Atuação Profissional
dançarina folclóricaOrganização
Vanguarda Popular Revolucionária (VPR)Filiação
Deolinda Viedma Ortiz e Alex Rafael BarrettData e Local de Nascimento
6/1/1945, Laureles (Paraguai)Data e Local de Morte
entre 7 e 9/1/1973, Paulista/Abreu e Lima (PE)Soledad Barret Viedma foi militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Nascida no Paraguai, Soledad era de uma família culta e politizada. Era neta do renomado escritor hispano-paraguaio Rafael Barrett. Por causa do ativismo político de sua família, que a obrigava ao exílio, viveu na Argentina e no Uruguai. Aos 17 anos, foi sequestrada por um grupo de neonazistas que exigiram que ela dissesse “viva Hitler”. Diante da negativa, marcaram suas coxas com a suástica nazista.
Cansada das perseguições, Soledad decidiu ir a Cuba. Lá, conheceu o brasileiro José Maria Ferreira de Araújo, militante da VPR exilado na ilha. Com ele, que desapareceria em 1970, teve uma filha, Ñasaindy de Araújo Barret. No Brasil, Soledad passou também a integrar a organização.
Em 1973, a militante e mais cinco companheiros da VPR foram assassinados nos arredores do Recife (PE), num episódio conhecido como o Massacre da Chácara São Bento. Segundo a versão oficial, os militantes foram mortos numa troca de tiros na chácara. O jornalista Elio Gaspari, em “A ditadura escancarada”, classifica o episódio como “uma das maiores e mais cruéis chacinas da ditadura”. Segundo a versão do jornalista, os militantes foram capturados em ao menos quatro pontos distintos do Recife, torturados e depois levados até a chácara. Foram encontrados 26 tiros nos corpos dos militantes, sendo 14 deles na região da cabeça, o que evidenciaria mortes por execução.
As forças da repressão, chefiadas por Sérgio Paranhos Fleury, teriam conseguido obter informações sobre a localização dos militantes graças aos serviços de Cabo Anselmo, militar que se infiltrou na VPR e, inclusive, mantinha um relacionamento com Soledad, que estava grávida de um filho dele. Segundo o livro “Luta: substantivo feminino”, o cadáver de Soledad apresentava marcas de algemas nos pulsos e equimoses espalhadas pelo corpo.
Soledad foi morta junto com outros cinco integrantes da VPR entre os dias 8 e 9 de janeiro de 1973, no episódio conhecido como massacre da Chácara São Bento, em operação conduzida pela equipe do delegado Sérgio Paranhos Fleury, do Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo (DOPS/SP), com a colaboração do ex-cabo José Anselmo dos Santos, que era dirigente da VPR e atuava como agente infiltrado. O “Cabo” Anselmo era controlado por Fleury e suas ações eram acompanhadas por agentes do Estado, tendo contribuído com a captura e morte de vários militantes políticos. No momento em que Anselmo articulou a emboscada contra os seis integrantes da VPR, com o objetivo de desmantelar o movimento de guerrilha urbana no Nordeste do Brasil, já havia fortes suspeitas, dentro da organização, quanto à sua atuação como agente infiltrado. A versão oficial, veiculada pela imprensa na época, registrava que os militantes tinham sido mortos durante um tiroteio travado com os agentes de segurança na Chácara São Bento. A partir de suposta delação de José Manoel da Silva, preso no dia 7 de janeiro, a polícia teria localizado o aparelho, onde seria realizado um congresso da VPR. O Ofício nº 002/75-GAB/CI/DPF, de 17 de março de 1975, encaminhado pelo diretor do Centro de Informações do Departamento de Polícia Federal ao chefe da Agência Central do SNI, relatou que os militantes foram mortos “[…] à bala quando do desbaratamento de um Congresso Terrorista em Recife/PE, no dia 08-01-73, no Município de Paulista no Loteamento São Bento […]”. ii Pouco tempo depois do ocorrido, integrantes da VPR questionaram a versão oficial e, em fevereiro de 1973, publicaram, no Chile, um pronunciamento no jornal Campanha, no qual afirmavam que a “Vanguarda Popular Revolucionária do Brasil não realizou tal congresso, que tal informação é um pretexto mentiroso para justificar o assassinato desses seis (6) lutadores da causa anti-fascista”. Na mesma declaração, responsabilizaram o “Cabo” Anselmo pela delação dos militantes de Pernambuco. Os órgãos de segurança registraram o pronunciamento da VPR na Informação nº 217/DIS-COMZAE-4 do Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (DEOPS/SP) e a encaminharam à Divisão de Informações de Segurança da 4ª Zona Aérea da Aeronáutica.iii Não obstante, a versão oficial foi mantida pelos Relatórios das Forças Armadas enviados ao então Ministro da Justiça, Maurício Correa, em dezembro de 1993. Sobre Soledad, consta no relatório da Marinha: “JAN/73, 08/01/73, terrorista e agitadora. Foi morta em Paulista/PE ao reagir a tiros à ordem de prisão dada pelos agentes de segurança”. iv As investigações realizadas pela CEMDP, pela Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câmara (CEMVDHC) e pela Comissão Nacional da Verdade (CNV) comprovaram que não houve tiroteio, que os militantes foram capturados em lugares e ocasiões diferentes e mortos sob tortura, de modo que o tiroteio foi somente uma encenação para justificar as mortes. Um primeiro indício da falsidade da versão oficial pode ser extraído do Exame de Perícia em Local de Ocorrência, elaborado em 9 de janeiro de 1973 pelo Instituto de Polícia Técnica, uma vez que não faz menção a marcas de projéteis nos cômodos em que foram encontradas as vítimas, com exceção da cozinha que, segundo consta no exame, “apresentava vários orifícios produzidas por projéteis de arma de fogo”. v Não se sustenta, tampouco, a ideia de que o aparelho foi localizado a partir de delação de José Manoel. A operação de captura dos militantes pelos órgãos de segurança, sob o comando de Fleury, foi possível graças à atuação de “Cabo” Anselmo como agente duplo. Essa atuação é comprovada pelo “Relatório de Paquera” produzido pelo “Cabo” Anselmo e enviado ao DOPS/SP, em que relatava a rearticulação da VPR no Nordeste e o contato que estabeleceu com as vítimas antes da chacina, demonstrando a estreita vigilância policial a que estavam submetidos os militantes. Há uma particularidade no caso de Soledad, uma vez que ela mantinha uma relação afetiva com o “Cabo” Anselmo. Os dois moravam juntos no aparelho situado em Rio Doce, e o informante se aproveitou dessa proximidade para viabilizar o plano de eliminação dos integrantes da VPR. No relatório enviado ao DOPS/SP, Anselmo chega a fazer um apelo em relação à Soledad, dizendo: “Estou muito ligado afetivamente a ela. Mas, no entanto, prezo o que estou reconquistando. Caso seja possível, desejar que sua solução final fosse expulsão do Brasil, ou pelo menos, não fosse extrema”. vi O relato de testemunhas confirma que os militantes tinham sido presos antes da chacina. Em depoimento prestado à CEMVDHC, Jorge Barrett Viedma, irmão da Soledad e, na época, simpatizante da VPR, narrou que Pauline e Eudaldo dormiram no “aparelho” de Anselmo no dia 7 de janeiro e que, na manhã do dia seguinte, todos saíram para o centro de Recife em carro dirigido por Anselmo, sendo que Pauline e Soledad foram deixadas na boutique de Sonja Maria Cavalcanti de França Lócio, em Boa Viagem. Sonja Cavalcanti, proprietária da boutique Chica Boa, declarou à CEMDP, em 1996, que Pauline e Soledad foram capturadas em sua boutique por cinco homens que se diziam policiais e estavam em um carro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Sonja relatou que a ação foi muito violenta, que os homens espancaram Pauline, acertando-a até com coronhadas, e que as duas mulheres foram levadas amarradas. vii Um folheto de propaganda da boutique Chica Boa foi encontrado dentro da bolsa de Soledad, corroborando o depoimento de Sonja Maria. Sonja também prestou depoimento à CEMVDHC, no qual reconheceu o Delegado Sérgio Paranhos Fleury como um dos responsáveis pela captura de Soledad e Pauline em sua boutique. No mesmo dia em que elas foram capturadas, foram efetuadas as prisões de Eudaldo, Jorge Barrett e sua esposa. Jorge Barrett relatou para a CEMVDHC que Fleury também participou da sua detenção. Houve, portanto, uma ação coordenada que resultou nas prisões, indicando que ao menos duas equipes atuaram na operação de cerco aos militantes. Ainda com relação à autoria, em depoimento prestado para a CNV em 30 de outubro de 2012, o ex-sargento do Exército Marival Chaves afirmou que, além do informante Anselmo e do Delegado Fleury, participaram da operação que resultou na prisão e morte do grupo da VPR, pelo Centro de Informações do Exército, José Brant, Paulo Malhães, Félix Freire Dias e Rubens Gomes Carneiro (o Laecato). Também informou que a operação foi paga com recursos do CIE, com verbas descaracterizadas. Outro depoimento relevante foi prestado em 1996, à CEMDP, pela advogada Mércia de Albuquerque Ferreira, que teve acesso aos corpos das vitimas no necrotério. A advogada relatou que “todos os corpos estavam muito estragados, marcas de pancadas, cortes e que me impressionou foi porque aqueles corpos estavam desnudados e todos os corpos estavam inchados”. Em particular, sobre a situação do corpo de Soledad, descreveu a advogada: (…) em um barril estava Soledad Barret Viedma, ela estava despida tinha muito sangue nas coxas, nas pernas e no fundo do barril onde se encontrava também um feto. Eu fiquei horrorizada, como Soledad estava em pé com os braços caídos ao lado do corpo eu tirei a anágua e coloquei no pescoço dela, era uma mulher muito bonita, (…) A Soledad estava com os olhos muito abertos com expressão muito grande de terror, a boca estava entreaberta e o que mais me impressionou foi o sangue coagulado em grande quantidade que estava, eu tenho a impressão que ela foi morta e ficou algum tempo deitada e a trouxeram, e o sangue quando coagulou ficou preso nas pernas porque era uma quantidade muito grande e o feto estava lá nos pés dela, não posso saber como foi parar ali ou se foi ali mesmo no necrotério que ele caiu, que ele nasceu, naquele horror. viii O Laudo de Perícia em Local de Ocorrência registra marcas no pulso de Soledad, possivelmente produzidas por algemas ou cordas. Descreve, ainda, que ela recebeu dois tiros no pescoço e quatro tiros na cabeça, indicando que foi executada após sujeição física. Tais aspectos notados no cadáver da militante refutam igualmente a versão de morte em tiroteio. Embora os órgãos de segurança tivessem a identificação de Soledad, ela foi considerada desconhecida e sepultada como indigente no Cemitério da Várzea, no Recife. Até o momento, seus restos mortais não foram localizados e identificados. A CEMVDHC está realizando investigações sobre o local em que foram mortos os militantes da VPR, com apoio do testemunho e da colaboração de Jorge Barrett. As investigações ainda estão em curso, mas levantam indícios no sentido de que os militantes teriam sido mortos sob tortura em aparelho situado em Abreu e Lima e identificado pelos integrantes da VPR como Sítio São Bento, e não no local indicado como a Granja São Bento, localizado em Paulista, que corresponde ao lugar tradicionalmente apontado como cenário das mortes. Segundo depoimento prestado por Jorge Barrett à CEMVDHC, havia um equipamento de recuo da VPR em Abreu e Lima, onde viviam Pauline e Eudaldo. Este aparelho era chamado pelos membros da organização de Sítio São Bento e deveria funcionar como um local para receber pessoas que estivessem em perigo de vida e para, eventualmente, levar futuros sequestrados. Em razão da suspeita de identificação do local pela repressão, Pauline e Eudaldo teriam ido para outro equipamento situado em Rio Doce, onde era o aparelho de Soledad e de “Cabo” Anselmo. A partir dessas informações, a CEMVDHC tem trabalhado com a possibilidade, ainda não confirmada, de o aparelho em Abreu e Lima ter sido o local das mortes. No depoimento prestado, Jorge Barrett sugere que a Granja São Bento, apontada oficialmente como local da chacina, teria sido utilizada pela repressão para a encenação das mortes, mas não corresponderia ao aparelho mantido pela VPR. Essa hipótese ganhou força após um trabalho de reconhecimento feito pela CEMVDHC em parceria com Jorge Barrett, que conseguiu identificar o local do Sítio São Bento. Testemunhos colhidos de moradores da região reforçam essa hipótese, uma vez que eles se recordam do local como “Sítio dos Cabeludos” e relatam ter presenciado os militantes levados amarrados, bem como os corpos retirados em redes. No momento em que a CNV encerra as suas atividades, encontra-se em andamento um trabalho pericial realizado pela polícia científica de Pernambuco para avançar na identificação do local em confronto com os laudos e fotografias da época. Portanto, os resultados parciais das investigações conduzidas pela CEMVDHC apresentam indícios que apontam para a possibilidade de os militantes terem sido capturados em locais e momentos distintos e levados ao equipamento de recuo da VPR situado em Abreu e Lima, chamado Sítio São Bento, possivelmente para fazer o reconhecimento do local, onde teriam sido torturados e mortos.
Diante das investigações realizadas, conclui-se que Soledad Barrett Viedma foi presa e morta sob tortura por agentes do Estado brasileiro, restando desconstruída a versão oficial de tiroteio, divulgada à época dos fatos, em contexto de sistemáticas violações de direitos humanos promovidas pela ditadura militar, implantada no país a partir de 1964. Recomenda-se a emissão da certidão de óbito de Soledad Barrett Viedma, assim como a continuidade das investigações sobre as circunstâncias do caso, para a localização de seus restos mortais e identificação dos demais agentes envolvidos.
O Estado brasileiro utilizou uma série de mecanismos para amedrontar a população, sobretudo aqueles que não estivessem de acordo com as medidas ditatoriais. Conheça os reflexos do aparato repressivo e os focos de resistência na sociedade.