Atuação Profissional

engenheiro

Filiação

Mariana Lanari Ferreira e Joaquim Rodrigo Nin Ferreira

Data e Local de Nascimento

2/6/1944, Rio de Janeiro (RJ)

Data e Local de Morte

11/8/1971, Rio de Janeiro (RJ)

Raul Amaro Nin Ferreira

Raul Amaro Nin Ferreira

Raul Amaro Nin Ferreira foi morto entre os dias 11 e 12 de agosto de 1971 após ser preso e torturado por agentes da repressão. Na noite do dia 31 de julho, quando dirigia em direção a um restaurante em Copacabana, Raul foi parado, junto com um grupo de amigos, por uma blitz de soldados do Exército, sendo liberado após a identificação de todos.

Mais tarde, contudo, ao sair do restaurante, por volta de uma e meia da madrugada do dia 1º de agosto, foram novamente parados por uma operação policial intitulada “Pára-Pedro”, realizada na rua Ipiranga, no bairro de Laranjeiras. Após revistarem o carro e encontrarem alguns mapas, considerados “suspeitos”, os agentes militares prenderam Raul e um casal de amigos de trabalho do Ministério da Indústria e Comércio que estava com ele no veículo: Saidin Denne e Yone da Silva Denne.

De acordo com os documentos produzidos pelo Serviço Nacional de Informações (SNI), Raul Amaro permaneceu preso durante toda a manhã do dia 1º de agosto no prédio do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS-GB). Por volta de uma hora da tarde, uma equipe do DOPS, liderada pelo agente Mario Borges, dirigiu-se à casa de seus pais, no bairro da Gávea, para realizar buscas no local, pois Raul inicialmente informara que ali residia. Posteriormente, os policiais descobriram que o mesmo morava sozinho em um apartamento em Santa Teresa, Raul alegou que precisava buscar as chaves de seu apartamento com os pais, permitindo-lhe ganhar tempo e possibilitando que alguns de seus amigos, hospedados em seu apartamento, dentre os quais Eduardo Lessa, de lá saíssem.

Os policiais dirigiram-se, em seguida, à sua residência em Santa Teresa, onde permaneceram por toda a tarde. Seus pais chegaram a acompanhar a viatura de Polícia que levava Raul Amaro, mas foram proibidos de entrar no apartamento. Após revistarem o local, os agentes de segurança alegaram ter encontrado materiais considerados “subversivos”, dentre os quais um mimeógrafo, transmissores de rádio e alguns panfletos referentes às organizações MURD (Movimento Universitário de Resistência à Ditadura) e MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro).

Por volta das oito horas da noite, a equipe do agente Mario Borges saiu da residência, levando Raul algemado, recusando-se a informar para onde ele seria levado e declarando que, a partir daquele momento, seu caso era “assunto de competência do Exército Nacional”. Entre as oito horas da noite do dia 1º de agosto e uma e meia da madrugada do dia 2, Raul esteve em local incerto com a mesma equipe do DOPS.

Durante esse período, foi extraída a primeira “Declaração do Interrogado” realizada perante agentes do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) do I Exército, com data de 1º de agosto de 1971. Raul retornou formalmente ao DOPS somente quatro horas depois do fim da revista de seu apartamento, na madrugada do dia 2 de agosto, tendo sido visto por outros presos políticos, como Alex Polari de Alverga e Aquiles Ferrari.

Há indícios de que Raul Amaro foi torturado desde sua primeira passagem pelo DOPS. De acordo com o depoimento prestado por Alex Polari, como testemunha apresentada pela família de Raul na ação declaratória movida contra a União Federal, Raul chegou ao DOPS “bastante espancado e amedrontado”, mas andando e falando. Por sua vez, o ex-comandante do Centro de Operações de Defesa Interna (Codi) do I Exército, Adyr Fiúza de Castro, em seu depoimento no livro Os anos de chumbo: a memória militar sobre a repressão, afirmou que Raul “havia sido chicoteado com fios no DOPS”.

Posteriormente, ainda na tarde do dia 2, Raul Amaro foi encaminhado ao DOI-CODI, na sede do 1º Batalhão de Polícia do Exército, na Rua Barão de Mesquita, na Tijuca. Durante toda a tarde do dia 3 de agosto até a madrugada do dia seguinte, foi interrogado sob tortura por agentes do DOI-CODI, tendo sido submetido a espancamentos. Em razão de seu estado físico, em 4 de agosto, foi transferido, por recomendação de um oficial médico, para o Hospital Central do Exército (HCE).

Em 11 de agosto, no interior do HCE, Raul foi novamente submetido a interrogatório sob tortura, A partir das investigações empreendidas por seus familiares, compiladas no livro “Relatório Raul Amaro Nin Ferreira” (2013), bem como das investigações empreendidas pela CNV, ficou comprovado que a versão oficial apresentada pelo CIE é falsa. Raul Amaro morreu em decorrência das torturas a que foi submetido durante o período em que ficou preso no DOI-Codi e hospitalizado no HCE.

São várias as provas documentais, testemunhais e periciais que contribuem para a desconstrução da versão sustentada pelos órgãos da repressão, dentre as quais se destacam as abaixo relacionadas. Quanto à afirmação de que Raul Amaro teria tentado fugir durante a revista policial em seu apartamento, conforme registrado no Relatório nº 2298/71, de 29 de setembro de 1971, produzidos pelo Centro de Informações do Exército (CIE) e a análise de outros dos documentos da repressão relativos ao caso demonstra que é improcedente.

Nota-se que no primeiro relatório apresentado pelo agente Mario Borges, não foi registrada qualquer tentativa de fuga, fato este que, se tivesse ocorrido, constaria do relato feito pelo agente. A análise comparativa dos documentos demonstra que a alegação de fuga foi introduzida pela primeira vez na documentação oficial quando Raul Amaro deu entrada no HCE.

As pesquisas documentais e os laudos de perícia médica demonstraram que Raul morreu em decorrência das torturas a que foi submetido, primeiramente na sede DOI-CODI e, posteriormente, no HCE. O ex-soldado Marco Aurélio Magalhães, que servia no 1º Batalhão de Polícia do Exército no período em que Raul encontrava-se ali preso, em depoimento prestado nos autos da ação declaratória, afirmou que: viu pessoalmente Raul caído e espancado, na sala de interrogatório; que (…) viu os hematomas no corpo de Raul; que Raul foi interrogado por um capitão do DOI-Codi e um sargento da Unidade; (…); que ouviu quando um dos membros da equipe de interrogatório disse para o outro que Raul tinha em seu corpo mais hematoma do que outra coisa; que assistiu quando um dos interrogadores chutou a perna de Raul quando o mesmo estava caído no chão; que Raul foi espancado na parte genital e na barriga e que o depoente assistiu a esse espancamento; que a última vez que viu Raul o mesmo estava despido, deitado no chão, coberto com uma manta de lã e estava sendo examinado por um oficial médico da unidade, que recomendava que Raul fosse transferido para o HCE; que a impressão que teve é que Raul estava desmaiado, sem sentidos; que os interrogadores utilizaram um magneto, para produzir choque elétrico nas pessoas que estavam sendo submetidas a “interrogatório”; que os interrogadores utilizavam, também, um cassetete de madeira, usado pela PE.

Em entrevista concedida ao jornal Folha de São Paulo, Marco Aurélio Magalhães declarou ainda que: Raul apanhou basicamente de coturno. Levou muito chute, muita pancada. O Interrogatório dele começou às 2h (14h), no meu serviço, eu saí às 4h e ele já tinha apanhado bastante. Depois eu retornei de 8h às 10h da noite e ele já estava num estado lastimável, ainda dentro da cela, de capuz. Eu saí do serviço às 10h e voltei de 2h às 4h. Quando eu voltei ele já estava jogado num canto da sala de interrogatório; já não tinha mais condições de andar e estava enrolado numa manta. Chegou um oficial médico que eu já tentei desesperadamente puxar pela minha memória para me lembrar se foi o Lobo (Amílcar) ou o Fayad, mas não me recordo, e disse que ele tinha de ser levado para o HCE porque estava nas últimas, estava morrendo. E aquilo me marcou muito porque foi a primeira vez que vi uma pessoa agonizando.

A versão apresentada pelos depoimentos citados é reiterada pelo conteúdo do ofício nº 360/DOI-1971, do Ministério do Exército, informando que no dia 11 de agosto o comandante do I Exército, Sylvio Frota, ordenou a apresentação do Comissário Eduardo Rodrigues e do escrivão Jeovah Silva ao Diretor do HCE “a fim de interrogarem o preso Raul Amaro Nin Ferreira”. Posteriormente, em 12 de agosto, o general José Antônio Nogueira Belham encaminhou um relatório do interrogatório de Raul, o que permite inferir que o interrogatório foi realizado no dia 11 agosto nas dependências do HCE.

O trecho do relatório em que se lê “o marginado declara aliado do MR-8; em nosso entender pelo material encontrado em seu poder e pelos laços que mantém com Eduardo Lessa Peixoto de Azevedo, Raul Amaro é militante da Organização com vida legal. Não houve tempo para inquiri-lo sobre todo o material encontrado em seu poder”, pode ser considerado um indício de que a morte de Raul teria ocorrido durante o interrogatório realizado no dia 11 de agosto.

Mariana Lanari, mãe de Raul Amaro, relatou ainda que, em visita realizada ao HCE no dia 17 de agosto de 1971, obteve, durante conversa com o general Rubens (diretor do HCE) e general Galena, informações sobre o grave estado de saúde de Raul. De acordo com o relatório produzido por Mariana, Raul parecia melhorar, quando 2 dias antes de piorar, vomitou biles por 2 dias. Na quarta-feira dia 11, Raul não podia andar, conforme informação do enfermeiro, foi levado por ele, amparado, ao banheiro pela manhã e, ao voltar, começou uma tosse suspeita.

(…) Ao entrarem pela manhã na enfermaria ouviram um ruído de dispneia e foram logo ver o Raul que disse: “Tire-me desse horror, Pedro!” Foi levantada a cama e colocado oxigênio. Não houve portanto assistência alguma à noite. (…) Tanto no dia da morte quanto no dia da visita, o Diretor do HCE, general Ruben, mostrou-se preocupado em fazer sentir que ele não tinha responsabilidade alguma pela morte, que procurara fazer o melhor, que apenas cumpria ordens ao receber internados sem nome e sem indicações do que ocorrera e disse várias vezes que toda a documentação fora requisitada pelo Comando do I Exército, desculpando-se por não ter o que mostrar porque apenas cumpria ordens, etc.

Mais recentemente, o “Parecer Médico Legal sobre a Tortura e Morte de Raul Amaro Nin Ferreira nos Anos de Chumbo”, elaborado pelo Dr. Nelson Massini e apresentado em audiência pública organizada pela CEV-Rio e pelos familiares de Raul Amaro, em 11 agosto de 2014, comprovou que Raul foi torturado durante sua prisão no DOI-CODI e que posteriormente foi torturado, pelo menos em dois momentos distintos, e morto no interior do HCE. Após o exame dos documentos médicos produzidos sobre a morte de Raul, o perito concluiu que as lesões encontradas foram ocasionadas em três momentos diferentes: antes de sua entrada no HCE (entre os dias 2 e 4 de agosto), durante sua internação no HCE (entre os dias 6 e 8 de agosto) e logo antes de sua morte (entre os dias 10 e 11 de agosto).

O parecer aponta que existe “uma diferença de quantidade e tipos de lesões descritas entre o exame feito na admissão no Hospital Central do Exército e as descritas no exame cadavérico que são em maior número do que as que constam do exame admissional”, o que indica que Raul sofreu novas lesões depois de dar entrada no hospital.

Por fim, o perito declara que as lesões foram “oriundas de um processo de sofrimento físico (tortura)”, o que comprova que Raul Amaro foi submetido à tortura no interior do HCE. A família foi informada da morte de Raul Amaro na tarde do dia 12 de agosto através de um telefonema do diretor do HCE, general Rubens do Nascimento Paiva.

Seu corpo só foi liberado às quatro horas da manhã, após a realização de autópsia pelo Dr. Rubens Pedro Macuco Janine. O tio-avô de Raul Amaro, Manoel Ferreira, também médicolegista, tentou acompanhar a autópsia mas foi impedido. Ao ter acesso ao corpo de Raul, duas horas após o exame de autópsia, Manoel afirmou serem evidentes as marcas de tortura. O corpo de Raul Amaro foi enterrado pela família no Cemitério São João Batista, na cidade do Rio de Janeiro.

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