Atuação Profissional
funcionário aposentado da prefeitura de São PauloFiliação
Josefa Bertolani Biscaldi e Luiz BiscaldiData e Local de Nascimento
aproximadamente 1911, São Paulo (SP)Data e Local de Morte
27/2/1972, São Paulo (SP)Napoleão Felipe Biscaldi morreu alvejado por um tiro na cabeça em frente à sua casa, em 27 de fevereiro de 1973. Na ocasião, morreram também os militantes Alexander José Ibsen Voerões e Lauriberto José Reyes. Alexander morreu na mesma rua em que Napoleão, enquanto Lauriberto foi assassinado em outro quarteirão.
O corpo de Napoleão ficou exposto na rua por cerca de 5 horas até a chegada do IML, enquanto os corpos dos militantes foram recolhidos em seguida ao assassinato e levados no porta-malas de um carro da polícia. A versão oficial noticiada, à época, no Jornal Folha de S.Paulo é a de que Napoleão fora morto pelos “terroristas” durante cerrado tiroteio entre os militantes e a polícia. Em documento do CISA de 1975, divulgado internamente entre os órgãos estatais, a versão sustentada é a mesma.
Passados mais de 40 anos, investigações sobre esse episódio revelaram a existência de inúmeros elementos que permitem apontar que a versão divulgada à época não se sustenta. Apesar de resultar em violenta ação policial, não foi realizada à época nenhuma perícia que permitisse a comprovação do suposto tiroteio relatado. Não foram localizados documentos que apresentassem a relação das armas utilizadas, nem fotos do local do confronto; desta forma, não foi possível estabelecer a dinâmica dos acontecimentos que culminaram na morte desses militantes.
Segundo relatos de moradores da referida rua, na tarde do dia 27 de fevereiro, o quarteirão fora cercado pela polícia, de modo que ninguém pudesse entrar ou sair. De acordo com o depoimento de Adalberto Barreiro, que, na época dos fatos, residia em rua paralela ao local do suposto tiroteio, havia um jovem que tentava correr, mancando e segurando a perna, quando passou um Opala branco com policiais armados de metralhadora, com metade do corpo para fora do carro, atirando. Primeiro, atingiram Napoleão Felipe Biscaldi – um funcionário público aposentado antigo morador da [Serra de] Botucatu, que atravessava a rua; depois balearam o rapaz que mancava.
O rapaz aparentemente foi morto na hora. Os policiais o jogaram no porta-malas do carro. As ruas estavam cercadas de policiais. Adalberto também contou que viu uma moça japonesa presa dentro do Opala e que os policiais comentavam que outro militante também tinha sido morto no outro quarteirão.
Segundo relato dos moradores que presenciaram o episódio, ao contrário da versão oficial, nenhum dos militantes chegou a sacar a arma. Ressaltaram, inclusive, que o corpo de Napoleão ficou cinco horas na rua aguardando perícia, enquanto os corpos dos dois militantes já haviam sido levados.
Maria Amélia Teles, em depoimento prestado perante a Comissão Estadual da Verdade de São Paulo Rubens Paiva, em 20 de março de 2014, relata que conversou com alguns vizinhos de Napoleão, sendo um deles a Dona Maria Celeste Matos, que lhe contou que “o esquadrão da morte comandou uma ação militar em alguns quarteirões da rua”, tendo feito um cerco, posicionando homens armados por toda a extensão da rua. Dona Maria afirmou, ainda, segundo Maria Amélia Teles, que seu filho estava brincando com o filho de Napoleão no campinho de futebol próximo, quando tiros começaram a ser ouvidos, e Napoleão saiu para buscar os meninos: O sr. Napoleão estava em casa pintando um varal de roupas para mim. Ele ouviu tanto tiro, um atrás do outro, e ele então falou à sua esposa, Dona Alda, que ele iria buscar seu filho que estava jogando bola no campinho, foi quando ele saiu para rua e foi executado pelo esquadrão da morte que saiu atirando pela rua afora.
No pedido de requisição de exame cadavérico de Napoleão, encaminhado pelo Departamento Regional de Polícia da Grande São Paulo ao IML, aparece um T escrito à mão, simbologia utilizada pelos órgãos da repressão para identificar “terroristas”, indicando uma tentativa da polícia de justificar o assassinato de Napoleão.
No entanto, tudo indica que ele foi morto por ter presenciado o cerco e a execução dos militantes. Seu filho, Manoel Biscaldi, fez o reconhecimento do corpo no necrotério. Napoleão foi enterrado pela família no cemitério de Araçá em 28 de fevereiro de 1973.
Diante das investigações realizadas, conclui-se que Napoleão Felipe Biscaldi morreu em decorrência de ação perpetrada por agentes do Estado brasileiro, em contexto de sistemáticas violações de direitos humanos promovidas pela ditadura militar, implantada no país a partir de abril de 1964.
Recomenda-se a retificação da certidão de óbito de Napoleão Felipe Biscaldi, assim como a continuidade das investigações sobre as circunstâncias do caso, para identificação e responsabilização dos agentes envolvidos.
O Estado brasileiro utilizou uma série de mecanismos para amedrontar a população, sobretudo aqueles que não estivessem de acordo com as medidas ditatoriais. Conheça os reflexos do aparato repressivo e os focos de resistência na sociedade.