Atuação Profissional
comercianteOrganização
Partido Social Democrático (PSD)Filiação
Tarcília Maria Simaes e João Francisco PioData e Local de Nascimento
11/1/1922, Itapema (SC)Data e Local de Morte
3/3/1969, Florianópolis (SC)Na quarta-feira de cinzas do ano de 1969, o primeiro e então prefeito de Balneário Camboriú (SC) Higino João Pio foi detido juntamente com outros funcionários da prefeitura pela Polícia Federal e conduzido à Escola de Aprendizes de Marinheiro, na capital do estado.
A prisão, sem aparente justificativa ou sob qualquer espécie de mandado judicial, fora justificada por supostas disputas políticas locais e irregularidades administrativas, sendo a causa mais provável as suas relações próximas com o ex-presidente João Goulart.
Apesar de ter sido preso junto com funcionários da prefeitura, após interrogatório e alguns dias de apreensão, todos foram soltos, menos Higino, que permaneceu enclausurado nas dependências da Escola, mantido incomunicável, sem a possibilidade de receber visitas, inclusive de amigos e familiares. Higino foi encontrado morto nas dependências da Escola, no dia 3 de março de 1969.
De acordo com o laudo necroscópico, assinado por José Caldeira Ferreira Bastos e Leo Meyer Coutinho, e que sustenta a falsa versão do caso, sua morte teria decorrido de suicídio, provocada por uma asfixia por enforcamento. O laudo pericial de 7 de março de 1969 afirma que a situação eliminava a possibilidade de ter havido luta, disputa e violência.
Higino fora encontrado sem vida no banheiro, com as portas trancadas por dentro, enforcado com um arame que servia de varal de roupa, amarrado na torneira. Segundo o laudo, as fotos confirmavam a versão de que o então prefeito, encontrado em suspensão incompleta, havia cometido suicídio. Várias versões que constam no laudo inicial foram refutadas, uma vez que as fotos davam margem a outras interpretações, principalmente no que diz respeito à versão do suicídio. Higino, um homem aparentemente de grande porte, não estaria, por exemplo, em posição de suspensão incompleta. Pelo contrário, segundo as fotos, ele estaria com os pés completamente apoiados no chão, refutando a tese central defendida nos primeiros laudos.
Verificou-se também, em depoimentos colhidos pela CEMDP, que as motivações da prisão de Higino foram efetivamente políticas, decorrentes de disputas locais e, posteriormente, amparadas pela legislação excepcional baixada pelo Ato Institucional nº 5. Após análise dos laudos e depoimentos, foi desconstruída a montagem criada para sustentar a versão oficial de suicídio.
As encenações para justificar mortes sob tortura foram comumente utilizadas pelo regime. No entanto, falsas versões da imprensa foram anexadas ao processo de meados da década de 1990 ainda sustentavam que Higino haveria possivelmente cometido suicídio em virtude de “vergonha” das acusações que ocasionaram sua prisão.
Em julho de 2014, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) e a Comissão Estadual da Verdade Paulo Stuart Wright, de Santa Catarina, realizaram audiência pública, em Florianópolis, sobre a morte de Higino. Na ocasião, a CNV apresentou novo laudo que buscou estabelecer um “diagnóstico diferencial” para o evento. O laudo teve o intuito de contestar a causa jurídica da morte por enforcamento a partir das perícias técnicas até então realizadas.
O laudo, assinado pelos peritos Pedro Luiz Lemos Cunha, Mauro José Oliveira Yared, Roberto Meza Niella e Saul de Castro Martins concluiu, a partir das inconsistências do caso, que não houve enforcamento, sendo o diagnóstico diferencial atestado como homicídio por estrangulamento, “consumado em local e circunstâncias que não podem precisar”. De acordo com o laudo, ainda, a vítima fora colocada no local em que foi encontrada “após a rigidez cadavérica haver se instalado”, versão que ratifica veementemente a montagem do “teatro”.
A Comissão também colheu depoimento do então médico-legista Léo Meyer Coutinho, que afirmou não se lembrar de ter ido à Escola de Aprendizes assinar o laudo de Higino. Afirmou, inclusive, ser possível que ele sequer tenha examinado o corpo, uma vez que foram utilizados dois peritos e José Caldeira Ferreira Bastos poderia ter sido o relator responsável. Coutinho relatou ainda a importância de se questionar as condições em que o laudo fora produzido na ocasião, uma vez que o médico, por si só, não possui subsídios para afirmar categoricamente se houve ou não suicídio por enforcamento.
Apesar de o laudo produzido pela CNV já refutar a versão oficial, sugeriu-se o comparecimento de José Caldeira para também prestar depoimento e auxiliar nas elucidações do caso. Higino João Pio foi o único preso político catarinense morto nas dependências de seu estado. O corpo de Higino João Pio foi sepultado sob o cortejo de milhares de pessoas no cemitério de Itajaí, em Santa Catarina.
Diante das investigações realizadas, conclui-se que Higino João Pio morreu em decorrência de ação perpetrada por agentes do Estado brasileiro, em contexto de sistemáticas violações de direitos humanos promovidas pela ditadura militar, implantada no país a partir de abril de 1964.
Recomenda-se a retificação da certidão de óbito de Higino João Pio, assim como a continuidade das investigações sobre as circunstâncias do caso, para a identificação e responsabilização dos demais agentes envolvidos no caso.
O Estado brasileiro utilizou uma série de mecanismos para amedrontar a população, sobretudo aqueles que não estivessem de acordo com as medidas ditatoriais. Conheça os reflexos do aparato repressivo e os focos de resistência na sociedade.