Atuação Profissional
Operário de Construção CivilOrganização
Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT)Filiação
Jovelina Alves Coqueiro e José Augusto CoqueiroData e Local de Nascimento
18/7/1937, Aracatu (BA)Data e Local de Morte
6/2/1971, Rio de Janeiro (RJ)Aderval Alves Coqueiro morreu no dia 6 de fevereiro de 1971, Rio de Janeiro, em ação praticada por agentes do DOI-CODI do I Exército. De acordo com a versão divulgada, Aderval teria sido morto em confronto armado com agentes das forças de segurança. Nesse sentido, a edição do Jornal do Brasil, de 8 de fevereiro de 1971, informava que Aderval teria resistido à prisão, sendo morto em consequência de um tiroteio.
As investigações realizadas sobre o caso reúnem indícios que demonstram a falsidade dessa versão. Banido do Brasil em junho de 1970, Aderval regressou clandestinamente ao país no dia 31 de janeiro de 1971, quando foi morar em um apartamento no Cosme Velho, bairro do Rio de Janeiro. A volta desse militante foi organizada por integrantes da organização Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares), responsáveis pela articulação de um esquema que permitia o regresso dos banidos ao Brasil. Seu retorno foi objeto de investigações por parte dos órgãos de segurança, com intuito de identificar e desmantelar as redes que articulavam esse regresso.
A ação policial articulada para a captura de Aderval montou um bloqueio em torno do apartamento onde morava. Segundo a vizinhança, uma grande área do bairro foi cercada por agentes estatais com o objetivo de evitar a fuga do militante. No momento em que invadiram o apartamento, os agentes do DOI-CODI/I começaram a atirar e Aderval foi abatido pelas costas no pátio interno do prédio. O zelador do prédio, Francisco Soares, afirmou ter visto uma centena de policiais civis e do Exército cercarem o prédio, que foi, em seguida, “invadido por vários homens armados, e foram direto para o apartamento 202. Nesse momento, um oficial mandou que eu sair da janela, posteriormente escutei um militar gritar ‘atira e mata’, logo depois escutei uma grande gritaria nos fundos do prédio e vários disparos de armas, que durou somente alguns segundos. Escutei uma pessoa falar ‘temos presunto fresco’. (…) Observei varias marcas de tiros, não sei dizer quantas, estando ele somente de calção, sem camisa e desarmado. Também ouvi o policial dizer ‘bota a arma do lado dele’ (…)”.
O memorando n° 268/7, de 10 de fevereiro de 1971 com o assunto “Diligência do 1° Exército”, remetido pelo delegado do DOPS, Nelson Hatem, para o Diretor da Divisão de Informação informa que o comissário do DOPS responsável pelo plantão do dia 6 para 7 de fevereiro de 1971 era Maurício da Silva Lintz. O comissário registrou que durante seu plantão elementos do I Exército compareceram à delegacia e comunicaram que uma diligência realizada na Rua Cosme Velho, n° 1061, tinha resultado na morte de um indivíduo não identificado. Ainda segundo seu relato, o comissário informa ter feitio o deslocamento do corpo ao IML para a identificação datiloscópica e fotográfica, tendo depois tomado conhecimento que o corpo era de Aderval Alves Coqueiro. O documento ainda informava a presença no local da ocorrência de uma senhora, Albertina Moreira Siqueira, proprietária do apartamento onde fora encontrado Aderval e que teria sido levada ao I Exército e posteriormente encaminhada ao Hospital Souza Aguiar. Nas fichas localizadas no acervo do Arquivo Público do Rio de Janeiro, apesar de constar a identificação de Aderval, havia a inscrição “cadáver de um desconhecido”. Dessa maneira pode-se concluir que a ação que culminou na execução de Aderval foi realizada pelo DOI-CODI-I com apoio do DOPS-RJ.
No processo sobre o caso na Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), o relator Luís Francisco Carvalho Filho solicitou ao Instituto Médico Legal (IML-RJ) o laudo necroscópico de Aderval, recebendo apenas uma certidão confirmando a data do óbito e informando que a morte ocorreu “[…] em consequência de crime, sendo a causa mortis ferida transfixante do tórax – lesão do pulmão direito”, não permitindo determinar quantos tiros acertaram o corpo de Aderval. No entanto, as fotos do corpo de Aderval que constam no processo da CEMDP mostram várias perfurações, sendo visíveis também as marcas de sangue no chão que indicam que o corpo foi arrastado até o local, corroborando o depoimento do zelador do prédio, o senhor Francisco Soares, sobre a montagem da cena do local da morte. Neste sentido, aduziu o Relatório solicitado pela CEMDP: “A eliminação sumária dos chamados terroristas fazia parte da estratégia dos órgãos da repressão. […] As fotos obtidas junto à Agência JB indicam, com absoluta clareza, que a vítima não foi abatida no local em que se encontrava o corpo. O cadáver foi arrastado para lá. As manchas de sangue no piso são visíveis e indicam o movimento. O revólver, portanto, também não poderia se encontrar naquela posição, na mão direita. As fotos indicam, ainda, que o cadáver de Coqueiro apresentava outras lesões, além das feridas transfixantes do tórax e abdômen, mencionados na certidão de óbito e, em parte, no documento encaminhado pelo IML: Há nítidos sinais de ferimentos na cabeça, na nádega esquerda e na perna direita. Há uma situação de cerco e uma morte não esclarecida”.
Fica evidente, portanto, a falsidade da versão de tiroteio divulgada. Aderval foi o primeiro banido a ser morto pela repressão após seu retorno ao Brasil. Sua morte foi mencionada, dentro desse contexto, na Informação n° 114/16 da Agência do SNI do Rio de Janeiro, de 15 de setembro de 1972, que registrava que alguns banidos tinham retornado ao Brasil após treinamento em países comunistas, “tendo ocorrido inclusive mortes ao se defrontarem com a repressão, a exemplo do que aconteceu com ADERVAL ALVES COQUEIRO e CARLOS EDUARDO PIRES FLEURY, após retornarem da Argélia”. O mesmo documento afirmava que, em razão da “eficiência dos Órgãos de Segurança”, outros exilados e banidos estariam “desestimulados em retornar, não desejando ter o mesmo fim de seus camaradas mortos”.
O corpo de Aderval Alves Coqueiro foi sepultado pelos familiares no Cemitério de Inhaúma, no Rio de Janeiro, no dia 14 de fevereiro de 1971.
Diante das circunstâncias do caso e das investigações realizadas, conclui-se que Aderval Alves Coqueiro morreu em decorrência de ação praticada por agentes do Estado, em um contexto de sistemáticas violações de direitos humanos perpetradas pela Ditadura Militar implantada no país a partir de abril de 1964. Recomenda-se a continuidade das investigações sobre as circunstâncias da morte de Aderval e para a completa identificação e responsabilização dos agentes envolvidos.
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