Cara a cara - 2 - jul. a dez. 78

Atuação Profissional

agricultor, eletricista

Organização

Ação Libertadora Nacional – ALN

Filiação

Virgilina Rodrigues Amorim ou Pedro Mendes de Araújo e Hosana Alves de Araújo ou Pedro Mendes de Araújo e Hosana Alves Feitosa

Data e Local de Nascimento

29/4/1947, Rio de Janeiro (RJ) ou 28/7/1943, Bom Jardim (PE)

Data e Local de Morte

24 ou 25/1/1972, Olinda (PE)

João Mendes Araújo

João Mendes Araújo

João Mendes Araújo foi morto por arma de fogo em um cerco de agentes do DOI do IV Exército a um “aparelho” de militantes da Ação Libertadora Nacional – ALN, na cidade de Olinda, em 25 de janeiro de 1972.

 

Relatório escrito pelo delegado Redivaldo Oliveira Acioly, da Delegacia de Segurança Social de Pernambuco, em 19 de janeiro de 1973, descreveu as circunstâncias de morte de João Mendes Araújo e as ações de repressão aos membros da Ação Libertadora Nacional no Estado. De acordo com o delegado, João Mendes Araújo havia fugido de agentes de segurança no dia 21 de janeiro de 1972 e nessa ocasião levado um tiro na coxa esquerda.

Ferido, João Mendes abrigou-se na casa de companheiros para se recuperar. Essa casa, definida pelos órgãos de segurança como um “aparelho” da Ação Libertadora Nacional (ALN), foi cercada por policiais e agentes do DOI do IV Exército no dia 24 de janeiro de 1972, ocasião em que João foi morto e seus companheiros presos, segundo o relato do delegado Acioly:

“No ‘estouro’, do ‘aparelho’ situado na Av. José Augusto Moreira, 740, apto 5, Casa Caiada, em Olinda, neste Estado, no dia 24 de janeiro de 1972 os agentes do DOI do IV Ex., ao se aproximarem foram recebidos à bala havendo, então, respondido ao fogo, tendo sido presos, na ocasião JOSÉ CALIXTRATO CARDOSO FILHO, MARIA DE LOURDES DA SILVA e MARLUCE GOMES DA SILVA, enquanto JOÃO MENDES DE ARAUJO “PAULO” e “JOÃO”, perdera a vida no choque com os agentes de segurança”.

Mesmo ferido, João Mendes Araújo teria oferecido “resistência aos agentes de segurança, no ‘aparelho’ de Olinda, culminando com a sua morte, cujo cadáver foi encontrado à margem direita da Av. Beira Mar, em frente ao prédio 1401, no Bairro Novo, em Olinda”. Essa versão oficial foi reproduzida nos Relatórios das Forças Armadas entregues ao então Ministro da Justiça, Maurício Correa, em dezembro de 1993.

Segundo o Relatório do Ministério da Marinha, João Mendes, em janeiro de 1972: “[…] Foi ferido quando se escondia em um aparelho da ALN, em Recife/PE. Mesmo ferido a tiros pelos agentes de segurança, conseguiu evadir-se lançando-se ao mar. Posteriormente, seu corpo foi achado e resgatado do mar”. O Relatório do Ministério da Aeronáutica registrou que “JOAO MENDES ARAUJO – Faleceu no dia 24 Jan 72, quando se escondia num „aparelho‟ da ALN em Recife/PE, resistiu à prisão, sendo ferido juntamente com outro terrorista que foi preso. Mesmo gravemente atingido, evadiu-se, lançando-se ao mar. Posteriormente, seu corpo foi resgatado do mar”.

Depoimento de José Calistrato Cardoso Filho, também militante da ALN, preso na ocasião da morte de João Mendes Araújo, em testemunho prestado à CEMVDHC no dia 13 de dezembro de 2012, descreveu as circunstâncias da sua prisão e da morte de João Mendes Araújo e afirmou que o óbito do militante ocorreu em 24 de janeiro de 1972, quando o aparelho em que estavam foi cercado por agentes dos órgãos de segurança:

“Eu fui preso no dia 24 de janeiro de 1972. Me despedi de Arnaldo Cardoso da Rocha, aqui na Ponte Duarte Coelho. Ele viajou para Havana e eu fiquei no Recife. E é nesse 24 de janeiro de 72 que morre João Mendes de Araújo que estava comigo. É um companheiro que era do interior de Pernambuco e foi mandado do Rio de Janeiro para se incorporar ao grupo da ALN daqui, entendeu? Então houve um tiroteio, a gente estava cercado, a gente estava com um pessoal que seria mandado daqui para Fortaleza, entendeu? Combinei com Arnaldo, antes dele sair, que tinha que sair do país para voltar logo que a gente ia tirar os companheiros que estavam muito queimados. O João Mendes de Araújo estava no nosso aparelho, no meu aparelho, estava baleado, estava se tratando lá e quando se deu o cerco assim, aproximadamente uma hora da tarde, aí houve um tiroteio … eu vi, eu pedi a João Mendes: ‘Fique na porta de trás’, era num edifício, mas a gente tinha um aparelho no térreo. Eu digo: “Fique na porta de trás, que eu vou ficar aqui na frente”. Fiquei na frente trocando tiro mesmo. Eles atiravam, a gente atirava. Vi o Luiz Miranda nesse cerco porque eu conhecia ele de vista; na época a gente sempre fazia um esforço para conhecer essas figuras. Era figura possível de ser justiçada pelo trabalho que eles faziam. E eu vi, já com uns dez minutos depois, tinham duas moças que iam viajar para Fortaleza, eu pedi para que elas saíssem por trás, e que o João Mendes desse cobertura na saída delas. Porque na realidade eu via muitos policiais, mas eles não… eles estavam de longe. Eles viram que a gente estava disposto a resistir, a gente não ia se entregar fácil. Acontece que eu também vi quando o João Mendes foi metralhado… Eu não sei se ele foi metralhado, se foi de metralhadora ou foi de fuzil, aqui é… correu sangue. Ele virou para mim e eu vi que ele estava desfalecendo, estava branco coisa e tal. Daí surgiu uma história de que ele pulou e foi para dentro do mar. Eu acho que ele saiu, que ele deve ter saído. Mas eu fui para frente da casa onde eu resistia. Acontece que quando João Mendes deixou de atirar, eu vi que eu tinha que sair. E saí, saí atirando e entrei num carro e se o carro tivesse pegado, eu tinha ido embora. E era um cerco e depois eu vim saber que era muito grande. Quando eu estava no DOICODI, pelo que se falava lá, era um cerco extraordinário. Vi também que estava baleado, estava com um tiro na mão, nos braços, ainda tem as marcas aqui, estava com um tiro na cabeça e, ao todo, eu já estava com cinco tiros no corpo. Isso eu soube lá… eu não sabia, não senti dor, não. Acontece que o carro não pegou e eu não ia morrer dentro do carro. Pulei fora e comecei a resistir no meio da areia, era um areal. O cara acertou um tiro no meu braço e até a pistola caiu. E terminou me agarrando. Pularam em cima de mim e me pegaram mesmo. Esse negócio você pode resistir, mas mesmo resistindo, você pode cair vivo. E era uma decisão de uma grande parte do pessoal da ALN de, primeiro o seguinte, de não se entregar: uma questão de princípio. Não se entregar. E se possível morrer, mas não chegar ao DOI CODI para ser torturado. Nisso daí eles me pegaram e me jogaram dentro de uma Rural Willys e me levaram para a PE de Olinda, que fica muito próximo da rua onde a gente tinha um aparelho, que era na Getúlio Vargas. Me levaram para a polícia… para a PE de Olinda. Quando nós chegamos lá, que eles foram me tirando, o coronel – eu estou dizendo coronel mais ou menos pelo galão que ele tinha, estava fardado, e disse que os caras tinham sido muito inábeis, seria dizer muito burro, aí eles disseram: ‘Volta e mata junto com o outro’. Ele já sabia que o João Mendes estava morto. Porque antes de me tirar do carro direito, ele vem e diz: ‘Volta para lá e mata junto com o outro’. […]

00:36:14 – NADJA BRAYNER: Eu estou te perguntando porque além dos casos que estamos examinando, dos desaparecidos, estamos também compondo esse quadro das organizações, do funcionamento delas para montar essa estrutura. A minha última pergunta é sobre ainda a lista, os nomes que tenho aqui da ALN, que eu comecei com Emilson, o João Mendes, você já esclareceu.

00:36:56 – JOSÉ CALISTRATO: Ele estava comigo.

00:37:01 – NADJA BRAYNER: Porque a versão oficial é que ele teria sido morto num tiroteio, isso é fato. Na ocasião da prisão ele trocou tiros com a polícia, foi atingido e foi morto nesse local em decorrência disso.

00:37:16 – JOSÉ CALISTRATO: É… era um companheiro que tava preparado para resistir a prisão.

00:37:19 – NADJA BRAYNER: Isso é importante para restaurar a verdade dos fatos. Bom, ele era agricultor, não é, o José Mendes?

00:37:28 – JOSÉ CALISTRATO: Era.

00:37:29 – NADJA BRAYNER: Ele chegou a desenvolver alguma atividade no campo, com a ALN?

00:37:33 – JOSÉ CALISTRATO: Ele é agricultor antes da ALN, entendeu? Quando eu recebi ele aqui para ingressar num grupo de ação que a gente preparava, ele já tava vindo do Rio de Janeiro.

00:37:46 – NADJA BRAYNER: Então, ele se profissionalizou no grupo, digamos assim, e ficou voltado só para essas atividades…

00:37:52 – JOSÉ CALISTRATO: Era um profissional da ALN”.

 

A certidão de óbito, de 19 de dezembro de 1978, consta no Prontuário individual de João Mendes, e a morte foi registrada como ocorrida no dia 25 de janeiro de 1972, na cidade de Olinda (PE), por ferimento de arma de fogo. Embora os órgãos de segurança soubessem a identidade de João Mendes Araújo, ele foi considerado desconhecido e sepultado no Cemitério de Santo Amaro, no Recife (PE).

A perícia tanatoscópica do Instituto de Medicina Legal de Pernambuco, de 27 de janeiro de 1972, registrou também como a data de óbito o dia 25 de janeiro de 1972. O corpo de João Mendes teria sido encontrado na praia de Olinda, e apresentava um ferimento recente de tiro, anterior à data da morte, já com curativo, o que comprova estar ferido no momento do confronto com os agentes dos órgãos de segurança.

De acordo com registro no documento: “Os ferimentos situados na coxa esquerda, encontravam-se no ato da necropsia, cobertos por gases e esparadrapos […]”. João Mendes Araújo é um dos casos investigados pela Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câmara (CEMVDHC).

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