas. A provável prisão anterior dos militantes e a encenação do tiroteio no Grajaú com a carbonização do veículo para encobrir suas mortes sob tortura ou execuções também são sustentadas pelo ex-preso político Rubens Manoel Lemos, que afirmou, em declaração prestada em 31 de janeiro de 1996, que Fernando Augusto da Fonseca (“Sandália”) e José Silton Pinheiro e Getúlio de Oliveira Cabral foram colocados, já mortos, dentro de um carro da marca Volkswagen, que foi incendiado (explodido) no Rio de Janeiro.

Essa declaração é endossada por outros testemunhos que chegaram ao conhecimento do então deputado federal Nilmário Miranda, enquanto membro da Comissão Externa para Mortos e Desaparecidos Políticos, e denunciaram a morte dos militantes no DOICODI/RJ. Soma-se a isso a análise dos registros fotográficos do local das mortes pela equipe pericial da CNV, que concluiu que o carro foi carbonizado de dentro para fora, uma vez que o motor e o tanque de combustíveis estavam intactos. Segundo a avaliação dos peritos, tanto a distribuição da queima como a intensidade das chamas nos locais tingidos indicam que o fogo foi colocado no interior do veículo, tendo se propagado de dentro para fora. Além disso, é possível observar, pelas fotos, que o fusca não apresentava perfurações de disparos em sua carroçaria.

O registro fotográfico indica o corpo de Fernando do lado de fora do veículo, sendo possível perceber escoriações que revelam as torturas sofridas. A partir da análise da foto, a equipe de perícia da CNV também constatou que o tiro que Fernando tinha recebido era recente, indicando que morreu no local do suposto tiroteio. Outro indício de falsidade da versão oficial diz respeito ao encaminhamento dos corpos para o necrotério do Rio de Janeiro. De acordo com a versão divulgada pelos órgãos de segurança, os dois confrontos teriam ocorrido em horários distintos e em diferentes pontos da cidade: duas vítimas teriam morrido em Bento Ribeiro e as outras quatro no Grajaú, bairros que ficam a aproximadamente 15 quilômetros de distância um do outro. Seria esperado, portanto, que os corpos chegassem ao necrotério em momentos distintos.

Não obstante, os documentos oficiais atestam que, ao contrário, todos os corpos deram entrada no Instituto Médico-Legal (IML) às 2h30 da madrugada do dia 30 de dezembro, em guias sequenciais, o que indica que foram recolhidos juntos. Assim como os demais, o corpo de Fernando Augusto deu entrada no IML como desconhecido, embora os próprios órgãos de segurança tivessem pleno conhecimento da sua identidade, inclusive porque reconheceram oficialmente sua prisão desde o dia 26 de dezembro de 1972.

O responsável pelo reconhecimento do corpo de Fernando Augusto foi o irmão de sua esposa, Fernando Albagli, que relatou em depoimento prestado à Justiça Federal do Rio de Janeiro ter notado vários sinais de maus-tratos, como “rosto bastante deformado, com marcas arroxeadas pelo pescoço”, evidenciando as torturas sofridas por Fernando Augusto antes de morrer. O médico Roberto Blanco dos Santos, conhecido por assinar laudos fraudulentos, foi responsável pelo exame de necropsia dos seis militantes mortos.

Apesar de a versão oficial afirmar que morreram em eventos distintos, chama atenção o fato de que os atestados de óbito de Valdir Salles Saboia e de Fernando Augusto da Fonseca registram exatamente a mesma descrição de causa mortis: ferimentos penetrantes do tórax determinando transfixão do coração e do pulmão esquerdo. O corpo de Fernando Augusto da Fonseca foi enterrado pela família no cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro (RJ). Embora não seja possível apontar as reais circunstâncias de morte dos seis integrantes do PCBR, fica demonstrada a falsidade da versão divulgada à época, com claro intuito de encobrir a morte das vítimas por execução e em decorrência de tortura. Alguns outros detalhes, que refletem pesquisas realizadas pela CNV no acervo histórico do Arquivo Nacional sobre o caso, estão descritos no capítulo 11 deste relatório.

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