Atuação Profissional
operárioOrganização
Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT)Filiação
Maria Pordeus de Alencar Seixas e Estolano Pimenta de SeixasData e Local de Nascimento
2/1/1922, Bragança (PA)Data e Local de Morte
17/4/1971, São Paulo (SP)Joaquim Alencar de Seixas morreu no dia 17 de abril de 1971, após ser preso e torturado por agentes da repressão.
Seixas e seu filho, Ivan Akselrud de Seixas, ainda adolescente e também militante do MRT, foram detidos no dia anterior na rua Vergueiro, em São Paulo, e levados para a 37ª Delegacia de Polícia, onde foram espancados no pátio do estacionamento, no momento em que os policiais trocavam de veículo. Posteriormente, foram encaminhados para o Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna de São Paulo (DOI-CODI/SP), na rua Tutóia, sede anterior da Operação Bandeirantes (Oban), onde foram novamente espancados.
As agressões físicas foram tão violentas que as algemas que ligavam pai e filho romperam-se. Foram interrogados e torturados frente a frente. Os torturadores agiram com particular brutalidade em relação a Joaquim, pois o militante era acusado de ter executado, pouco dias antes, o industrial Albert Henning Boilesen, em ação organizada pelo MRT em conjunto com a Ação Libertadora Nacional (ALN). Na noite de sua prisão, sua casa foi invadida e saqueada por policiais; sua esposa e suas duas filhas foram presas e levadas para o DOI-CODI/SP.
De acordo com a versão oficial, Joaquim teria sido morto em confronto armado com agentes de segurança, após reagir à prisão. A versão oficial, descrita na certidão de óbito, sustentava que Joaquim havia falecido às 13h do dia 16 de abril na Avenida do Cursino, no bairro Ipiranga, São Paulo, devido a uma “hemorragia interna traumática”. Segundo o laudo de exame de corpo de delito, assinado pelos peritos Pérsio José Carneiro e Paulo Augusto de Rocha, Joaquim apresentava escoriações por todo o corpo e sete perfurações por projéteis de arma de fogo.
No dia 17 de abril de 1971, jornais paulistas publicaram nota oficial dos órgãos da repressão noticiando a morte de Joaquim Seixas em tiroteio no dia 16 de abril. A edição do Jornal do Brasil daquele dia divulgou que “Joaquim Alencar de Seixas (Roque), um dos cinco terroristas que assassinaram o industrial paulista Henning Albert Boilesen” havia sido morto na noite anterior ao resistir à prisão. Na reportagem, Joaquim é descrito como um “bandido de carreira”, responsável por inúmeros assaltos a bancos e a lojas.
O relatório especial de informações do Exército, de 19 de abril 1971, afirmava que Joaquim, depois de ser preso e interrogado, teria sido levado a um local, onde supostamente teria encontro marcado com Dimas Antônio Casemiro e Gilberto Faria Lima. Chegando lá, teria tentado fugir, sendo imediatamente “abatido”. A partir das investigações desenvolvidas, restaram descontruídas as versões apresentadas à época pelos órgãos oficiais e pela grande mídia. Há fortes indícios de que a morte desse militante tenha ocorrido no dia 17 de abril de 1971, em decorrências das torturas a que fora submetido.
No Extrato de Prontuário de Subversivos, o horário da morte de Joaquim é meio-dia do dia 16 de abril de 1971. A entrada no necrotério está marcada às 14h30 do mesmo dia e assinada por Jair Romeu. Com o passar do tempo, o episódio que resultou na morte de Joaquim Alencar de Seixas pôde ser devidamente esclarecido. Depois da prisão, Joaquim e Ivan estiveram detidos ilegalmente e foram submetidos a espancamento na 37ª DP da rua Vergueiro, em São Paulo. Em seguida, foram transportados para o DOI-CODI/SP.
Há registro que atesta que Joaquim Alencar foi interrogado pela equipe preliminar “B”, entre às 10h e 11h30 da manhã do dia 16 de abril de 1971. De acordo com Ivan, ele esteve presente nesse interrogatório: pai e filho foram torturados juntos. A esposa de Joaquim e os três filhos do casal – Ivan, Ieda e Iara – todos presos na mesma delegacia em que Joaquim se encontrava, posteriormente relataram os fatos que culminaram na sua morte. Esclareceram que, apesar dos jornais terem noticiado a morte de Joaquim no dia 16 de abril, o militante continuava vivo no interior do DOI-CODI e seguia sendo torturado.
De sua cela, Fanny pôde escutar os gritos de Joaquim enquanto era submetido a interrogatório pelos agentes. Por volta das 19h do dia 17 de abril, após seu silêncio, soube que Joaquim Seixas havia morrido. Em seguida, conseguiu avistar, pela abertura da cela, o momento em que policiais estacionaram um veículo no pátio da prisão e colocaram o corpo de seu marido no interior, afirmando tratar-se do cadáver de “Roque”, codinome de Joaquim Alencar.
Desde meados da década de 1970, as denúncias sobre as circunstâncias da morte de Joaquim Alencar de Seixas ganharam ampla repercussão. No abaixo-assinado promovido por 35 presos políticos de São Paulo, conhecido como “Bagulhão”, datado de 23 de outubro de 1975, em resposta às declarações do então presidente do Conselho Federal da OAB, Caio Mário da Silva Pereira, que havia afirmado não ter as informações necessárias para tomar medidas contra as inúmeras violações de direitos humanos ocorridas no período ditatorial, há denúncia do uso de torturas contra esse militante e tantos outros.
Oito anos depois do ocorrido, em abril de 1979, o jornal Em tempo nº 57 publicou uma reportagem sobre a prisão e as torturas sofridas por Joaquim e por seu filho. Nessa matéria, Ivan Seixas relatou as circunstâncias da prisão e denunciou os torturadores David Araújo dos Santos (capitão Lisboa), Pedro Mira Gracieri, Dalmo Moniz Cirilo, vice-comandante da Oban e Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandante do DOI-CODI à época, como os responsáveis pela morte de seu pai.
Em 17 de maio de 1995, o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP) cassou o registro profissional de Pérsio José Ribeiro Carneiro, acusado pelo Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro (GTNM/RJ) de assinar laudo necroscópico falso, como o de Joaquim Seixas. Esse documento registrara, para o dia da morte do militante, data contrária às evidências colhidas em diversos testemunhos. Ao mesmo tempo, omitia a prática de tortura, reiterando a falsa versão oficial de que Joaquim Seixas teria sido morto em tiroteio com agentes de segurança no dia 16 de abril.
Em 13 de julho de 1995, perícia técnica realizada por Nelson Massini, em resposta à solicitação do Grupo Tortura Nunca Mais (GTNM/RJ), desmentiu a versão oficial ao relatar que o laudo de exame de corpo de delito da época omitiu uma série de informações importantes. O perito concluiu que houve tortura, afirmando que o Sr. Joaquim Alencar de Seixas sofreu, além dos ferimentos mortais de projéteis de arma de fogo, outras lesões provenientes de meios e/ou instrumentos constituídas de forte dor física e sofrimento físico, que se define como tortura ou forma cruel de violência.
A CEMDP, ao analisar o processo submetido por seus familiares, concluiu em 1996 que Joaquim morreu em virtude das torturas às quais foi submetido nas dependências do DOI-CODI de São Paulo. Foi anexada ao processo cópia do depoimento de Milton Tavares Campos à Auditoria da 4ª Circunscrição Judiciária Militar. O depoente informa que: “[…] viu, por estar na carceragem do Presídio da Oban-SP, quando o preso Joaquim Alencar de Seixas descia depois de ter sido torturado na ‘cadeira do dragão’, juntamente com o filho, digo, subia para ser torturado na ‘cadeira do dragão’, sendo certo que tomou conhecimento, posteriormente, pela voz geral que o referido preso havia sido morto em razão das torturas, sendo certo que os jornais do dia seguinte noticiavam que o mesmo não tinha sido preso e havia morrido na rua em razão de tiroteio com a Polícia”.
Recentemente, tais fatos foram reiterados por Ivan Seixas e Ieda Seixas, em testemunho prestado à Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, durante audiência pública, realizada no dia 26 de abril de 2013. Em 18 de fevereiro de 2014, Ieda prestou seu testemunho também a Comissão Nacional da Verdade (CNV). Seus familiares e companheiros denunciaram os responsáveis pelas torturas e execução de Joaquim Alencar de Seixas: o então major Carlos Brilhante Ustra (vulgo doutor Tibiriçá), comandante do DOI-CODI/SP na época, o capitão Dalmo Lúcio Muniz Cyrillo (vulgo doutor Hermógenes), o capitão Ênio Pimentel Silveira (vulgo doutor Nei ou Nazistinha), o capitão André Leite Pereira (vulgo doutor Edgar), o delegado da Polícia Civil Davi Araújo dos Santos (vulgo capitão Lisboa), o investigador de Polícia Civil Pedro Mira Granziere (vulgo tenente Pedro Ramiro), o delegado de Polícia Civil João José Vetoratto (vulgo capitão Amicci) e outros torturadores identificados apenas por apelidos.
Os restos mortais de Joaquim Alencar de Seixas foram enterrados no cemitério de Perus, em São Paulo. Apenas no dia 25 de maio de 1977, com a realização da exumação, é que se tornou possível a identificação de seus restos mortais. A CNV considera, portanto, que Joaquim Alencar Seixas restou desaparecido entre a data da morte e a referida identificação.
Diante das investigações realizadas, conclui-se que Joaquim Alencar de Seixas foi preso, torturado e morto por agentes do Estado brasileiro, em contexto de sistemáticas violações de direitos humanos promovidas pela ditadura militar, implantada no país a partir de abril de 1964. Restou desaparecido entre a data da morte e a identificação de seus restos mortais em 1977.
Recomenda-se a retificação da certidão de óbito de Joaquim Alencar de Seixas, assim como a continuidade das investigações sobre as circunstâncias do caso, para identificação e responsabilização dos demais agentes envolvidos.
O Estado brasileiro utilizou uma série de mecanismos para amedrontar a população, sobretudo aqueles que não estivessem de acordo com as medidas ditatoriais. Conheça os reflexos do aparato repressivo e os focos de resistência na sociedade.