Atuação Profissional
engenheiro, deputado federalOrganização
Partido Trabalhista Brasileiro (PTB)Filiação
Araci Beyrodt e Jaime Almeida PaivaData e Local de Nascimento
26/12/1929, Santos (SP)Data e Local de Morte
Desaparecimento em 20/1/1971, Rio de Janeiro (RJ)Rubens Paiva iniciou sua vida política no movimento estudantil. Cursou engenharia na Universidade Mackenzie, em São Paulo, foi presidente do Centro Acadêmico e vice-presidente da União Estadual dos Estudantes de São Paulo. Em 1962, foi eleito deputado federal pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Na madrugada do dia 1º de abril de 1964, fez um discurso convocando os estudantes e sindicalistas a resistirem ao golpe militar, em favor do presidente deposto, João Goulart. Imediatamente, teve seu mandato cassado.
Nessa ocasião, Paiva se exilou na antiga Iugoslávia, hoje Sérvia, e depois na França. Voltou ao Brasil em 1965 e deixou São Paulo, rumo ao Rio de Janeiro, com sua família. O engenheiro, porém, sempre manteve contato com os exilados.
Em 20 de janeiro de 1971, a casa da família Paiva foi invadida por seis militares e ele foi preso. O episódio é contado por seu filho caçula, o escritor Marcelo Rubens Paiva, no livro “Feliz Ano Velho”.
Paiva saiu de sua casa guiando o próprio carro, fato que permitiu à família provar que o ex-deputado havia sido preso, o que era negado pelos órgãos de repressão. Dias após sua prisão, uma irmã foi buscar seu carro no quartel e na ocasião recebeu um comprovante com o carimbo do Exército. Eunice, sua esposa, também foi detida juntamente com uma das filhas do casal, Eliana, com 15 anos, solta um dia depois. Eunice foi interrogada, permanecendo incomunicável durante doze dias.
Rubens Paiva foi transferido para o DOI-Codi, onde teria sido torturado até a morte. Os órgãos se segurança afirmavam que Paiva foi abordado e sequestrado por desconhecidos, dois dias depois da sua prisão. Em março de 2014, o coronel reformado Paulo Malhães, em depoimento à Comissão Nacional da Verdade, confirmou que Paiva foi torturado até a morte e depois teve seu corpo jogado em um rio na região serrana do Rio de Janeiro.
O coronel Reynaldo Campos contou em declaração ao Ministério Público Federal (MPF) como foi a montagem, pelo Exército, da simulação de fuga de Paiva. Em maio de 2014, o MPF do Rio entrou com uma ação contra cinco militares envolvidos no caso. Malhães foi encontrado morto em sua casa, em abril, um mês após seu depoimento à Comissão da Verdade.
Na madrugada de 20 de janeiro de 1971, após detenção de Cecília de Barros Correia Viveiros de Castro e Marilene de Lima Corona por agentes do Centro de Informações da Aeronáutica (Cisa), no aeroporto do Galeão, foram encontradas cartas de militantes políticos exilados no Chile. Tendo em vista que Rubens Paiva era um dos destinatários das cartas, no mesmo dia seis agentes armados com metralhadoras invadiram a casa do deputado cassado. Rubens Paiva foi levado em seu carro para prestar depoimento no Quartel da 3ª Zona Aérea, à época comandada pelo tenente-brigadeiro João Paulo Moreira Burnier.
Desde seu sequestro, já foram iniciadas as torturas. No mesmo dia 20 de janeiro, Rubens Paiva, Cecília de Barros Correia Viveiros de Castro e Marilene de Lima Corona foram conduzidos para o DOI-CODI do I Exército (RJ). Os familiares do deputado permaneceram incomunicáveis, detidos em sua casa durante todo o dia. No dia seguinte, Eunice Paiva e sua filha Eliane, então com 15 anos, foram também levadas ao DOI. Apesar da confirmação dos agentes do DOI de que Rubens Paiva estava detido lá, Eunice e a filha não estiveram com ele.
Após diversas sessões de interrogatório, Eliane foi libertada no dia 23, enquanto Eunice permaneceu detida até o dia 2 de fevereiro, ocasião em que viu o carro do marido, um Opel Kadett, no pátio interno do quartel. Apesar de a família ter levado roupas para Rubens Paiva no Ministério do Exército, no Rio de Janeiro, os agentes recusaram o recebimento sob o pretexto de Rubens Paiva não se encontrar em nenhuma organização militar do I Exército. Após a insistência dos familiares, o I Exército divulgou versão, onde consta: […] O paciente não se encontra preso por ordem nem à disposição de qualquer OM deste Exército.
Esclareço, outrossim, que segundo informações de que dispõe este Comando, o citado paciente quando era conduzido por Agentes de Segurança, para ser inquirido sobre fatos que denunciam atividades subversivas, teve seu veículo interceptado por elementos desconhecidos, possivelmente terroristas, empreendendo fuga para local ignorado, o que está sendo objeto de apuração por parte deste Exército […]. No mesmo documento do Ministério Público Militar, foi indicado que o “desaparecimento do ex-Deputado Rubens Beyrot Paiva, ocorrido nos idos de 1971, [estão] em circunstâncias até hoje pendentes de apuração”.
Entretanto, a versão oficial é afastada pela própria documentação produzida pelos Órgãos da Repressão, como expresso no documento “Turma de Recebimento”, do DOI do I Exército, de 21 de janeiro de 1971. Nesse documento, fica atestada a entrada de Rubens Paiva no DOI, em 20 de janeiro de 1971, encaminhado pelo Quartel da 3ª Zona Aérea, pela equipe do Cisa, além da descrição de documentos pessoais de Rubens Paiva, como cartão de identificação de contribuinte, carteira de habilitação, cinto de couro preto, canetas, relógio, dinheiro, 14 livros de diversos autores e quatro cadernos de anotações.
Conforme declaração de Cecília de Barros Correia Viveiros, prestadas à Delegacia de Ordem Política e Social da Superintendência Regional do Departamento da Polícia Federal no Rio de Janeiro (DOPS/SR/DPF/RJ) em 11 de setembro de 1986, consta que: […] em 19.01.71 ao retornar de uma visita que fizera a seu filho que estava no Chile foi detida no Galeão […] que após ser retirada do avião a declarante foi levada para uma das dependências do Aeroporto do Galeão […]; que ali a declarante foi revistada e teve a sua bagagem vasculhada […]; que a declarante trazia sob a blusa algumas cartas que seriam colocadas nos correios para familiares de exilados no Chile que se encontravam no Rio de Janeiro; que após o encontro das cartas a declarante foi levada para outra dependência do Galeão, antes porém colocando na mesma um capuz; que nessa outra dependência a declarante sofreu toda a espécie de ofensas pessoais, tendo também naquela ocasião sido retirada a sua roupa, consequentemente sofrendo humilhações; que passou o restante da noite no Galeão sofrendo ameaças e todo tipo de coação; que no dia seguinte uma pessoa não identificada chegou no recinto onde se encontrava a declarante fazendo o comentário que o doutor já chegou.
Que mais tarde a declarante foi colocada em um carro, sendo conduzida para uma dependência da Aeronáutica, situada nas proximidades do Aeroporto Santos Dumont que depois ficou sabendo chamar-se 3ª Zona Aérea; que lá chegando foi conduzida a uma sala, onde durante algum tempo ficou sentada […]. Sobre o momento em que reconheceu Rubens Paiva, Cecília afirma que: […] naquele dia […] sua remoção foi retardada em função de uma procissão de S. Sebastião; que ao ser colocada no carro, encontrou no interior do mesmo um homem com as mãos amarradas, com a camisa em desalinho, tendo algumas manchas de sangue sobre a mesma e o que mais marcou a declarante foi a fisionomia do mesmo o qual estava com os olhos esbugalhados; que estava bastante vermelho naquela ocasião; que evidentemente aquele homem estava vivo até aquele momento; […] que a declarante deixa bem claro que ao entrar no carro que a levaria ao DOI-CODI reconheceu Rubens Paiva, e também foi reconhecida por aquele senhor; que esse reconhecimento foi apenas visual, não tendo na ocasião sido trocada nenhuma palavra; que momentos antes de chegar no DOI-CODI foi solicitada à declarante e ao seu acompanhante que colocassem uma toalha pequena sobre o rosto, sendo guiada por uma pessoa até determinado ponto, onde lhe colocaram um capuz na cabeça; que a seguir lhe foi ordenado que colocasse as mãos na parede; que nesse local a declarante não sabe informar quantas pessoas havia, porém uma coisa é certa: ali estavam Rubens Paiva e Leninha [Marilene de Lima Corona] […].
Cecília também descreve o momento da identificação dos presos: […] Que nesse meio tempo ocorreu a identificação de todos que ali estavam tendo a declarante se identificado como Cecília Viveiro de Castro; que o identificador gritando para a declarante disse-lhe que faltava alguma coisa, tendo então recebido como resposta seu nome completo Cecília de Barros Correia de Castro; que o mesmo identificador ao se dirigir para Rubens Paiva teve dificuldades em escrever o nome do mesmo, ou seja, o segundo nome, tendo naquela oportunidade o ex-Deputado soletrado o seu nome, ou seja: BEYRODT.
Durante esse interrogatório foi perguntado à declarante se conhecia a pessoa que estava com ela no carro que veio da Terceira Zona Aérea; que a declarante explicou que era Rubens Paiva, pai de alunas do colégio Sion, onde a declarante lecionava; […] que nesse local de vez em quando era aberta uma portinhola onde era introduzida uma luz forte, ocasião em que perguntavam o nome do ocupante da sala; que por diversas vezes a declarante teve de repetir o seu nome completo; que dali pôde ouvir o Sr. Rubens Paiva repetir o seu nome e ao que supõe pelo mesmo motivo que a declarante o fazia […].
No depoimento do então tenente-médico do Exército Amílcar Lobo, prestado em 1986 e transcrito no informe 1.334/86 do Departamento de Polícia Federal (DPF), foram descritas torturas praticadas contra Rubens Paiva: […] certamente no mês de janeiro de 1971, por prestar serviços médicos no Primeiro Batalhão de Polícia do Exército foi chamado em sua residência para fazer um atendimento naquela dependência militar; que eram aproximadamente duas horas [da manhã] quando um veículo tipo Volkswagen, modelo sedan, apanhou-o em sua residência; que chegando naquele local foi levado a uma dependência chamada presídio onde em uma das últimas celas, encontrou um indivíduo, segundo alegou a pessoa que encaminhou o declarante até aquele local, estava um indivíduo com fortes dores abdominais; que o declarante esclarece que aquela dependência era conhecida como PIC, quer dizer, Pelotão de Investigações Criminais; que o declarante não sabe informar se a pessoa que o conduziu era, ou não, militar, uma vez que trabalhavam em trajes civis; que ao examinar o paciente verificou que o mesmo encontrava-se na condição de abdômen em tábua, o que em linguagem médica pode caracterizar uma hemorragia abdominal, sendo que naquela situação parecia ter havido uma ruptura hepática; que ao examinar o paciente este disse ao declarante chamar-se Rubens Paiva; que o declarante aconselhou a pessoa que o conduziu até aquela dependência que o paciente fosse imediatamente hospitalizado; que ao retornar para a sua jornada normal de trabalho, naquele Batalhão, o declarante recebeu a notícia de que a pessoa a quem fizera atendimento de madrugada havia falecido; que o declarante tomando ciência da reabertura do caso de desaparecimento de Rubens Paiva, achou por bem tornar público aquilo que sabia.
Que o declarante gostaria de registrar que na oportunidade em que fez o atendimento a Rubens Paiva, este proferiu seu nome duas vezes, ou seja, no início do atendimento e no final do atendimento; que esse fato de identificar pessoas atendidas não é, digo, não era normal, tendo inclusive uma norma interna que proibia esse tipo de pergunta; que o declarante face a sua experiência profissional pode afirmar que face ao estado clínico apresentado naquela oportunidade por Rubens Paiva, teria o mesmo apenas algumas horas de vida; que as chances de sobreviver seriam de apenas vinte por cento; que no atendimento a Rubens Paiva o declarante de sua residência até o PIC deveria ter gasto apenas meia hora; que em função dessas circunstâncias, provavelmente Rubens Paiva morreu nas dependências do PIC; que em função das escoriações apresentadas por Rubens Paiva, o declarante admite que o mesmo tenha sido torturado, evidentemente não podendo afirmar em que local.
Obviamente, diversas são as contradições na versão oficial do Exército: Paiva teria fugido após a interceptação do veículo que o transportava, em suposta diligência do DOI, nas imediações do Alto da Boa Vista. Enquanto o capitão Raymundo Ronaldo Campos, que teria comandado a diligência, disse ter visto “uma pessoa atravessar a rua em meio a outro carro”. Os irmãos sargentos Jurandyr e Jacy Ochsendorf e Souza, que também teriam participado da operação, afirmam que não podem assegurar ter visto o prisioneiro se evadir do local e nem precisar se quem transportavam era mesmo Rubens Paiva. No Termo de Declaração prestada ao DPF, em 25 de setembro de 1986, no inquérito policial instaurado para apurar o desaparecimento de Rubens Beyrodt Paiva, Jurandyr Ochsendorf e Souza, declarou que: […] ao final do mês de janeiro do ano de 1971, o declarante estava recolhido num alojamento do DOI-CODI quando foi chamado para cumprir uma missão, que não soube precisar o horário […] que após vestir-se, juntamente com seu irmão, apresentou-se ao oficial de permanência, que era o Capitão Ronaldo [Raymundo Ronaldo Campos], o qual naquela oportunidade já se encontrava numa viatura Volkswagen sedan, com uma segunda pessoa; que o declarante supõe que já era bem tarde da noite ou princípio da madrugada; que na viatura seu irmão Jacy sentou-se ao lado dessa pessoa não identificada e que estava imediatamente atrás do motorista […]; que naquela oportunidade, como era de praxe, a pessoa estava com um capuz sobre a cabeça; que após embarcarem no veículo seguiram em direção ao bairro da Tijuca […]. Que a bem da verdade o declarante não sabia o nome do prisioneiro que estava conduzindo […]; que o declarante não pode afirmar se era realmente Rubens Paiva a pessoa a quem transportara naquele dia em que ocorreu a interceptação; que o declarante não pode precisar da forma que tomou conhecimento do nome do prisioneiro como sendo Rubens Paiva, mas que pode ter sido através dos órgãos.
Em novembro de 2012, foram entregues à Comissão Nacional da Verdade (CNV), pelo governador Tarso Genro, do Rio Grande do Sul, em cerimônia pública que contou com a presença de Maria Beatriz Paiva Keller, filha de Rubens Paiva, documentos que estiveram sob o poder do coronel Júlio Miguel Molinas Dias, ex-comandante do DOI do I Exército. Os documentos haviam sido apreendidos pela Polícia Civil do Rio Grande do Sul, após o assassinato do coronel Molinas, em 1º de novembro de 2012. 1. Na apreensão, foi identificado o documento “Turma de Recebimento”, do DOI do I Exército, de 21 de janeiro de 1971, importante fonte para o esclarecimento das circunstâncias da prisão arbitrária e ilegal de Rubens Paiva.
Nesse documento, fica atestada a entrada de Rubens Paiva no DOI, em 20 de janeiro de 1971, encaminhado pelo Quartel da 3ª Zona Aérea, pela equipe do Cisa. Também se descrevem documentos pessoais de Rubens Paiva, como cartão de identificação de contribuinte, cartão Diners Club, carteira de habilitação, cinto de couro preto, canetas, relógio (“de metal branco marca Movado”), dinheiro (“duzentos e sessenta cruzeiros”), 14 livros, de diversos autores e quatro cadernos de anotações.1 2. Ainda no mesmo documento, no item 2, intitulado “Pertences Pessoais”, consta a seguinte anotação manuscrita: “obs: 2 cadernos de anotações encontra-se (sic) com o MAJ BELHAM. (Devolvidos os cadernos)”, com uma rubrica não identificada.
Há outra folha, de caderno pautado, de 4 de fevereiro de 1971, na qual está escrito “Seção de Recebimento. Cautela”. Na sequência, lê-se: “foi retirado pelo Sr. Oficial de Administração Cap. Santabaia, todo (sic) os documentos pertencente (sic) ao carro de Rubens Beyrodt Paiva em 4-2-71”.2 O Informe nº 70, da Agência do Rio de Janeiro SNI, de 25 de janeiro de 1971, registra também a prisão de Rubens Paiva. Segundo o Informe, “[…] 2.3 Rubens Beyrodt Paiva foi localizado, detido e levado para o QG da 3ª. Zona Aérea e de lá conduzido juntamente com Cecília [de Barros Correia Viveiros de Castro] e Marilene [de Lima Corona] para o DOI […]”. 3 Em 27 de janeiro de 2014, a CNV recebeu informações complementares de testemunha ocular, aqui referida como “Agente Y”, em esclarecimento ao Termo de Declaração de 24 de abril de 2013.
A testemunha informou: […] em complemento e esclarecimento a declarações prestadas ao Dr. Cláudio Fonteles, em abril de 2013, venho dizer, ao amparo do inciso I, artigo 4º da Lei 12.528/2011, que quando utilizei, naquelas declarações, a expressão interrogatório não-convencional, quis me referir à pressão feita com força pelo Tenente Hughes contra o senhor, que viria a saber tratar-se de Rubens Paiva, contra a parede. Na oportunidade, tendo em vista as condições físicas do próprio senhor, tive o sentimento de que ele poderia não resistir. Não posso entretanto dizer se as condições físicas do Sr. Rubens Paiva tinham outros antecedentes, ou se este fato gerou a sua morte.
Reafirmo, ainda, que comuniquei naquela data, ou seja, 21 de janeiro de 1971, este fato ao então Major Belham, que procurei e encontrei na sua sala de trabalho. No momento estava acompanhado do Chefe da 2ª. Seção do Batalhão de Polícia do Exército, Capitão Ronald Leão, a quem dei ciência do fato anteriormente […]. Por meio das investigações realizadas pela CNV, como a oitiva de militares do 1º Batalhão de Polícia do Exército (BPE), constatou-se que oficiais daquele batalhão foram testemunhas da morte sob tortura de Rubens Paiva no DOI-CODI. Tanto o “Agente Y”, quanto seu superior, coronel Ronald Leão, além de levarem o fato ao conhecimento do comandante do DOI-CODI, major Belham, teriam comentado o acontecimento com outros militares e agentes.
O oficial do Exército Ronald José Mota Batista de Leão, hoje falecido, relatou à CNV, em abril de 2013, que: […] A chegada de Rubens Paiva (uma noite que não sei precisar a data) ocorreu sendo trazido pelo CIEX ao 1º. BPE, entrando pelo portão dos fundos (CIEX), onde pelo que me consta permaneceu no quartel sendo ouvido pelo pessoal do DOI-CODI/CIEX. Ao tomar conhecimento do fato da chegada de um preso, à noite, procurei me certificar do que se tratava, mas fui impedido pelo pessoal do CIEX (major [Rubens Paim] Sampaio e capitão [Freddie] Perdigão [Pereira]), sob alegação de que era um preso importante, sob responsabilidade do CIEX/DOI CODI. Alertei ao comando e fui pra casa.
No dia seguinte, à tarde, fui procurado [pelo “Agente Y”] em minha sala e o mesmo me alertou de algo estranho estava acontecendo. Fomos eu e [“Agente Y”] ao coronel Belham relatar o ocorrido, nossa preocupação, onde em seguida, nos dirigimos, ao Comando do Batalhão relatando o feito. Ao término do expediente, fui para minha residência, já que o preso em questão era de responsabilidade do DOI CODI, bem como todos os outros que lá se encontravam levados pelo CIEX […]. Na mesma carta, Leão se refere a outros militares que poderiam esclarecer as circunstâncias da morte e do desaparecimento de Rubens Paiva: […] General Belham – Na época chefiava o DOI-CODI, estava nas dependências do DOI-CODI, quando da chegada do Sr. Rubens Paiva. Ele sabe quem interrogou o preso e o que aconteceu! […] Hughes – Oficial da Reserva, interrogador do DOI-CODI, citado como “forte, de olhos azuis”, onde após ser licenciado pelo Exército, foi para os Correios e Telégrafos […]. […] Coronel Ronaldo – Raymundo Ronaldo Campos, Oficial de Cavalaria, participava dos interrogatórios. […] Rubem Paim Sampaio, chefe da equipe CIEX, equipe esta, que recebeu o Sr. Rubens Paiva e o interrogou.
Este oficial pode informar o que aconteceu com o referido preso. Ainda no mês de abril de 2013, o “Agente Y” relatou à CNV que O CISA trouxe Rubens Paiva para o DOI durante a noite. Já havia terminado o expediente no Btl [Batalhão] e, como de costume, o declarante já tinha ido para sua casa.
Por isso, sequer estava no quartel quando o CISA o trouxe. Fiquei sabendo dessa chegada, no dia seguinte (não sei precisar a data), pelos comentários ouvidos. Nesse mesmo dia (seguinte à chegada) e quase ao término do expediente, por volta das 17 horas, ao me despedir dos soldados e sargentos do Pelotão, reparei que a porta de uma das salas de oitiva do DOI estava entreaberta. Salas essas, repito, de uso exclusivo do DOI, conforme já relatei. Ao dirigir-me para fechá-la, deparei com um interrogador do DOI, de nome Hughes (Hughe? Hughs?), no seu interior, utilizando método não tradicional de interrogatório em uma pessoa que, de relance, me pareceu ser de meia idade.
Presumi que aquilo poderia ter consequências desagradáveis. De imediato, o declarante foi à sala do Cap Leão, dentro do mesmo Pavilhão, relatando o fato. Decidimos informar ao Cmt do DOI. Saímos do Pavilhão e fomos até a CCSv, onde ficava a sala dele. Falamos, PESSOALMENTE, com o então Maj Belham, o que fora visto, alertando-o para as possíveis consequências. Em 13 de junho de 2013, o general da reserva José Antônio Nogueira Belham compareceu à CNV para prestar esclarecimentos sobre o caso de Rubens Paiva e outros fatos relacionados com sua atuação no Exército brasileiro.
O general Belham confirmou conhecer as testemunhas que confirmaram sua participação na ação e afirmou nunca ter tido nenhuma desavença com elas, alegando que estava de férias em 21 de janeiro de 1971, suposto dia da morte de Rubens Paiva. Entretanto, de acordo com sua folha de alterações funcionais, de 1º de janeiro a 30 de junho de 1971, nesse período o militar fez deslocamentos sigilosos, com saque de diárias nos dias 2, 5, 8, 11, 14, 17, 20, 23, 26 e 29 de janeiro. É importante assinalar que o dia 20 de janeiro de 1971, data em que Belham interrompeu suas férias para realizar deslocamento sigiloso com saque de diárias, corresponde ao dia em que Rubens Paiva foi levado, no final do dia, ao DOI do I Exército, no Rio de Janeiro (RJ).
Ao descrever a prisão e tortura de seu pai, Marcelo Rubens Paiva relata que: Segundo versão de dona Cecília [Cecília de Barros Correia Viveiros de Castro], ela, outra mulher e meu pai permaneceram de pé muito tempo, com os braços pra cima, num recinto fechado. Com a longa duração do castigo, dona Cecília fraquejou, sendo amparada por meu pai, que estava ao lado dela. A atitude dele irritou o chefe do interrogatório, descrito como “um oficial loiro, de olhos azuis‟, que atacou meu pai e começou a surrá-lo. – Vocês vão matá-lo, gritou uma das mulheres. Isso fez com que esse oficial ficasse completamente fora de si e, agarrando a mulher pelos cabelos, forçou-a aproximar-se do meu pai, já estirado no chão. – Aqui não se tortura, isso é uma guerra, gritou o oficial. Ainda, a descrição física do agente que torturou Rubens Paiva, segundo relato transmitido a Marcelo Rubens Paiva, coincide com a descrição de oficial de nome “Hughes” feita em carta de esclarecimento que o militar Ronald José da Mota Batista de Leão encaminhou à CNV: “[…] Hughes – Oficial da Reserva, interrogador do DOI CODI, citado como “forte, de olhos azuis‟, onde após ser licenciado pelo Exército, foi para os Correios e Telégrafos […]”.
A CNV identificou o oficial “Hughes” como Antônio Fernando Hughes de Carvalho, nascido no Rio de Janeiro em 1º de junho de 1942 e falecido no ano de 2005. Segundo o “Agente Y”, quando viu Rubens Paiva teve a impressão que ele poderia não resistir diante das condições físicas em que se encontrava.
Durante o depoimento do “Agente Y”, o mesmo identificou o agente Hughes, a partir da visualização de foto, como Antônio Fernando Hughes de Carvalho. No Diário Oficial, Seção I, Parte I, de 5 de novembro de 1971, foi publicada a Portaria nº 1053-GB, que conferiu Medalha do Pacificador a Hughes, “como uma homenagem especial do Exército, pelos assinalados serviços prestados no combate à subversão, colaborando dessa forma, para a manutenção da lei, da ordem e das instituições”.
O Ministério Público Federal (MPF) apresentou, em maio de 2014, denúncia contra cinco ex-militares (José Antonio Nogueira Belham, Rubens Paim Sampaio, Jurandyr Ochsendorf e Souza, Jacy Ochsendorf e Souza e Raymundo Ronaldo Campos) envolvidos nos crimes cometidos contra Rubens Paiva, sendo certo que o processo encontra-se pendente de julgamento.
Diante das investigações realizadas, conclui-se que Rubens Beyrodt Paiva foi morto e desaparecido quando o mesmo se encontrava sob a guarda do Estado brasileiro, em contexto de sistemáticas violações de direitos humanos promovidas pela ditadura militar, implantada no país a partir de abril de 1964, restando desconstruída a versão oficial divulgada à época dos fatos.
Recomenda-se a continuidade das investigações sobre as circunstâncias do caso, para a localização de seus restos mortais, identificação do local e circunstâncias da morte, identificação e responsabilização dos agentes envolvidos.
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