Eremias Delizoicov foi morto por agentes do Estado brasileiro em 16 de outubro de 1969, na cidade do Rio de Janeiro. Segundo a falsa versão apresentada pelos órgãos da repressão, Eremias teria sido morto em tiroteio com os agentes do DOI-CODI / RJ, que tentavam prendê-lo em sua casa. Essa versão foi publicada no Diário da Noite, de 21 de outubro de 1969: Um morto e três feridos foi o saldo trágico de uma diligência feita pelas autoridades da PE da Vila Militar, no bairro da Vila Cosmos, na zona norte, visando deter um grupo de subversivos que se homiziava num “aparelho” descoberto pela polícia. Agentes da PE, comandados pelo major Lacerda, quando chegaram próximos ao “aparelho” jogaram uma granada dentro da casa, para obrigar os que lá estivessem a sair e se entregarem. Após a explosão, quando o comandante Lacerda entrou no imóvel, acompanhado do capitão Ailton Guimarães e do cabo Mário Antônio Povaleri[sic], foram baleados. O major foi ferido na perna esquerda, o capitão na coxa esquerda e o cabo no braço esquerdo, com fratura exposta. O elemento, após ferir os militares, foi fuzilado e morto por agentes que participavam da diligência. O “aparelho” foi denunciado por um jovem de uns 20 anos presumíveis, que se encontra preso na Vila Militar e sua identidade está sendo mantida em sigilo. O corpo de Eremias deu entrada, como desconhecido, no Instituto Médico Legal do Rio de Janeiro, pela guia 471, da 27ª DP, na data de 17 de outubro de 1969. O exame de necropsia foi realizado pelos médicos legistas Elias Freitas e Hygino de Carvalho Hércules, que confirmaram sua morte em tiroteio. A perícia registrou que Eremias foi atingido por disparos de armas de fogo e apresentava ferimentos “lácero-contusos”, cuja procedência seria verificada na necropsia. Citaram, ainda, pelo menos 29 disparos nas paredes da casa. Os médicos legistas descreveram ferimento transfixante da cabeça com dilaceração do encéfalo. Ademais, foram descritas 19 lesões de entrada e 14 de saída de projéteis no corpo de Eremias. A certidão de óbito de Eremias foi lavrada com o nome e demais dados falsos. Ali foi registrado como morto José Araújo de Nóbrega, que ainda está vivo, além de citar o nome da viúva e uma informação de que teria deixado três filhos. O corpo de Eremias foi enterrado no Cemitério São Francisco Xavier (Cemitério do Caju), em 21 de outubro de 1969, na cova 59.262, quadra 45, com o nome de Nóbrega, o que dificultou a localização e a identificação dos seus restos mortais. No entanto, é importante registrar que, de acordo com o comunicado n° 76/69 da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, as impressões digitais de Eremias Delizoicov já haviam sido confirmadas pelo datiloscopista da Delegacia de Crimes contra a Pessoa, em 11 de dezembro de 1969. Ainda, há documentos das Forças Armadas com informações sobre Eremias, nos seguintes termos: a) Informe nº 379/QG-4 de 14/10/1969, da 4ª zona aérea, 2ª seção, Ministério da Aeronáutica expõe o monitoramento de Eremias feito pelos órgãos de informação pouco antes de sua morte, afirmando que “estão sendo dadas várias buscas pela área, com o fim de prender tal indivíduo, caso ainda esteja pelas cercanias”; b) Relatório Especial de Informações nº 22 da 2ª Divisão da Infantaria do II Exército que descreve fisicamente Eremias, apresenta a sua filiação e diz que abandonou a casa dos pais, em maio de 1969. Em 1993, o Ministério da Aeronáutica encaminhou um relatório ao ministro da Justiça, Maurício Corrêa, no qual relata que Eremias foi “[…] morto em 16/outubro/69, em tiroteio com membros dos Órgãos de Segurança […] ao resistir ao cerco da Polícia do Exército, em Vila Cosmos/RJ”. Somente em 1993, após ação judicial, a família conseguiu obter a certidão de óbito de Eremias com seus dados corretos, o acesso ao laudo da necropsia e trinta e uma fotos de Perícia de Local (ICE 658/69). O laudo de Perícia de Local do ICE/RJ descrevia que a casa onde Eremias foi morto encontrava-se bastante revirada, indicando, portanto, a existência de confronto. A CEMDP, por sua vez, designou o perito Celso Nenevê, para analisar e apresentar um parecer sobre o caso de Eremias, a partir dos laudos de perícia e do exame cadavérico confeccionados a época, com base em fotografias do corpo e do local do óbito. Celso Nenevê identificou, observando as fotos, escoriações não descritas no laudo e se deteve na análise dos ferimentos lacerocontusos. Das dezenove lesões produzidas por projéteis de arma de fogo, nada pôde afirmar quanto à reação vital, em virtude da qualidade e distância em que foram feitas as fotos. Os peritos da época descreveram vinte e nove impactos de projéteis nos diversos cômodos da residência, mas, estranhamente, não verificaram ou não descreveram os disparos que teriam sido feitos do interior para o exterior. Ressaltou que, pela foto, a posição do corpo não é compatível com a de repouso final, tampouco condiz com a mancha de sangue que aparece na parede. Ainda, Nenevê afirma que pelo estado que estava a casa, a partir das fotos, que uma granada ou algum outro artefato explosivo não poderia ter sido disparado dentro da residência, visto que não tinham vidros estraçalhados ou marcas no piso. Na 87ª Audiência da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo, realizada em 16 de outubro de 2013, foi lida uma carta de José Araújo de Nóbrega na qual ele narra que conheceu Eremias em março de 1969, quando pertencia a um grupo de estudantes secundaristas do qual fazia parte, além de Eremias, Celso Lungaretti, Gerson Theodoro de Oliveira e Carlos Roberto Zanirato. Transcorrido o período no qual ocorreu a prisão e a morte de Zanirato, o grupo foi deslocado para o Rio de Janeiro, sendo dada a tarefa, a José Araújo de Nóbrega, da criação de um novo Grupo de Combate, quando foram designados os companheiros Gerson Theodoro, Tereza Ângelo, Eremias Delizoicov e Sônia Lafoz. Nóbrega, Eremias e Sônia Lafoz passaram a morar juntos em uma casa alugada na Rua Toropi, nº 59, Vila Cosmos. Na carta, José Araújo de Nóbrega narrou, ainda, que, em outubro de 1969, foi incumbido de cuidar da segurança de um congresso de coalizão da VPR com a Colina, e, retornando a sua casa, identificou um cerco militar no bairro, do qual conseguiu escapar. À noite, entretanto, ouviu a notícia de sua morte, visto que os documentos pessoais que se encontravam na casa eram os seus e que Eremias possuía o seu mesmo porte físico, o que causou uma confusão, inclusive, em seu irmão, Francisco, que reconheceu o corpo de Eremias, enterrado com seu nome no Cemitério do Caju, no Rio de Janeiro. Segundo depoimento de Demétrio Delizoicov, irmão de Eremias, à Comissão Estadual da Verdade de São Paulo, em 16 de outubro de 2013, o jovem que teria supostamente delatado o aparelho no qual Eremias vivia seria Carlos Minc: (…) no retorno de Nóbrega do exílio, da Europa, da Suécia, ele encontra meus pais, ele sabia o local por conta disso, a informação é que ele procura na lista telefônica, liga para o telefone e a pessoa com quem ele fala já não era mais, era outro parente que informou onde é que meus pais estavam morando. Então é um pouco essa história, a história todo da Nóbrega que reportei é exatamente para dar resposta. O Nóbrega informa naquela reunião que teve em 1985 com meus pais, eu estava presente, que a pessoa que teria informado o local teria sido o Carlos Minc. [Demétrio narra que ao questionar Carlos Minc sobre o tema ele respondeu] “Demétrio, aquele período nós fazíamos tantos erros que isso pode ter acontecido mesmo, mas não lembro o caso”. Ele não teve coragem de me relatar, eu compreendo isso. Em documento emitido pela Santa Casa de Misericórdia/RJ, datado de 25 de maio de 1975, foi informado que os restos mortais de Eremias foram incinerados. Efetivamente, os restos mortais de Eremias permanecem desconhecidos até a presente data. Destarte, diante da morte e da ausência de identificação plena de seus restos mortais, a Comissão Nacional da Verdade, ao conferir tratamento jurídico mais adequado ao caso, entende que Eremias Delizoicov permanece desaparecido.
Diante das investigações realizadas, conclui-se que Eremias Delizoicov morreu em decorrência de ação perpetrada por agentes do Estado brasileiro, em contexto de sistemáticas violações de direitos humanos promovidas pela Ditadura Militar, implantada no país a partir de abril de 1964. No entanto, ele é considerado como desaparecido pela Comissão Nacional de Verdade porque, até a presente data, seus restos mortais não foram localizados e identificados. Recomenda-se a retificação da certidão de óbito de Eremias Delizoicov, assim como a continuidade das investigações sobre as circunstâncias do caso, para a localização de seus restos mortais, retificação de sua certidão de óbito e identificação e responsabilização dos demais agentes envolvidos.