Atuação Profissional
estudante secundaristaOrganização
Partido Comunista Brasileiro (PCB)Filiação
Jandyra Jesus da Silva e Ismail Augusto da SilvaData e Local de Nascimento
12/8/1953, Palmelo (GO)Data e Local de Morte
9/8/1972, Goiânia (GO)Ismael Silva de Jesus morreu em 9 de agosto de 1972, um dia após ter sido levado preso para o 10º Batalhão de Caçadores de Goiás (atual 42º BIMtz), comandado à época pelo coronel Eni de Oliveira Castro.
Durante o curto período em que esteve preso, há comprovação de que sofreu violentas torturas, fato confirmado, inclusive, por testemunhas diretas. Logo após sua morte, em nota publicada no jornal O Popular, de 11 de agosto, o comandante do 10º Batalhão de Caçadores, coronel Eni de Oliveira Castro, comunicou a morte por suicídio do estudante e a abertura de um Inquérito Policial Militar (IPM) para apurar as circunstâncias do ocorrido em dependências militares.
A Secretaria de Segurança Pública de Goiás providenciou o exame pericial, realizado pela Polícia Técnica, e o exame necroscópico, feito pela Divisão de Medicina Legal. O exame necroscópico, assinado pelos legistas Antônio Carlos Curado e Jerson Cunha, registra como causa de morte asfixia mecânica por enforcamento. Nos termos do resumo produzido pelo Núcleo de Goiânia do Serviço Nacional de Informações (SNI), consta do laudo: “a – que o cadáver não apresentava nenhuma equimose ou escoriações e que o corpo se achava suspenso por cordões semelhantes aos usados nas persianas, sendo notada a falta do referido cordão na persiana de um dos aposentos do quartel; b – que foi encontrado no cadáver apenas o sulco duplo proveniente do enforcamento pelo cordão; c – que a morte do epigrafado foi causada por enforcamento, por ele mesmo praticado”.
Na falsa versão apresentada, Ismael teria se suicidado por vergonha de estar preso. Nos termos do relatório do encarregado do inquérito, que apurou as circunstâncias da morte de Ismael, capitão Ivan Vaz de Campos: “conclui-se […] que realmente houve suicídio, tendo participação apenas do referido cidadão ISMAEL SILVA DE JESUS. Que pode-se atribuir o motivo a um problema de consciência ao apontar pessoas a ele ligadas por laços de parentesco e afetivos ou em outra hipótese recear represálias de elementos ligados ao Partido Comunista Brasileiro por ele apontados, ou ainda para se furtar ao comprometimento de outros elementos por ele ainda não citados”.
Em 1972, o Exército e o Departamento de Polícia Federal em Goiás (DPF/GO) fechavam o cerco contra o PCB em Goiás. Em maio, os órgãos de segurança monitoraram a conferência municipal do partido, realizada dia 21, em Goiânia, tendo tomado conhecimento do resultado de todas as deliberações da reunião, inclusive, das que redundaram na nova composição do Comitê Municipal, para o qual Ismael fora eleito.
Pouco tempo depois, em meados de julho, foi desencadeada a operação para desmantelar o PCB no estado. Na ocasião, pelo menos oito pessoas do Comitê Municipal em Goiânia foram presas – dentre elas, Ismael Silva de Jesus. Segundo Paulo Silva de Jesus, seu irmão Ismael foi preso em 12 de julho e mantido incomunicável. Nesse mesmo mês, foi apreendido material de militância do PCB na residência de Ismael Silva de Jesus.
Em 17 de julho, o DPF/GO comunicou o resultado geral da operação de desmantelamento do PCB no Estado às autoridades militares do Exército, com destaque para o general Antônio Bandeira, da 3ª Brigada de Infantaria, com sede em Brasília, que “tomou, pessoalmente, contato com o problema e adiantou estar inclinado a instaurar, inicialmente, dois IPMs para o enquadramento legal dos implicados”. A documentação não esclarece se Ismael foi mantido, desde o início de sua prisão, no 10º BC.
Certo é que, desde o dia 12 de julho, constam alguns depoimentos por ele prestados ao DPF, órgão responsável por sua prisão. Nesse período, ele esteva à disposição da Justiça Militar, respondendo ao IPM instaurado pelo Comando Militar do Planalto e 11ª Região Militar, para apurar suas atividades no PCB de Goiânia. Além do interrogatório do dia 12, Ismael foi interrogado pela Polícia Federal em, pelo menos, duas outras oportunidades: 21 de julho e 8 de agosto, um dia antes de sua morte no 10º BC.
O corpo de Ismael foi encontrado por volta das 18h15 do dia 9 de agosto pelo terceiro-sargento José Manoel Pereira, chefe da guarda, sendo o fato testemunhado por outros três soldados: Ciron, encarregado do serviço de jantar, e Robson e José, que faziam a segurança no local. A ocorrência foi imediatamente comunicada às autoridades superiores do 10º BC, inclusive ao comandante da unidade e ao major Rubens Robine Bezerril, encarregado do IPM que apurava as atividades do PCB em Goiânia.
Paulo Silva de Jesus, irmão de Ismael, relatou à CNV, em 18 de outubro de 2013, que o corpo do irmão apresentava sinais evidentes de tortura quando foi entregue pelo Exército à família. O corpo foi velado na casa dos familiares, com a presença de militares à paisana, que também vigiaram o enterro. As unhas da mão esquerda de Ismael estavam cravadas na palma da mão, o que pode indicar o sofrimento causado pelos choques elétricos sofridos nas sessões de tortura. Além disso, a orelha direita estava enegrecida, a fronte manchada de hematomas e o olho direito vazado.
Em depoimento prestado à CNV, Aguinaldo Lázaro Leão, amigo de infância de Ismael, militante do PCB e em serviço militar no 10º BC, relatou que passou por acareação, encapuzado, com o estudante, e que chegou a trocar algumas palavras com o amigo. O militar afirmou que a voz de Ismael estava rouca e fraca. Ismael mencionou que havia sido torturado e contou que seu braço parecia fraturado. Em fins de julho, Aguinaldo foi preso e acabou sendo levado para o Pelotão de Investigações Criminais (PIC), em Brasília.
João Silva Neto, vereador pelo PCB em Goiânia, preso em 14 de julho, também relatou à CNV que, numa madrugada, foi acareado com Ismael. Diferentemente de outras acareações por que passou, nesse caso, João Silva estava encapuzado, o que pode indicar, segundo o próprio depoente, que o estado de Ismael era tal que não se permitia que o vissem. Finalmente, Mauro Curado Brom, preso em 13 de abril de 1969, testemunhou à CNV que outro preso político, de nome Tibúrcio, já falecido, teria lhe confidenciado que Ismael morreu do seu lado – o que afasta por completo a admissibilidade da versão de suicídio.
A revista Veja, de 22 de maio de 1991, em matéria baseada em fotos periciais do corpo de Ismael, encontradas no Instituto Médico Legal de Goiânia por Waldomiro Antônio de Campos Batista, o Mirinho, também contesta a versão oficial. Nas fotos localizadas, Ismael aparece sentado, com o corpo encostado à parede, e tendo o pescoço atado por uma frágil corda de persiana presa a um porta-toalhas de louça. Nos termos da reportagem: “Não é impossível, tecnicamente, que alguém se enforque nessa posição. É preciso, no entanto, fazer um bom serviço. A pessoa tem de amarrar a ponta de uma corda em ponto alto e bem firme, sentar-se, amarrar a outra ponta de uma corda em um ponto alto e dar um salto acrobático para frente. O difícil é explicar como o corpo vai parar exatamente sentado, encostado a uma parede, e a persiana se mantém intacta, como mostram as fotografias.”
A cena fica ainda mais inverossímil se for considerado que, antes de Ismael morrer, fora submetido a uma violenta sessão de torturas e espancamentos, encontrando-se impossibilitado de fazer tal ginástica. Pelos elementos colhidos, conclui-se que Ismael Silva de Jesus morreu em decorrência das torturas sofridas, vindo a falecer em 9 de agosto de 1972 no 10º Batalhão de Caçadores. Os depoimentos prestados à CNV em Goiânia (GO), na sede do Sindicato dos Jornalistas no Estado de Goiás, em 18 de outubro de 2013, permitiram identificar parcialmente alguns torturadores do 10º BC, mesmo que não ligados diretamente à morte de Ismael.
São eles: major Rubens Robine Bizerril, oficial da 3ª Brigada de Infantaria e encarregado do IPM que apurou as atividades dos comitês municipais do PCB em Goiás; capitão Ailton; capitão Dourado; sargento Marco; e os policiais Xavier e Clemilton, da Polícia Federal em Goiás.
Diante das investigações realizadas, conclui-se que Ismael Silva de Jesus morreu em decorrência das torturas e dos maus tratos infligidos por agentes do Estado em unidade militar, em contexto de sistemáticas violações de direitos humanos promovidas pela ditadura militar, implantada no país a partir de 1964.
Recomenda-se a retificação da certidão de óbito de Ismael Silva de Jesus, assim como a continuidade das investigações sobre as circunstâncias do caso, para a identificação e responsabilização dos demais agentes envolvidos.
O Estado brasileiro utilizou uma série de mecanismos para amedrontar a população, sobretudo aqueles que não estivessem de acordo com as medidas ditatoriais. Conheça os reflexos do aparato repressivo e os focos de resistência na sociedade.