Atuação Profissional
operário metalúrgicoOrganização
Partido do Operário Revolucionário Trotskista (PORT)Filiação
Borborema Hanssen e Harald HanssenData e Local de Nascimento
14/12/1937, São Paulo (SP)Data e Local de Morte
9/5/1970, São Paulo (SP)Olavo Hanssen foi o primeiro operário morto, sob tortura, nas dependências do Deops de São Paulo. Militante do Partido Operário Revolucionário Trotskista (Port), trabalhava em uma indústria química em Santo André. Foi detido, com mais 18 pessoas, próximo ao estádio da Vila Maria Zélia, no bairro do Belenzinho, em São Paulo, no dia 1º de maio de 1970, quando distribuía panfletos durante a comemoração do Dia do Trabalho. Após dias de tortura, sem que recebesse assistência médica efetiva, veio a falecer, aos 32 anos, no dia 8 de maio.
Cinco dias depois, sua família foi avisada pela polícia de que ele teria se suicidado no dia 9 e de que seu corpo havia sido encontrado em um terreno baldio no bairro do Ipiranga. Para respaldar o suposto suicídio por envenenamento, chegaram a lhe injetar o inseticida Paration, no Hospital do Exército, no bairro do Cambuci, para onde havia sido levado, já em coma, sem a mínima chance de sobrevivência.
Segundo o jornalista Elio Gaspari, seu assassinato foi um primeiro “embaraço” ao governo Médici, que buscava negar a existência de tortura em suas prisões. Seu caso obteve a primeira condenação do Estado brasileiro pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). Também foi feita uma queixa junto à Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Hanssen, que usava o codinome “Alfredo” e tinha o apelido de “Totó”, ingressou no Port em 1961. Após seu partido ter decidido pela proletarização de seus quadros, abandonou o segundo ano do curso de Engenharia de Minas da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) e começou a trabalhar na Massari S.A., uma fábrica de carrocerias no bairro de Vila Maria, em São Paulo. Foi ainda membro da União Nacional dos Estudantes (UNE) e filiado ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo.
Em 29 de fevereiro de 1996, reconheceu-se a responsabilidade do Estado brasileiro pela morte de Olavo Hanssen, no caso 82/96 da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP). O relator do caso, general Oswaldo Pereira Gomes, destacou que “[…] é inaceitável a versão de suicídio e encontro do cadáver em via pública”. Em Mauá, cidade para onde havia mudado com sua família em 1954, há uma escola estadual com o seu nome.
Os fatos em torno da morte de Olavo Hanssen tem como estopim a prisão efetivada no dia 1o de maio de 1970, na comemoração pelo Dia Internacional dos Trabalhadores. Foi a primeira grande manifestação depois do golpe de 1964, convocada por treze sindicatos e oposições. Havia cerca de 500 pessoas no estádio Maria Zélia, em São Paulo.
Logo na chegada, Olavo percebeu que o lugar estava sendo policiado. Avisou aos militantes e juntos começaram a deixar o local. Entretanto, a movimentação foi percebida e Olavo foi preso com mais dezoito pessoas. O grupo foi levado ao 1o Distrito Policial-Sé, depois ao Quartel General da Polícia Militar. À tarde, eles foram levados para a Oban (Operação Bandeirantes), mas em vista da prisão dos militantes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), no dia 2 de maio, todos foram transferidos para o DOPS.
Olavo ficou na cela nº 2, com presos políticos da Ação Libertadora Nacional (ALN), do PORT e do Partido Comunista Brasileiro (PCB). De acordo com a versão oficial, divulgada no dia 13 de maio de 1970, Olavo Hanssen teria se suicidado ao ingerir veneno, conhecido por Portion, tendo sido encontrado em terreno baldio próximo ao Museu do Ipiranga no dia 9 de maio de 1970. Nesse mesmo dia, a família foi avisada por funcionário do Instituto Médico Legal (IML), que não quis identificar-se por medo de represálias, segundo Alice Hanssen, conforme relatado em audiência pública na Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva”, realizada em 18 de novembro de 2013.
Contudo, a versão oficial sempre foi contestada. Vários companheiros de militância que estavam no DOPS afirmam que Olavo morreu em decorrência das torturas a que foi submetido na cadeia. De acordo com depoimento escrito de Dulce Querino de Carvalho Muniz, encaminhado à CEMDP, já nos primeiros dias de prisão, Olavo havia sido torturado (sofreu queimaduras, palmatórias nos pés e nas mãos, espancamentos, “paude-arara”) para que revelasse onde ficava a gráfica do PORT. Dulce relatou ainda que no dia 8 de maio de 1970 desceu do interrogatório e como de costume Olavo quis falar com ela. Contudo, ele estava tão debilitado que os companheiros de cela tiveram de carregá-lo pelos dois braços até a janelinha da porta para que pudesse falar com ela.
Nessa mesma noite, ele foi levado em coma para o Hospital. Dulce Muniz afirma ainda que conforme o preso político Waldemar Tebaldi, que era médico, Hanssen precisava ser imediatamente levado ao hospital, pois seus rins já não funcionavam mais. Os presos políticos exigiram que fosse chamado um médico para lhe prestar assistência, o que só foi realizado em 6 de maio. Além dos ferimentos visíveis por todo o corpo, ele apresentava sinais evidentes de complicações renais, anuria e edema das pernas.
O médico que o assistiu, José Geraldo Ciscato, lotado no DEPS/SP, na época, recomendou somente que ingerisse água, providenciando curativos em alguns ferimentos superficiais. Seu estado agravou-se dia a dia. Seus companheiros de cela promoveram manifestações coletivas para que fosse providenciada assistência médica efetiva, mas não obtiveram êxito. Somente em 8 de maio, quando Olavo já se encontrava em estado de coma, Ciscato voltou a vê-lo, dando ordens para que fosse removido para um hospital, deixando claro que ele não tinha a mínima chance de sobrevivência. Foi levado às pressas para o Hospital do Exército no bairro do Cambuci.
Geraldo Siqueira, à época militante do PORT, detido junto com o dirigente, em audiência pública realizada no dia 18 de novembro de 2013 pela Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, afirmou que Olavo foi o maior alvo das torturas em razão de sua posição de direção e por já ser conhecido pelos agentes repressivos devido às prisões anteriores. Os torturadores tinham dois objetivos: “obter mais informações sobre o trotskismo no Rio Grande do Sul e destruir a “gráfica do PORT‟”. A presa política Maria Auxiliadora Lara Barcellos denunciou o assassinato, em 17 de novembro de 1970, diante do Conselho Especial de Justiça do Exército, reunido na 1a Auditoria, tendo afirmado, em suas declarações que “não cometeu crime algum […] nem eu, nem qualquer indiciado em outra organização, pois os verdadeiros criminosos são outros; se há alguém que tenha que comparecer em Juízo, esse alguém são os representantes desta ditadura implantada no Brasil, para defender interesses de grupos estrangeiros que espoliam as nossas riquezas e exploram o trabalho do nosso povo; […] além desses crimes, o crime de haver torturado até à morte brasileiros valorosos como João Lucas, Mário Alves, Olavo Hansen e Chael Charles […]”. Maurice Politi e Rafael Martinelli, que estiveram na mesma cela que Olavo no DOPS, confirmaram em audiência pública realizada no dia 18 de novembro de 2013 pela Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, que Olavo tinha a sua saúde bastante comprometida, em razão das torturas sofridas.
Maurice Politi relatou que “a nossa indignação do caso do Olavo Hanssen foi tão grande porque vimos ele chegando da tortura e eu me lembro dessa imagem muito forte, eu e o Rafael deitado ao lado dele e ele urinando sangue, manchando o colchão. E realmente aí a gente ficou apavorado porque aquele sangue…”. Rafael Martinelli conta que o delegado Josecir Cuoco era quem comandava as equipes de tortura de Olavo. Há outros elementos materiais que contribuem para a desconstrução da versão oficial, como os próprios documentos oficiais do DOPS e da Justiça Militar, que são contraditórios.
A certidão de óbito, datada de 15 de maio de 1970, e assinado pelo médico legista Dr. Geraldo Rebello, informa que a vítima morreu no dia 9 de maio de 1970, mas não informa o local e apresentando causa de morte indeterminada. O laudo de exame de corpo de delito, datado de 15 de maio de 1970, informa que o corpo deu entrada no IML às 16 horas do dia 9 de maio de 1970, e que se encontrava no Hospital Geral do Exército. O exame necroscópico foi realizado pelo Dr. Geraldo Rebello e por Augusto Queiroz Gomes e concluiu que a vítima tinha “ferimento ovalar contuso na perna direita, duas escoriações na perna esquerda, escoriações no escroto, hematoma no couro cabeludo‟.
O exame toxicológico, de 1 de junho de 1970, informa que o exame deu “positivo para paration”, que é um pesticida agrícola. A autópsia revelou traqueia, esôfago e estômago limpos. Essas informações desencontradas permitem inferir que a vítima não havia ingerido paration, pois não havia vestígios nos órgãos do sistema digestivo, tendo falecido por complicações renais decorrentes das torturas a que foi submetido. Além disso, há incongruência quanto ao local de morte da vítima, pois a versão oficial tanto aduz que foi encontrado em terreno baldio, como no Hospital do Exército.
À época de sua morte, foi instaurado um Inquérito Policial Militar (IPM), presidido pelo delegado Sylvio Pereira Machado e acompanhado pelo promotor Dr. José Veríssimo de Mello, com o objetivo de apurar a morte de Olavo Hanssen. O IPM ouviu como testemunhas somente agentes estatais, que confirmaram que a vítima não apresentava sinais de sevícia ou maus tratos. O delegado de polícia Josecir Cuoco afirmava que Olavo estava no DOPS e aparentava boa aparência. O Delegado de polícia Ernesto Milton Dias afirmou que quando o viu na prisão não notou qualquer anormalidade nele. Contudo, o agente policial Dirceu Melo, de plantão no dia 8 de maio de 1970 asseverou que Olavo o chamou e lhe disse que não se sentia bem e pediu para ser atendido por um médico.
O inquérito policial concluiu que a morte de Olavo se deu por envenenamento. O Ministério Público acompanhou o IPM e arquivou o processo. Contudo, a 2a Auditoria da 2a Circunscrição de Justiça Militar decidiu que “improcede, objetivamente, que Olavo cometeu suicídio. O que procede é a afirmação, estribada em elementos de certeza, de que era portador de problemas renais”. Assim, a Justiça Militar contradisse a versão oficial de suicídio, tentando configurar a morte como sendo de causa natural, reforçando as incongruências.
Recentemente, a perícia da Comissão Nacional da Verdade (CNV), ao realizar exame documentoscópico, concluiu que a partir do dia 21 de maio de 1970, os documentos relativos à morte de Olavo Hanssen, inclusive os laudos, modificaram a informação anterior da causa de sua morte para “morte por envenenamento por paration”, denotando uma dinâmica de contrainformação produzida pelos órgãos da repressão com o objetivo de dificultar a apuração das circunstâncias de morte da vítima.
O enterro de Olavo Hanssen ocorreu no dia 14 de maio de 1970, no Cemitério de Mauá.
Diante das investigações realizadas, conclui-se que a Olavo Hanssen morreu em decorrência de ação perpetrada por agentes do Estado Brasileiro, em contexto de sistemáticas violações de direitos humanos promovidas pela ditadura militar, implantada no país a partir de abril de 1964.
Recomenda-se a retificação da certidão de óbito de Olavo Hanssen, assim como a continuidade das investigações sobre as circunstâncias do caso, para a identificação e responsabilização dos agentes envolvidos.
O Estado brasileiro utilizou uma série de mecanismos para amedrontar a população, sobretudo aqueles que não estivessem de acordo com as medidas ditatoriais. Conheça os reflexos do aparato repressivo e os focos de resistência na sociedade.