

A exposição Vidas dissidentes em ditadura: repressão, imaginário social e cotidiano propõe uma imersão nas histórias de indivíduos e coletividades que desafiaram as normas sociais, morais e políticas impostas pela Ditadura (1964-1985). Por meio de documentos históricos, testemunhos e registros audiovisuais, destacamos como pessoas dissidentes de gênero e sexualidade construíram caminhos para viver e se expressar, em meio ao/apesar do autoritarismo e da repressão de uma ditadura militar.
A escolha do termo “dissidentes de gênero e sexualidade” é uma tentativa de contextualizar historicamente experiências e vivências que nem sempre foram lidas na lógica das identidades que articulamos no presente. Preferimos, assim, deixar certas definições em aberto, criando espaços para reflexão e elaboração do público da exposição.
Partimos dos dez anos do Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), quando o Estado brasileiro reconheceu, pela primeira vez, as violações de direitos humanos contra dissidentes de gênero e sexualidade entre 1946 e 1988. Esse marco é fundamental para consolidar um campo de investigação que reconhece a participação dessas pessoas nos processos políticos, sociais e culturais da história recente do país. Uma década depois, é possível avançar, graças ao acesso a novas documentações, pesquisas e trabalhos de memória realizados por pesquisadores(as), agentes culturais e iniciativas comunitárias.
A exposição parte dos marcos geralmente utilizados para contar a história da ditadura militar, refletindo se eles também permitem compreender as experiências de pessoas dissidentes de gênero e sexualidade no mesmo período. Este movimento foi possível graças ao encontro de nossas trajetórias profissionais, no trabalho em acervos comunitários (como o Acervo Bajubá e o Arquivo Lésbico Brasileiro), em instituições dedicadas à memória da Ditadura Militar e no desenvolvimento de pesquisas acadêmicas.
Os seis eixos da exposição buscam contemplar uma diversidade regional e de marcadores da diferença (gênero, raça, classe e sexualidade), num esforço de evidenciar que as experiências em ditadura puderam ser radicalmente distintas – não se resumindo à da esquerda urbana. Mas, não nos furtamos de reconhecer os limites da narrativa que produzimos, com a ausência de alguns sujeitos (como pessoas hoje reconhecidas como transmasculinas, bissexuais e intersexo); a menor quantidade de informações sobre redes de solidariedade e ativismo nos anos 1960 e as vivências de pessoas da região Norte do Brasil. Esperamos que esse reconhecimento enseje novas perguntas e pesquisas sobre o período ditatorial.
Julia Gumieri; Julia Kumpera; Marcos Tolentino e Paula Silveira-Barbosa
Equipe curatorial da exposição