O escritor Fernando Gabeira
O escritor Fernando Gabeira

Romances, poesia e crítica literária

Romances, poesia e crítica literária

A crítica literária dos anos 1970 anunciava a “crise do romance”, portadora de certa fragmentação da linguagem e do fluxo narrativo que é própria ao gênero. A crise desse gênero literário seria a expressão da crise do intelectual como “homem-de-letras”, que tradicionalmente pensava o mundo como se estivesse fora dele.

Isso pode ser percebido nos romances de Antônio Callado dos anos 1970, “Bar Don Juan” (1971) e “Reflexos do Baile” (1977). Ou na tentativa de um romance “realista-contracultural”, como se poderia notar em “Zero”, de Loyola Brandão (lançado em 1974, na Itália, em 1975 no Brasil, mas proibido no ano seguinte até 1979).

As grandes respostas literárias dos anos 1970 à ditadura militar, no campo da ficção, retomaram a narrativa realista, mas evitando uma visão onisciente do narrador tradicional, trabalhando-a como se fosse um documentário cinematográfico. As expressões mais notórias e contundentes disso foram “Em Câmara Lenta” (de Renato Tapajós) e “A Festa” (de Ivan Ângelo).

Em ambos, o tema da derrota, trabalhado pelo viés do martírio e da solidão do guerrilheiro-herói (“Em Câmara Lenta”), ou da impotência e covardia da sociedade como um todo frente ao autoritarismo (“A Festa”), se apresentam como rupturas com a “boa consciência literária” do intelectual que esteve na origem da própria ideia de resistência cultural. Nesses livros, não resta ao intelectual nem “despir-se” nem “reinventar-se” e se tornar guerrilheiro. A violência absoluta da repressão e a imposição do medo à sociedade são impositivos e determinantes da nova realidade social sob a ditadura.

Obviamente, a literatura do período vai além desses temas, constituindo-se igualmente em reflexão sobre a violência das relações sociais e políticas potencializadas pela experiência autoritária. É nítida nos livros a influência de outras linguagens, vindas do jornalismo, da publicidade, do cinema. O conto, a poesia, o livro-reportagem, a autobiografia, a novela, seriam os principais formatos literários dos anos 1970, na tentativa de manter a palavra literária como lugar de resistência cultural, em que pese o lançamento de romances em seu formato mais clássico, como “Incidente em Antares” (Érico Veríssimo, 1971).

O campo da poesia parece não se enquadrar nesse princípio de criação literária. Movimentos como “Poesia Jovem”, da primeira metade dos anos 1970, estavam mais próximos de uma poética de vanguarda contracultural, apostando na fragmentação da linguagem e no afastamento de temas “realistas”, como forma de estimular a revisão da consciência de mundo e de buscar uma nova subjetividade para se enfrentar os valores impostos pela ditadura.

Em 1975, houve um boom literário no Brasil, apontando novas tendências do mercado editorial, como o “romance-reportagem” (Aguinaldo Silva, José Louzeiro), a publicação de best-sellers estrangeiros, e de livros de memórias, sobretudo após 1979, quando os exilados começaram a voltar e a narrar suas aventuras e desventuras na luta contra o regime militar e no exílio. Os livros “O que é isso, companheiro?” e “Os Carbonários”, escritos pelos ex-guerrilheiros Fernando Gabeira e Alfredo Sirkis, respectivamente, se inscrevem nessa tendência, e são importantes marcos na própria reconstrução da memória sobre a experiência da guerrilha e seu lugar na história do Brasil.

A crítica literária nos anos 1970 produziu importantes revisões analíticas da história do Brasil a partir do estudo da literatura (prosa e poesia). Desde os textos clássicos de Antonio Candido, “Dialética da Malandragem” e “Literatura e Subdesenvolvimento”, passando pelo também clássico “As ideias fora do lugar”, de Roberto Schwarz, ou “Ser e o tempo na Poesia”, de Alfredo Bosi, a crítica literária acadêmica protagonizou um debate intenso e inovador. Esses autores revisaram temas ligados aos conflitos sociais, ao nacionalismo, ao papel histórico da ideologia liberal no Brasil, à subjetividade do fato literário e sua importância para a resistência contra o autoritarismo.

A crítica carioca, por sua vez, com destaque para Heloísa Buarque de Hollanda e Silviano Santiago, dedicou-se particularmente à reflexão sobre a literatura alternativa e a poesia jovem, valorizando criações ligadas às vanguardas literárias dos anos 1960.

Portanto, a literatura durante o regime militar propiciou uma gama de “consciências literárias” sobre a experiência histórica, não porque imitou a realidade nos livros, mas porque, em muitos casos, só a reflexão propiciada pela ficção, pela imaginação ou pela memória poderia dar conta de compreender uma realidade política, cultural e social tão multifacetada e complexa.

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