Atuação Profissional
médicoOrganização
Movimento de Libertação Popular (Molipo)Filiação
Laura Alves Massa e Francisco de Souza MassaData e Local de Nascimento
7/1/1938, Avaré (SP)Data e Local de Morte
Desaparecimento entre 21/12/1971 e 21/06/1972, Pindorama (TO)O desaparecimento de Boanerges de Souza Massa esteve intimamente vinculado a seu retorno ao Brasil. Com o término das atividades da terceira turma de preparação de guerrilheiros em Cuba, em fins de 1970, o “Grupo dos 28” ou “Grupo da Ilha” foi preparado seu retorno ao país, para dar prosseguimento à organização da luta armada.
No decorrer de 1971, oito integrantes do grupo voltaram para o país, utilizando nomes falsos, portando documentos confeccionados em Cuba. Após sondagens iniciais, um grupo estabeleceu-se no norte de Goiás, em uma região cortada pela estrada Belém-Brasília, próxima ao Pará e ao Maranhão. A cidade de Araguaína foi escolhida como base de operações do grupo, constituído por Jeová de Assis Gomes (chefe), Boanerges de Souza Massa, Ruy Carlos Vieira Berbert, Sérgio Capozzi, Jane Vanine e Otávio Ângelo.
Em 21 de dezembro de 1971, Boanerges foi capturado pela Polícia Militar do Estado de Goiás (PMEGO), na cidade de Pindorama (atualmente, estado de Tocantins). Nesse momento, realizavam-se as ações das primeiras equipes de reconhecimento enviadas pelos órgãos de segurança à região, com vistas a combater os guerrilheiros. Os trabalhos dessas equipes foram chefiados por oficiais à paisana do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna do Comando Militar do Planalto (DOI-CODI/CMP), do Destacamento de Operações de Informações da 3ª Brigada de Infantaria (DOI/3ª BDA INF) e da Agência Distrito Federal do Centro de Informações do Exército (CIE/ADF).
Ao ser capturado, Boanerges vivia como vendedor de produtos farmacêuticos e portava carteiras de identidade falsas, com os nomes de Júlio Martins e Moisés Leôncio Braga. Foi supostamente conduzido de Pindorama para Porto Nacional, então estado de Goiás, de onde sua prisão foi comunicada ao Comando Militar do Planalto/11ª Região Militar (CMP/11ª RM). Pouco depois, em 26 de dezembro, foi removido para Brasília, por meio de transporte aéreo realizado pela 6ª Zona Aérea (6ª ZAer). Pesa sobre Boanerges a suspeita de ser o informante que permitiu o desmantelamento do Grupo da Ilha.
O Relatório Periódico de Informações no 24 da Agência Central do Serviço Nacional de Informações (SNI), com data de abrangência de 16 a 31 de dezembro de 1971, não confere sustentação a essa tese. O item “a. Regresso ao Brasil de terroristas treinados em Cuba” destaca os desdobramentos da prisão de um militante portando identidade falsa, com o nome de Eduardo Pratini. A partir da análise da fonte, foi possível: “(i) identificar e, segundo a versão oficial, eliminar em tiroteios ocorridos durante a prisão, três guerrilheiros que retornavam de Cuba;” e, “(ii) tomar conhecimento da existência de uma dissidência da ALN, a ‘Operação Ilha’.”
Já em outro ponto do documento, o item “c. BOANERGES DE SOUZA MASSA, terrorista foragido, em Goiás”, aponta informações sobre o médico, com detalhes sobre a prisão do militante do Molipo em fins de dezembro de 1971, no interior de Goiás. Segundo informações oficiais, Boanerges haveria informado a data de “pontos” com outros companheiros e a localização de uma fazenda do Molipo na região de Araguaína (atual Tocantins), além de detalhes sobre integrantes do Grupo da Ilha. Informações consideradas decisivas para a prisão de Ruy Caros Vieira Berbert.
Por seu turno, as prisões de Jeová Assis Gomes e do casal, Sérgio Capozzi e Jane Vanine Capozzi, só não ocorreram de imediato em razão da dificuldade das forças de segurança para chegar à localidade. Portanto, mesmo que as declarações sobre “pontos” e a localização da fazenda que servia de base de operações da organização política possam ter sido declaradas por Boanerges, isso só ocorreu após sua captura e aprisionamento, o que não configura o gatilho inicial que desencadeou a operação para o desmantelamento do Molipo.
Após sua prisão e movimentações iniciais, pouco se sabe sobre o que aconteceu com Boanerges. Nos acervos, há apenas algumas pistas. Por meio da Informação no 197/72- E2.2, de 27 de junho de 1972, por exemplo, a 2ª Seção do Estado-Maior do Exército relatou detalhes sobre a situação de militantes da ALN que frequentaram cursos em Cuba. Nesse documento, registra-se que, em 21 de junho de 1972, Boanerges ainda se encontrava preso, embora sem indicação de detalhes sobre o local. Taís Morais, por sua vez, com base nas declarações de “Carioca”, agente ligado ao Centro de Informações do Exército (CIE), oferece uma versão para a morte de Boanerges e algumas pistas sobre a possível localização de seus restos mortais.
Ao ser levado para o Distrito Federal pela Polícia do Exército, Boanerges teria ficado detido no Pelotão de Investigações Criminais do Batalhão de Polícia do Exército (PIC/BPE), sendo, posteriormente, transferido para um “aparelho” (instalação clandestina) do CIE. Segundo consta, esse aparelho ficava na zona rural de Formosa, cidade goiana a cerca de 70km da capital federal. Em seguida, Carioca ficou sabendo por Geverci – jovem soldado, de origem camponesa e responsável pela vigilância do aparelho – que o médico havia sido morto e levado o seu corpo. Geverci teria narrado o acontecido a Carioca mais ou menos nos seguintes termos: “Foi feito e enterrado por aí. A equipe veio, levou o homem de madrugada e sumiu com ele”. Provavelmente, foi sepultado nas proximidades de Formosa.
O Ministério Público Federal (MPF) de Tocantins ingressou com uma Ação Civil Pública em novembro de 2012, protocolada sob o nº 0007792-21.2012.4.01.4300, com trâmite na 2ª Vara Federal de Tocantins, requerendo a responsabilização penal e civil de Lício Augusto Ribeiro Maciel como autor e partícipe da prisão ilegal e morte de Boanerges de Souza Massa, assim como de outros militantes que morreram ou desapareceram no hoje estado do Tocantins.
O MPF requereu também a cessação dos benefícios de aposentadoria ou inatividade percebidos pelo militar, além de sua condenação para suportar o valor da indenização paga pela União Federal à família, em virtude de pagamento realizado por comissão de reparação. Requereu, ainda, a condenação da União Federal, no sentido de empreender medidas para a localização dos restos mortais de Boanerges de Souza Massa e Ruy Carlos Vieira Berbert.
Diante das investigações realizadas, conclui-se que Boanerges de Souza Massa morreu em decorrência de ação perpetrada por agentes do Estado brasileiro, em contexto de sistemáticas violações de direitos humanos promovidas pela ditadura militar implantada no país a partir de abril de 1964.
Recomenda-se a continuidade das investigações sobre as circunstâncias do caso para a localização e identificação de seus restos mortais e identificação e responsabilização dos demais agentes envolvidos.
O Estado brasileiro utilizou uma série de mecanismos para amedrontar a população, sobretudo aqueles que não estivessem de acordo com as medidas ditatoriais. Conheça os reflexos do aparato repressivo e os focos de resistência na sociedade.