Atuação Profissional
estudante universitáriaOrganização
Ação Libertadora Nacional (ALN)Filiação
Zoraide de Carvalho Beltrão e João Beltrão de CastroData e Local de Nascimento
12/1/1950, Coruripe (AL)Data e Local de Morte
22/1/1972, São Paulo (SP)Gastone Lúcia Carvalho Beltrão foi executada em 22 de janeiro de 1972. Segundo a versão registrada na requisição de exame necroscópico, teria ocorrido um tiroteio na esquina das ruas Heitor Peixoto e Inglês de Souza, no bairro do Cambuci, em São Paulo (SP).
De acordo com essa versão oficial, Gastone teria falecido no local. Depois de dois meses, a família foi informada por uma freira que algo havia acontecido a Gastone. Sua mãe, Zoraide, dirigiu-se ao Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo (DOPS-SP) e, após muito insistir, conseguiu falar com o delegado Sérgio Fernando Paranhos Fleury, comandante da ação que culminou na morte de sua filha. Após negar a execução, Fleury declarou que a filha de Zoraide era uma moça muito corajosa e forte, e que resistira até o último momento.
A ficha de Gastone produzida pelo DOPS-SP afirmava que a morte teria ocorrido em tiroteio travado com agentes dessa instituição. Entretanto, foram produzidos documentos acerca de sua morte com horários e versões contraditórios que permitiram desconstruir a versão oficial da morte em decorrência do tiroteio. De acordo com a requisição de necropsia feita pelo DOPS, a morte teria ocorrido às 15h30. O laudo necroscópico atesta o horário do óbito às 11h.
Há inconsistências também em relação à identificação do corpo. O laudo de perícia técnica emitido naquele dia afirma ter recebido às 17h pedido de solicitação de exame pericial em um cadáver “até então desconhecido”. No entanto, na requisição de necropsia há todos os dados de identificação do corpo como sendo de Gastone e, segundo o documento, a entrada teria sido às 15h30, ou seja, menos de uma hora entre a morte, a identificação e o seu encaminhamento ao IML. O laudo de necropsia, assinado pelos legistas Isaac Abramovitc e Walter Sayeg, atesta a presença de “sinais particulares” no corpo da vítima, como inúmeras cicatrizes e fraturas, além de treze ferimentos circulares, característicos daqueles produzidos pela entrada de projétil de arma de fogo. Apesar da quantidade de informações constantes do laudo, todas foram arroladas de forma bastante superficial.
A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) analisou e verificou a inconsistência da documentação. A fratura no braço (cúbito e rádio) e pulso esquerdo identificada no laudo indica que Gastone pode ter sido imobilizada e sofrido torção do membro até sua fratura. Há também, nas fotos anexadas aos documentos, sinais visíveis de equimoses e escoriações no corpo da vítima, indicando que as lesões poderiam ter ocorrido ainda com Gastone viva. Foi possível verificar também evidências de disparos efetuados de cima para baixo, ou seja, em situações em que a vítima encontrava-se caída no chão, portanto já rendida e em situação de rendição ou de completa vulnerabilidade.
Apesar de não conseguir dados totalmente conclusivos acerca das reais circunstâncias de morte, a análise produzida a partir do processo na CEMDP refuta categoricamente a versão oficial, alegando que a quantidade de lesões, fraturas e ferimentos encontrados em seu corpo não foram ocasionadas em decorrência de tiroteio. De acordo com o diagnóstico da perícia, fica evidente a montagem de um “teatro” pelos agentes de repressão. Isto reforça os indícios de que a vítima teria sido ferida no local, mas conduzida e executada em outro local.
Pode-se inferir, portanto, a possibilidade de que Gastone tenha sido detida e torturada até a morte por agentes de segurança do Estado. Gastone foi enterrada como indigente no Cemitério Dom Bosco, de Perus, na cidade de São Paulo. Apenas em 1975 foi permitido à família o acesso aos seus restos mortais, transladados para o jazigo da família Beltrão no Cemitério Nossa Senhora da Piedade, em Maceió (AL).
Diante das investigações realizadas, conclui-se que Gastone Lúcia Carvalho Beltrão morreu em decorrência de ação perpetrada por agentes do Estado brasileiro, em contexto de sistemáticas violações de direitos humanos promovidas pela Ditadura Militar, implantada no país a partir de abril de 1964.
Recomenda-se a retificação da certidão de óbito de Gastone Lúcia Carvalho Beltrão, assim como a continuidade das investigações sobre as circunstâncias do caso, para a identificação e responsabilização dos demais agentes envolvidos.
O Estado brasileiro utilizou uma série de mecanismos para amedrontar a população, sobretudo aqueles que não estivessem de acordo com as medidas ditatoriais. Conheça os reflexos do aparato repressivo e os focos de resistência na sociedade.