O pseudônimo do cantor, compositor e escritor argentino Héctor Roberto Chavero foi emprestado de dois imperadores incas: Atahualpa (1532-1533) e Túpac Yupanqui (1471-1493). Em quíchua, significa “aquele que vem de terras distantes para dizer algo”. Sua obra fez jus ao nome.
Considerado o grande precursor da nueva canción argentina, Atahualpa Yupanqui foi o maior pesquisador de música folclórica daquele país, uma espécie de Mário de Andrade das terras cisplatinas. Ele legou à música popular argentina um vasto cancioneiro recolhido não só no interior, mas também em países vizinhos. “Duerme Negrito”, por exemplo, uma das muitas canções que recolheu e gravou, foi ouvida por ele na divisa da Venezuela com a Colômbia.
Ao lado do também compositor Buenaventura Luna, Yupanqui é citado no “Manifiesto del Nuevo Cancionero”, de 1963, como contributo da música popular argentina, responsável por dar um “empurrão renovador” na música folclórica, que, antes deles, “padecia sem vida”. “Tanto Luna como Yupanqui surgem nas duas regiões mais ricas em expressão musical, o Norte e Cuyo”, detalha o manifesto. “Embora não sejam os únicos, estes são os mais representativos precursores pela qualidade e pela extensão de suas obras e por sua vocação em expressar renovadamente a música popular latina”.
Atahualpa Yupanqui compôs aos 19 anos uma de suas canções mais famosas, “Camino del indio”. Durante o primeiro governo de Perón (1946-1952), foi censurado e preso algumas vezes em razão de sua atividade e de sua filiação ao Partido Comunista. Mudou-se para a Europa em 1949 e foi convidado por Edith Piaf para tocar em Paris em julho de 1950.
Teve os dedos da mão direita quebrados numa de suas passagens pela prisão. No cárcere, algozes colocaram uma máquina de escrever sobre sua mão e se puseram a pular em cima dela, para que nunca mais tocasse. “Há acordes como o si menor que me custa fazer”, declarou. Seus dois principais discos, nos quais registra parte do repertório recolhido, saíram em 1957. Compôs e gravou trilha para filmes, escreveu romances, e foi regravado por muita gente, de Mercedes Sosa a Elis Regina.
O que disseram:
“Para mim, uma das figuras mais ricas da América Latina é o grande cantor e poeta indígena Atahualpa Yupanqui. Tenho por ele uma admiração fantástica, por sua poesia, por sua maneira de tocar violão, sua forma de cantar. Eu me lembro que, quando fui castigado pelo Vaticano com o silêncio obsequioso, citei um verso de Atahualpa: ‘la voz no la necesito/ sé cantar hasta en silencio’. (…) Para mim, Atahualpa é uma referência de arte, porque creio muito na beleza e na arte como fatores de liberdade. E ele é, para mim, uma pessoa que me inspira, tanto no aspecto literário, no aspecto musical, quanto por sua visão de mundo: o ser humano profundamente ligado à ‘Pachamama’ (Mãe-Terra), constituindo uma coisa única, o ser humano como Terra, que caminha, sente, pensa e ama.” (Leonardo Boff, teólogo e intelectual ambientalista).
“Yupanqui dizia-se o ‘cantor de artes esquecidas’, e ainda que dentro das limitações que temos levantado, tornou-se uma das poucas vozes que defendiam, nas décadas de 1930 e 1940, algo como ‘o subalterno do subalterno’. E que, essencialmente, lhe deram voz. (…) Até a chegada de Yupanqui (e pelo menos por mais trinta anos depois dela) o índio era tratado na canção folclórica do mesmo jeito que fora retratado na historiografia oficial: selvagens, anticivilizados, autores de derramamentos de sangue. Com Atahualpa aparece o indígena interpelado como o ‘sábio ancestral’, natural, não contaminado, mas esquecido e ao qual era preciso resgatar de tal esquecimento.” (Carlos Molinero, biógrafo do autor, e Pablo Vila, no artigo “Atahualpa, Voz e Silêncio do Índio na Canção”).