1980, a greve com Lula preso

1980, a greve com Lula preso

Era um período de reanimação geral dos movimentos políticos e das lutas sociais pelo país afora. Após a anistia, reorganizavam-se os partidos, surgia o Partido dos Trabalhadores (PT) e era fundada a Central Única dos Trabalhadores (CUT). A campanha salarial de 1980 dos metalúrgicos de São Bernardo foi preparada com centenas de reuniões e assembleias de até 100 mil pessoas. Foi organizado um Fundo de Greve para receber recursos e, em apoio, muitos setores da sociedade, em especial os estudantes, contribuíram nessa campanha.

Cartaz da Central Única dos Trabalhadores de 1983
Cartaz da Central Única dos Trabalhadores de 1983. Entre as diversas reivindicações da CUT estavam a exigência de jornada máxima de trabalho de 40 horas, reajuste trimestral, salário desemprego, Reforma Agrária e eleições diretas.

Os trabalhadores tinham uma lista de reivindicações: reposição da inflação, 15% de produtividade, piso salarial de Cr$12 mil (doze mil cruzeiros, a moeda brasileira na época), estabilidade no emprego, reajuste trimestral, jornada de 40 horas semanais, adicional de 100% nas horas extras, entre outras. Os empresários da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) responderam apenas com 3,5% de produtividade e piso inferior a CR$6 mil.

Em março, uma assembleia declarou a greve que começou sem a necessidade de piquetes, isto é, sem precisar que os trabalhadores que aderiram ao movimento impedissem a entrada dos demais colegas nas fábricas. A greve se estendeu por todo o ABC e por mais 17 cidades do interior de São Paulo.

O governo do general Figueiredo não aceitou a situação e se sobrepôs ao governador Paulo Maluf e à Fiesp, impondo uma intervenção em São Paulo. A ação de repressão chegou a contar com 8 mil soldados, 40 viaturas e 3 helicópteros do Exército, que faziam frequentes voos rasantes sobre as assembleias. O Tribunal Regional do Trabalho, pressionado pelo governo federal, decretou a ilegalidade da greve.

Capa do Jornal da Vila, de abril de 1980, que afirma que a greve deve seguir mesmo sem a presença de Lula.
Capa do Jornal da Vila, de abril de 1980, que afirma que a greve deve seguir mesmo sem a presença de Lula.

Estava dado o pretexto para a escalada da repressão. Os sindicatos sofreram intervenção e 14 líderes dos trabalhadores foram presos, entre eles Lula, numa ação conjunta entre DOI-Codi, DOPS, Polícia Militar e Polícia Federal. Nos dias seguintes, mais prisões. O estádio da Vila Euclides e a Praça do Paço Municipal foram interditados pelas tropas. Os operários se reuniram na praça da igreja matriz, cercados por PMs armados de fuzis e metralhadoras. Eclodiram choques nas ruas. O governo instruiu a Fiesp a recusar qualquer negociação. A grande imprensa fez uma cobertura hostil e deformada da greve.

No final de abril, a paralisação era de 90% dos trabalhadores em São Bernardo (“furar a greve é trair Lula e os outros companheiros presos”, defendiam).

O Fundo de Greve recebia crescente solidariedade, na medida em que a greve se tornava um confronto da classe operária contra a ditadura. O bispo de Santo André, dom Cláudio Hummes, apoiava a greve e coordenava a ajuda dos católicos. Parlamentares formaram uma delegação que fez uma visita de apoio aos grevistas.

O 1º de maio de 1980 se tornou um verdadeiro dia de luta para os trabalhadores. Mais de 100 mil pessoas foram ao largo da matriz, furando o bloqueio policial. Sob grande tensão, os grevistas e seus apoiadores conquistaram a reabertura do estádio e para lá se dirigiram em massa. Após 41 dias, a greve não tinha mais como se sustentar. Apesar dos apoios, faltava comida nas casas dos operários e eles voltaram ao trabalho, prometendo continuar a resistir dentro das fábricas. Lula e seus companheiros deixaram a prisão.

Depois de quase quinze anos de crescimento acelerado, a economia do país recuou: o desemprego rondava a casa dos 7%, em 1983 e 1984, um recorde histórico. Só em janeiro e fevereiro, a indústria paulista havia demitido mais de 47 mil trabalhadores.

Em 1983, ocorreram novas tensões no setor trabalhista, com o aumento do desemprego. O descontentamento social era grande e já em abril ocorreram manifestações nos Estados governados pela oposição.

Em São Paulo, uma passeata de desempregados no bairro de Santo Amaro gerou saques e depredações em várias regiões da cidade, os quais ficariam depois conhecidos como os “saques de abril”. Os tumultos se repetiram por três dias e chegaram ao Palácio dos Bandeirantes, a sede do governo estadual, que teve sua grade derrubada e seus jardins invadidos. O governador Franco Montoro recebeu líderes dos manifestantes e prometeu adotar medidas contra o desemprego.

No Rio de Janeiro, nos mesmos dias, supermercados, lojas e caminhões foram saqueados e ônibus, apedrejados em bairros diferentes. Ao longo do ano, outras manifestações pontuais desse tipo se repetiram.

Em julho do mesmo ano, uma greve geral contra o arrocho salarial foi organizada e paralisou cerca de três milhões de trabalhadores em todo o Brasil, das mais variadas categorias. Era a primeira greve geral em 19 anos. O governo militar reprimiu duramente o movimento, intervindo em sindicatos, cassando dirigentes e prendendo trabalhadores.

As greves do movimento operário haviam produzido uma vitória política irreversível: a mudança do cenário político nacional, já que as forças de oposição cresceram e a ditadura ficou sem condições de levar adiante seu projeto de institucionalização do regime. As eleições de 1982, com importantes vitórias da oposição, já refletiram essa nova correlação de forças.

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