Edson Luiz Lima Souto morreu no dia 28 de março de 1968, após ter sido atingido por disparo de arma de fogo durante uma manifestação no interior do restaurante Calabouço. Em 1967, o restaurante havia sido demolido para dar lugar a um trevo rodoviário no Aterro do Flamengo e, desde então, estava sendo reconstruído em outro local. Ao ser reaberto, o Calabouço estava inacabado, com “chão de terra batida” e, além disso, os usuários passaram a ser selecionados a fim de evitar a “infiltração de elementos estranhos”. No dia 28 de março de 1968, os estudantes ocuparam a nova sede do restaurante no intuito de reivindicar a aceleração e o término das obras, melhores condições de higiene, a qualidade da alimentação e a garantia de que todos os estudantes pudessem ter acesso ao restaurante. O local foi ocupado por cerca de 25 policiais militares que usaram armas de fogo contra os manifestantes. Edson Luiz foi atingido por um tiro no peito e morreu imediatamente. Os estudantes que ocupavam o restaurante Calabouço não permitiram que o corpo fosse levado ao Instituto Médico-Legal (IML) e o conduziram para a Santa Casa de Misericórdia, vizinha ao restaurante, e, depois de confirmada a morte, para a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. O corpo do jovem foi velado durante toda a noite e a Assembleia transformou-se em local de peregrinação, mobilizando milhares de estudantes, intelectuais, artistas e trabalhadores, que acenderam velas em suas escadarias. Durante o velório, outras pessoas foram feridas na praça Marechal Floriano em decorrência da violência policial. No dia 29 de março, 50 mil pessoas acompanharam o funeral de Edson Luiz. O jovem foi sepultado ao som do hino nacional, cantado pela multidão que também entoava um grito de protesto em coro: “um estudante foi assassinado, poderia ser seu filho...”. De acordo com o Jornal do Brasil, de 30 de março de 1968, a morte gerou a manifestação de diversos deputados cariocas contra a ação da Polícia Militar (PM) do estado do Rio de Janeiro. Além do pronunciamento de deputados, seguiram-se passeatas, comícios, manifestações e novas prisões em várias partes do Brasil, como relatou o jornal O Cruzeiro de 13 de abril de 1968. A missa de sétimo dia, realizada na igreja da Candelária, no Rio de Janeiro (RJ), transformou-se em protesto nacional, gerando prisões e mortes de outros estudantes em diferentes estados do país. Segundo Zuenir Ventura no livro 1968: o ano que não terminou, centenas de fuzileiros, agentes do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) e soldados da PM procuraram dispersar, atemorizar e prender pessoas que chegavam para a missa. Ao final da cerimônia, 15 padres saíram à frente da multidão, seguidos pelos que assistiram à missa. O cortejo “caminhava lentamente em direção a um muro de cavalos indóceis e cavalarianos irascíveis”. O Jornal do Brasil de 30 de março de 1968 afirmou, em uma de suas manchetes, que peritos provaram que “a polícia não atirou só para o alto” e que alguns tiros visaram os próprios estudantes. Primeiro, a polícia teria invadido a sala de refeições, atirando para o ar, e depois nas pessoas. Segundo Ziraldo, ao descrever o incidente assistido da janela de seu local de trabalho, “os estudantes fugiram em polvorosa das proximidades, e neste momento, eu vi um policial em posição característica de tiro e (…) alguém caindo”. Posteriormente, o auto de exame cadavérico do corpo de Edson Luiz demonstrou que a trajetória do tiro teria sido orientada da esquerda para a direita, de cima para baixo, fato que revelaria a clara intenção de matá-lo. De acordo com o jornal da União Nacional dos Estudantes (UNE) de 1968, a repressão policial era feita a qualquer manifestação de estudantes, mesmo que fosse por pauta específica. Segundo o periódico, o governo havia compreendido o caráter político das manifestações estudantis específicas e sua importância na organização dos estudantes. Segundo o testemunho do ex-presidente da Frente Unida dos Estudantes do Calabouço (FUEC), Elinor Mendes Brito, para a CEMDP, havia uma enorme desigualdade entre a defesa dos estudantes, armados com garfos, facas, colheres, copos, bandejas, canetas, livros e cadernos e a Polícia, que cercou e invadiu o restaurante “dando ordem de prisão às lideranças, espalhando o terror e o medo, quando mais de 300 estudantes jantavam (…), quando entra a tropa de choque atirando (…). Foi uma verdadeira operação de guerra”. O relatório do pedido de vistas do caso, feito pela CEMDP, apontou que passada a comoção social com a morte de Edson Luiz, o governador do Rio de Janeiro, Negrão de Lima, mandou prender os integrantes do Batalhão Motorizado e demitiu o general Niemeyer da Superintendência da Polícia da Guanabara. As prisões e a demissão podem ser entendidas como evidências dos excessos cometidos pela polícia com relação às manifestações estudantis. Em 1997, ao defender o enquadramento legal das vítimas das passeatas na Lei no 9.140/1995, o advogado Ricardo Antônio Dias Baptista registrou: os estudantes não ofereciam (...) perigo de reação. O Estado poderia tê-los prendido, optou pelos bárbaros assassinatos. (…) Disparar tiros, rajadas de metralhadoras em manifestações estudantis realizadas em logradouros públicos é mais que um desejo de matar. Expressa vontade de provocar extermínio. A equipe da Comissão Nacional da Verdade (CNV) identificou dois documentos no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro que apontam o tenente Alcindo Costa como autor do disparo que vitimou Edson Luiz. Em um discurso no Congresso Nacional, em 30 de março de 1968, o deputado Márcio Moreira Alves afirma que o governador Negrão de Lima mandou abrir o tradicional inquérito, desta vez pedindo um representante da Ordem dos Advogados para acompanhá-lo. Anunciou também o afastamento da Secretaria de Segurança, General Oswaldo Niemeyer, que teve a petulância e a coragem de, diante de um morto e perante representantes do povo, dizer que a tropa atirara porque estava em potência de fogo inferior e contra ela eram jogadas pedras. O tenente Alcindo Costa, Comandante do Destacamento que metralhou os estudantes – e segundo testemunhas – autor dos disparos que vitimaram Edson de Lima Souto está preso e o inquérito foi instaurado. Em matéria da revista Fatos e Fotos de 1968, citada pela CEMDP no dossiê de documentos de Edson, também foi feita alusão ao tenente Alcindo Costa como autor dos disparos que mataram Edson Luiz, o estudante Benedito Frazão Dutra e o comerciário Telmo Matos Henrique. No dia 8 de maio de 2014, em depoimento prestado à Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro (CEV-RJ), Elinor Brito afirmou a relação entre o assassinato de Edson Luiz e a ação repressiva exercida pelo regime militar, que entendia as lutas estudantis como ameaças à ordem estabelecida, e que, por esse motivo, deveriam ser combatidas por meio de prisões e mortes. Os restos mortais de Edson Luiz Lima Souto foram enterrados no cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro (RJ).
Conclusão da CNV
Diante das investigações realizadas, conclui-se que Edson Luiz Lima Souto morreu em decorrência de ação perpetrada por agentes do Estado brasileiro, em contexto de sistemáticas violações de direitos humanos promovidas pela ditadura militar, implantada no país a partir de abril de 1964. Recomenda-se a retificação do auto de exame cadavérico e da certidão de óbito para que conste seu nome correto, “Edson Luiz Lima Souto”, assim como a continuidade das investigações sobre as circunstâncias do caso para a identificação e responsabilização dos demais agentes envolvidos.