Baile dos Enxutos na Boate Dizzy, Florianópolis, 1982. Acervo Arquivo Público do Estado de Santa Catarina (APESC).

Redes de Solidariedade e Ativismo

No capítulo “Ditadura e homossexualidades”, do Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade, a emergência do chamado Movimento Homossexual Brasileiro é vista como uma resposta às políticas autoritárias e repressivas da ditadura militar. A constituição de um movimento organizado foi uma forma eficaz e coletiva de enfrentar o moralismo, a patologização e a perseguição sofrida por pessoas dissidentes de gênero e sexualidade durante o período. Mas, vale perguntar: quais outras estratégias foram desenvolvidas para defender suas existências?

Este eixo mostra que vários repertórios de ação foram mobilizados por essas pessoas entre as décadas de 1960 e 1980, desmontando noções geralmente repetidas sobre as possibilidades de agenciamento político e coletivo. Diversas publicações – variadas em formatos, periodicidade e temática – foram produzidas de maneira independente muito antes da reabertura política. Algumas dessas experiências levaram à criação da Associação Brasileira de Imprensa Gay (ABIG), cujas atividades foram encerradas após o golpe de Estado de 1964. Esses periódicos permitiram a circulação de informações e também estimularam os contatos entre ativistas no Brasil e no exterior.

Espaços de sociabilidade e redes de solidariedade foram igualmente essenciais para a formulação de distintas formas de protesto social e para o estabelecimento de diálogos entre os movimentos sociais do período. Tratavam-se de brechas criadas intencionalmente para existir, para promover encontros, lazer e apoio mútuo, mesmo em condições adversas e sob o risco — social e político — que sua criação implicava.

Publicações e circulação de informações
Década de 1960
Capa do jornal Le Femme, edição nº4, publicado em outubro de 1968. Acervo Arquivo Edgard Leurenroth/Unicamp.
Capa do jornal Le Femme, edição nº4, publicado em outubro de 1968. Acervo Arquivo Edgard Leurenroth/Unicamp.
Jornal Lampião da Esquina, nº 28, setembro de 1980
Leila Míccolis entrevista Anuar Farah e Agildo Guimarães para o jornal Lampião da Esquina. Os ativistas conversam sobre os periódicos Snob e Le Femme, publicados na década de 1960. Jornal Lampião da Esquina, nº 28, setembro de 1980. Acervo Centro de Documentação Prof. Dr. Luiz Mott (CEDOC LGBTI+).
Década de 1970
Lista de distribuidores do periódico. Jornal Lampião da Esquina, nº 10, março de 1979. Acervo Centro de Documentação Prof. Dr. Luiz Mott (CEDOC LGBTI+).
Lista de distribuidores do periódico. Jornal Lampião da Esquina, nº 10, março de 1979. Acervo Centro de Documentação Prof. Dr. Luiz Mott (CEDOC LGBTI+).
Década de 1980

Wilson Mandela, remanescente do grupo Adé Dudu, fala sobre quando tomou conhecimento do jornal Lampião da Esquina. Entrevista realizada por Bruno Pinheiro, Elson Rabelo e Marcus Oliveira, da Rede de Historiadorxs Negrxs (2021).

“Diga aí, bicha”. Publicação realizada em março de 1981 pelo do Adé Dudu
“Diga aí, bicha”. Publicação realizada em março de 1981 pelo do Adé Dudu – Grupo de Negros Homossexuais, sediado em Salvador (BA), com reflexões sobre a experiência homossexual negra, a partir da coleta de depoimentos. Acervo Centro de Documentação Prof. Dr. Luiz Mott (CEDOC LGBTI+).
Anúncio sobre a assinatura do boletim ChanacomChana, publicado no jornal Mulherio em setembro de 1986. O periódico foi publicado entre 1981 e 1988 por iniciativa de um grupo de pesquisadoras feministas da Fundação Carlos Chagas (São Paulo). Mulherio, ano VI, nº 26, setembro de 1986. Repositório Fundação Carlos Chagas (FCC).
Anúncio sobre a assinatura do boletim ChanacomChana, publicado no jornal Mulherio em setembro de 1986. O periódico foi publicado entre 1981 e 1988 por iniciativa de um grupo de pesquisadoras feministas da Fundação Carlos Chagas (São Paulo). Mulherio, ano VI, nº 26, setembro de 1986. Repositório Fundação Carlos Chagas (FCC).
Encontros e sociabilidade
Em meio à repressão, sobretudo a partir do final da década de 1970, surgiram espaços de sociabilidade como boates, bares e festas que, mesmo alvos de vigilância e violência, funcionavam como territórios de liberdade, invenção estética e construção de afetos. Práticas afetivas, festivas e políticas foram fundamentais não apenas como formas de sobrevivência subjetiva e coletiva, mas também como meios de enfrentamento ativo às imposições sociais e estatais. Entre becos e salões, nas esquinas do anonimato ou sob os refletores dos palcos, essas pessoas encontraram maneiras de existir em meio ao autoritarismo, extraindo o máximo de potência dos encontros.
Década de 1960
Década de 1970
Década de 1980

Testemunho de Cristina Calixto (1958-2024) sobre o processo de formação do Grupo de Ação Lésbica Feminista (GALF), em 1980. Coleção “Memórias à margem”. Testemunho de Cristina Calixto. 08 de fevereiro de 2024. Acervo Bajubá e Memorial da Resistência de São Paulo.

Teaser do documentário “Café Futebol Feminino” (em produção), sobre o clube de futebol feminino homônimo, que surgiu na cidade de São Paulo (SP), no começo dos anos 1980. Direção: Janice Ghiraldini e Francisco Santos. Produtora: Prompt Filmes.

Ermeval da Hora, remanescente do grupo Adé Dudu, relembra o principal local de encontro dos ativistas e seus amigos, um pequeno apartamento alugado no Pelourinho, em Salvador (BA). Entrevista realizada por Bruno Pinheiro, Elson Rabelo e Marcus Oliveira, da Rede de Historiadorxs Negrxs (2021).

Redes de solidariedade e ativismos
A construção de laços afetivos e políticos entre populações dissidentes permitiu a troca de informações, o apoio mútuo e a organização de ações coletivas. Grupos e publicações independentes funcionaram como canais de comunicação, conectando ativistas de diferentes regiões do país e também no exterior. Essas redes ampliaram os espaços de debate político, fortalecendo reivindicações, como a defesa do jornal Lampião da Esquina. A correspondência postal, por sua vez, criou um espaço de construção de amizades e parcerias duradouras.
Década de 1960
Década de 1970
Carta da DNF

Em agosto de 1978, foi aberto um inquérito policial contra os editores do Lampião da Esquina, baseado na Lei de Imprensa. Neste contexto, João Silvério Trevisan, um dos fundadores do periódico, entrou em contato com diversas organizações internacionais de defesa dos direitos homossexuais, em busca de apoio político ao jornal. Acervo Arquivo Edgard Leurenroth/Unicamp.

Carta de protesto ao ministro brasileiro da justiça

Listagem de dezenas de organizaçõs internacionais de defesa dos direitos homossexuais em apoio ao jornal Lampião da Esquina (1979). Acervo Arquivo Edgard Leurenroth/Unicamp.

Após a publicação de extensa reportagem sobre lesbianidade na edição nº 14, o Repórter recebeu diversas cartas de leitoras compartilhando suas impressões. O jornal abriu espaço para a criação de uma seção de correspondência específica para as pessoas dissidentes, algo inédito em uma publicação alternativa não segmentada. "Correio homossexual". O Repórter, ano II, nº 15. Rio de Janeiro (RJ). Março de 1979. Acervo Bajubá.
Após a publicação de extensa reportagem sobre lesbianidade na edição nº 14, O Repórter recebeu diversas cartas de leitoras compartilhando suas impressões. O jornal abriu espaço para a criação de uma seção de correspondência específica para as pessoas dissidentes, algo inédito em uma publicação alternativa não segmentada. "Correio homossexual". O Repórter, ano II, nº 15. Rio de Janeiro (RJ). Março de 1979. Acervo Bajubá.
Década de 1980
Com a intenção de viajar ao Brasil, o argentino Jack Pilli enviou uma carta ao Somos-SP, cujo contato fora fornecido por um ativista alemão. Acervo Arquivo Edgard Leurenroth/Unicamp.
Com a intenção de viajar ao Brasil, o argentino Jack Pilli enviou uma carta ao Somos-SP, cujo contato fora fornecido por um ativista alemão. Acervo Arquivo Edgard Leurenroth/Unicamp.
Protestos
A noção de protesto político foi ampliada neste eixo para abarcar diversas formas de insurgência presentes no cotidiano das pessoas dissidentes de gênero e sexualidade. Manifestações públicas, publicações na imprensa e cartas abertas são alguns exemplos da inventividade de pessoas e grupos ao traçar estratégias de contestação das normas vigentes e disputar o debate público.
Década de 1970
“Além de preto, bicha”. Jornal O inimigo do rei, ano III, nº 4, fevereiro de 1979.
Em reportagem inédita para a época, o jornalista e ativista Hamilton de Jesus Vieira analisa as diversas formas de discriminação sofrida pelos gays negros no Brasil. Jornal O inimigo do rei, ano III, nº 4, fevereiro de 1979. Centro de Documentação e Apoio à Pesquisa (CEDAP/Unesp).
Década de 1980
Diálogos com/entre movimentos sociais
No contexto de abertura política, os movimentos sociais buscaram estabelecer diálogos e alianças políticas entre si com o objetivo de potencializar o alcance dos seus debates e ações. No entanto, isso não significou a ausência de tensões e conflitos, como mostram os depoimentos de Ermeval da Hora e Wilson Mandela. As trocas entre movimentos sociais evidenciam a potência da ação conjunta, da troca de experiências e da construção de uma perspectiva interseccional da luta política.
Década de 1980

Wilson Mandela reflete sobre a perspectiva do Adé Dudu a respeito da luta articulada contra a homofobia e o racismo. Entrevista realizada por Bruno Pinheiro, Elson Rabelo e Marcus Oliveira, da Rede de Historiadorxs Negrxs (2021).

Sobre
Saiba mais sobre o projeto, realizadores e seus objetivos.
Apoio ao Educador
Aplique o conteúdo sobre a ditadura no Brasil na sala de aula para ampliar o estudo da História do Brasil e a formação da cidadania com o suporte de sequências didáticas e a promoção do protagonismo dos alunos. Consulte sequências didáticas que poderão auxiliar os educadores a trabalharem o tema da ditadura militar brasileira em sala de aula.
Projetos
Visite a galeria de projetos especiais realizados pelo Instituto Vladimir Herzog na promoção da Memória, Verdade e Justiça no Brasil, e na difusão de histórias inspiradoras de luta.
Acervo
Explore uma diversidade de conteúdos relacionados ao período da ditadura militar brasileira que ocorreu entre 1964 e 1985.
Memória Verdade e Justiça
Os direitos da Justiça de Transição promovem o reconhecimento e lidam com o legado de atrocidades de um passado violento e de um presente e futuro que precisam ser diferentes, para que se possa dizer: “nunca mais!”. Conheça algumas medidas tomadas pelo Estado e sociedade brasileiros para lidar com o que restou da ditadura de 1964.
Cultura e Sociedade
Apesar do conservadorismo e da violência do regime, a produção cultural brasileira durante a ditadura militar se notabilizou pelo engajamento político e desejo de mudança. Conheça um pouco mais sobre as influências do período em diversos setores da sociedade.
Repressão e Resistência

O Estado brasileiro utilizou uma série de mecanismos para amedrontar a população, sobretudo aqueles que não estivessem de acordo com as medidas ditatoriais. Conheça os reflexos do aparato repressivo e os focos de resistência na sociedade.