
Entre 2012 e 2014, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) realizou investigações sobre as graves violações de direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988 no Brasil. Contando com as contribuições de comissões da verdade que se constituíram em todo o país (iniciativas promovidas por assembleias legislativas, instituições de ensino superior, sindicatos, movimentos sociais e outras entidades), o resultado foi consolidado em seu Relatório Final, publicado em dezembro de 2014.
A partir das apurações, a CNV elaborou um conjunto de recomendações dirigidas ao Estado brasileiro, com o objetivo de promover iniciativas de memória, verdade e justiça e, assim, fortalecer a democracia no país. Foram formuladas 29 recomendações gerais, além de 13 específicas sobre as violações de direitos dos povos indígenas e outras 7 voltadas às violações contra a população dissidente de gênero e sexualidade.
Mais de uma década após sua publicação, o Relatório Final da CNV continua sendo um marco da justiça de transição no Brasil, ao reconhecer oficialmente as violações de direitos humanos cometidas pelo Estado. Neste eixo, revisitamos o documento com novas perguntas: Qual é a narrativa histórica construída sobre as dissidências de gênero e sexualidade? Quais os momentos emblemáticos desta história? Quais sujeitos, territórios e experiências foram privilegiadas? Qual é o caráter das recomendações temáticas?
A exposição propõe um olhar ampliado para as experiências dissidentes no período compreendido entre 1946 e 1988, dialogando com as análises e conclusões dos capítulos temáticos dos Relatórios da CNV e da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva”.

[1] Reconhecimento, pelas Forças Armadas, de sua responsabilidade institucional pela ocorrência de graves violações de direitos humanos durante a ditadura militar (1964 a 1985)
[2] Determinação, pelos órgãos competentes, da responsabilidade jurídica – criminal, civil e administrativa – dos agentes públicos que deram causa às graves violações de direitos humanos ocorridas no período investigado pela CNV, afastando-se, em relação a esses agentes, a aplicação dos dispositivos concessivos de anistia inscritos nos artigos da Lei no 6.683, de 28 de agosto de 1979, e em outras disposições constitucionais e legais
[4] Proibição da realização de eventos oficiais em comemoração ao golpe militar de 1964
[5] Reformulação dos concursos de ingresso e dos processos de avaliação contínua nas Forças Armadas e na área de segurança pública, de modo a valorizar o conhecimento sobre os preceitos inerentes à democracia e aos direitos humanos
[7] Retificação da anotação da causa de morte no assento de óbito de pessoas mortas em decorrência de graves violações de direitos humanos
[8] Retificação de informações na Rede de Integração Nacional de Informações de Segurança Pública, Justiça e Fiscalização (Rede Infoseg) e, de forma geral, nos registros públicos
[10] Desvinculação dos institutos médicos legais, bem como dos órgãos de perícia criminal, das secretarias de segurança pública e das polícias civis
[11] Fortalecimento das Defensorias Públicas
[13] Instituição legal de ouvidorias externas no sistema penitenciário e nos órgãos a ele relacionados
[14] Fortalecimento de Conselhos da Comunidade para acompanhamento dos estabelecimentos penais
[16] Promoção dos valores democráticos e dos direitos humanos na educação
[17] Apoio à instituição e ao funcionamento de órgão de proteção e promoção dos direitos humanos
[18] Revogação da Lei de Segurança Nacional
[19] Aperfeiçoamento da legislação brasileira para tipificação das figuras penais correspondentes aos crimes contra a humanidade e ao crime de desaparecimento forçado
[21] Extinção da Justiça Militar estadual
[22] Exclusão de civis da jurisdição da Justiça Militar federal
[24] Alteração da legislação processual penal para eliminação da figura do auto de resistência à prisão
[25] Introdução da audiência de custódia, para prevenção da prática da tortura e de prisão ilegal
[26] Estabelecimento de órgão permanente com atribuição de dar seguimento às ações e recomendações da CNV
[27] Prosseguimento das atividades voltadas à localização, identificação e entrega aos familiares ou pessoas legitimadas, para sepultamento digno, dos restos mortais dos desaparecidos políticos
[29] Prosseguimento e fortalecimento da política de localização e abertura dos arquivos da ditadura militar
Como fruto das investigações conduzidas entre 2012 e 2014, a Comissão Nacional da Verdade elaborou 29 recomendações ao Estado brasileiro, das quais 17 são medidas institucionais, 8 são propostas de reformulação normativa (constitucional ou legal) e 4 são medidas de seguimento das ações e recomendações da CNV. Comissão Nacional da Verdade, Relatório Final, Tomo I.

Situação
Não realizada.
Descrição
Não foram identificadas ações concretas do poder executivo federal no sentido de eliminar menções discriminatórias referentes a homossexualidades do ordenamento jurídico brasileiro, salvo a ADPF 291, que julgou inconstitucional o Art. 235 do Código Penal Militar.
Competência
Congresso Nacional.
Ações do executivo federal
–
Ações judiciais
ADPF 291, de 2015, que questiona a constitucionalidade do Art. 235 do Código Penal Militar, que prevê o crime de “pederastia ou outro ato de libidinagem”.
Proposições legislativas
PL 2773/2000 altera o Código Penal Militar (CPM), excluindo do texto a referência ao homossexualismo e a pederastia em artigo que estabelece punição para atos libidinosos praticados em locais sob administração militar.
Fortalecimento da democracia: monitoramento das recomendações da Comissão Nacional da Verdade. Instituto Vladimir Herzog, 2023.
O relatório “Fortalecimento da democracia: monitoramento das recomendações da Comissão Nacional da Verdade” (IVH, 2023) analisou o estado de implementação das recomendações da CNV até 2022. Os dados mostram que somente 2 recomendações foram plenamente cumpridas e 6 foram parcialmente realizadas, o que representa apenas 28% do total. A recomendação nº 23 – que propõe a Supressão de referências discriminatórias das homossexualidades na legislação – encontra-se não realizada, ao passo que as 7 recomendações temáticas encontram-se parcialmente realizadas. Este cenário evidencia os obstáculos na criação de políticas de verdade, memória e justiça que atendam às demandas da comunidade LGBTQIA+, cujos direitos precisam ser continuamente defendidos.


Fortalecimento da democracia: monitoramento das recomendações da Comissão Nacional da Verdade. Instituto Vladimir Herzog, 2023.

Relatório Final da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva”, Tomo I, Parte II, capítulo Ditadura e Homossexualidades: Iniciativas da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva” (2014).

- Criminalização da homolesbotransfobia.
- Aprovação de lei garantindo a livre identidade de gênero.
- Reparação às pessoas LGBT perseguidas e prejudicadas pelas violências do Estado.
- Revogação da denominação de “Dr. José Wilson Richetti” dada à Delegacia Seccional de Polícia Centro, do departamento das Delegacias Regionais de Polícia da Grande São Paulo pela Lei 7.076 de 30 de abril de 1991.
Recomendações temáticas do Relatório Final da CNV, Tomo II, capítulo “Ditadura e homossexualidades” (2014).

Audiência pública “Ditadura e homossexualidade”, fruto da parceria entre a CNV e a Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, realizada em 29 de setembro de 2013, no Memorial da Resistência de São Paulo, em São Paulo (SP).



Participação de Paulo Sérgio Pinheiro, membro comissinado da CNV, na audiência pública realizada em 29 de setembro de 2013. Comissão Nacional da Verdade. “Ditadura e Homossexualidade: Abertura”. 21 de novembro de 2014.
Participação de Benjamin Cowan, pesquisador norte-americano na George Mason University, na audiência pública realizada em 29 de setembro de 2013. Comissão Nacional da Verdade. “Ditadura e Homossexualidade: Benjamin Cowan (EUA)”. 14 de novembro de 2014.
Participação de Marisa Fernandes, historiadora e ativista lésbica feminista de São Paulo, na audiência pública realizada em 29 de setembro de 2013. Comissão Nacional da Verdade. “Ditadura e Homossexualidade: Marisa Fernandes (PUC/SP)”. 14 de novembro de 2014.