Cara a cara - 2 - jul. a dez. 78

Atuação Profissional

metalúrgico

Organização

Ação Libertadora Nacional (ALN)

Filiação

Yocico Okama e Masahares Okama

Data e Local de Nascimento

2/5/1947, São Carlos (SP)

Data e Local de Morte

15/3/1973, São Paulo (SP)

Francisco Seiko Okama

Francisco Seiko Okama

Francisco Seiko Okama foi morto em 15 de março de 1973, em São Paulo (SP) na chamada emboscada da Rua Caquito, juntamente com Arnaldo Cardoso Rocha e Francisco Emanoel Penteado. Na ocasião, todos eram militantes da Ação Libertadora Nacional (ALN).

 

A versão oficial sobre o caso, sustentada pelos órgãos de imprensa à época e presente na documentação emitida, alegava que os militantes foram abordados por uma patrulha na referida rua e entraram em confronto por reação a suposta voz de prisão. Dois deles teriam morrido na mesma rua do incidente e outro conseguido fugir, no entanto, foi morto próximo ao local. A requisição de exame de necropsia encaminhado pelo DOPS ao Instituto Médico Legal (IML) atesta que Francisco Seiko faleceu às 14h do dia 15 de março, ao travar tiroteio com agentes dos órgãos de Segurança Nacional.

Segundo o laudo produzido pelo IML na ocasião, a vítima teria falecido em virtude de choque traumático por politraumatismo, produzido por perfuro contundente feito com projétil de arma de fogo. Na ocasião, não foi realizada nenhuma perícia no local da ocorrência, o que dificultou um parecer mais conclusivo que contestasse a versão oficial. Não foi também realizada perícia na arma encontrada em posse de Francisco Okama, que só foi formalmente apreendida no dia 19 de março, quatro dias após o acontecimento. Em meados da década de 1980, Iara Xavier Pereira, esposa de Arnaldo Cardoso Rocha, e Suzana Keniger Lisbôa estiveram na Rua Caquito, suposto local do crime, para busca de novas informações sobre o caso.

Conversando com alguns moradores da rua, souberam que dois meninos teriam assistido ao ocorrido e conseguiram localizar um deles, que relatou em detalhes o que viu enquanto andava de bicicleta com um amigo. Segundo eles, “[…] um rapaz moreno corria rua abaixo e, após cambalear, dobrara as pernas e caíra de bruços, quase em sua frente”. Ao tombar, foi imediatamente colocado no banco traseiro de um Volkswagen verde, ao lado de uma mulher com uma mecha de cabelos brancos, uma agente não identificada, mas que, segundo um testemunho, havia participado de outras operações de agentes do DOI-CODI/SP.

Cumpre destacar informação constante no CEMDP, que Arnaldo já tinha relatado aos companheiros que em outras ocasiões nas quais conseguiu escapar da perseguição dos agentes de segurança, estava presente uma mulher com uma mecha de cabelos brancos, semelhante à descrita pelo menino que testemunhou sua prisão. Pela descrição, pode-se evidenciar que a pessoa que vira cair era Arnaldo Cardoso Rocha.

Uma informação divulgada dezenove anos depois veio por meio das matérias publicadas pela revista Veja (veiculadas em 20 de maio e em 18 de novembro de 1992), com base em depoimento do ex-agente do DOI-CODI/SP, Marival Chaves do Canto, que revelou como atuavam os infiltrados nas organizações clandestinas durante a ditadura, chamados de “cachorros”, que eram indivíduos que faziam parte da resistência, mas que, por diversas razões, passaram a colaborar com os órgãos da repressão, até com direito a salário e, em alguns casos, com contrato de trabalho.

Encapuzados, alguns chegaram a interrogar colegas da mesma organização. De acordo com as citadas reportagens da revista Veja, entretanto, Jota teria iniciado sua atuação como agente infiltrado no fim de 1972, sem, contudo, apresentar comprovação a respeito dessa informação. Em 2 de março de 1973, Arnaldo escapou de uma perseguição, ferido na perna, e o fato foi noticiado como um tiroteio envolvendo traficantes, conforme relatou o jornal Folha da Tarde, de 16 de março de 1973. Nesse dia, ele havia acabado de ter um encontro com Jota, evidenciando que o encontro dos órgãos de repressão política com os três militantes não foi casual, conforme a versão oficial.

Não foi realizada perícia de local, apesar da referência a um intenso tiroteio, e não foram localizadas fotos dos corpos dos militantes. Há indicativos, portanto, de que houve a intenção de executar os militantes, valendo acrescentar que no parecer da CEMDP foram registradas outras fragilidades da versão dos órgãos da repressão, como “[…] as armas que teriam sido encontradas em poder dos militantes só foram formalmente apreendidas pela autoridade militar em 19 de março, quatro dias depois, e não há notícia de que tenham sido submetidas a exame pericial”.

Em depoimento, Amílcar Baiardi, preso no DOI-CODI/SP na época, afirmou que viu, pela janela, à distância, dois jovens feridos jogados na quadra de esportes daquele órgão da repressão, aparentemente sendo interrogados em meio a comemorações ruidosas dos agentes. Ali foram deixados por mais de uma hora, até serem recolhidos por um rabecão do IML. Amílcar calcula que os viu depois do meio-dia e ainda estavam com vida. Um tinha traços orientais e era chamado pelos agentes de “japonês”. Quando foi libertado, Amílcar teve acesso aos jornais e associou o fato à morte dos três militantes da ALN.

O relato de Amílcar foi importante para refutar a versão oficial de que as vítimas teriam sido mortas no local do incidente. Segundo esta nova versão que se descortinava, pelo menos dois dos envolvidos teriam sido conduzidos ao DOI-CODI e não diretamente ao IML, sendo interrogados e possivelmente torturados. Amílcar é claro também em afirmar que teria verificado que as vítimas apresentavam na ocasião apenas ferimentos torácicos/abdominais, não mencionando nenhum ferimento na cabeça.

Já o laudo de necropsia citado anteriormente descreve que Francisco Seiko foi alvejado com cinco tiros. Um, com entrada do projétil no canto externo da pálpebra inferior esquerda, que chegou a transfixar o olho esquerdo e outro com orifício de entrada na ponta do nariz, provocando fratura do maxilar superior direito. Pelo menos três deles teriam sido desferidos de cima para baixo, indicando uma situação em que a vítima já estaria em situação de completo domínio. Versão que vai ao encontro das informações levantas pela análise pericial realizada pela CNV no laudo do Exame Necroscópico e exame de antropologia forense de Arnaldo Cardoso Rocha.

No corpo deste, foi constatado a existência de mais de 30 achados, ou seja, marcas, escoriações e equimoses que não foram relatadas a época. Mais grave é que, dentre os achados descritos no Laudo de Necropsia, não constam duas feridas produzidas por entradas de projeteis expelidos por arma(s) de fogo, localizadas na região parietal esquerda de Arnaldo Cardoso Rocha, sendo que outros dois atingiram sua cabeça e outra ainda a clavícula direita, que poderiam caracterizar evento compatível com execução.

Junta-se a esta tese a simetria das feridas encontradas no corpo de Arnaldo, indicando que o mesmo foi vítima de intensa tortura, nomeadamente a conhecida por “falanga”, na qual a pessoa torturada recebe reiterados golpes nos pés e nas mãos produzidos por barras de ferro, cassetetes ou outros congêneres. Maria José Mendes de Almeida Araújo afirmou em depoimento anexado ao processo da CEMDP que, em visita ao IML no dia 16 de março daquele ano, teria encontrado Francisco com o rosto bastante machucado e com a dentição quebrada. Visíveis traços de que teria sido torturado e levado alguns tiros de curta distância ou a queima roupa.

Não há registro de fotos das vítimas para se confrontar as versões do laudo e/ou dos depoimentos, uma vez que não foi realizada perícia no local. Os militantes teriam sido entregues ao Instituto Médico-Legal sem calças, o que aponta que entre o tiroteio e a sua chegada ao IML passaram por algum lugar, provavelmente pelo DOI-CODI, conforme depoimento de Amílcar Baiardi. O relator do caso na CEMDP, Luiz Francisco Carvalho, ainda acrescenta que nas notícias de jornais os três são identificados pelos seus codinomes, enquanto no registro do IML há o nome verdadeiro, o que leva a crer que os órgãos de segurança monitoravam e tinham todas as informações pertinentes sobre os três militantes.

O caso foi descrito como “nebuloso” pelo ex-escrivão Manoel Aurélio Lopes, que atuava no DOI-CODI-SP e na ocasião elaborou os autos de apreensão das armas e documentos em posse dos militantes. Em depoimento prestado à audiência pública da Comissão Nacional da Verdade, em parceria com a Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva, no dia 25 de fevereiro de 2014, Manoel comentou que este caso fora na época cercado por divergências nas investigações, com muitas versões desencontradas. Manoel admitiu ter havido torturas no DOPS/SP e no DOI-CODI no período em que atuara.

Na ocasião, a CNV apresentou também laudo pericial de exumação do corpo de Arnaldo Cardoso Rocha, desconstruindo definitivamente a versão oficial da morte em tiroteio. Os corpos dos três militantes foram entregues aos familiares em caixões lacrados, com ordens expressas para não serem abertos.

Francisco foi enterrado por seus pais no cemitério de Mauá (SP).

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