Trudi Landau foi uma cronista judia nascida em 1920 na cidade de Colônia, Alemanha, onde viveu até 1939, ainda com seu nome de solteira, Trudi Joseph. Buscando escapar da perseguição do regime nazista, refugiou-se na Bélgica e na França, até se mudar definitivamente para o Brasil, em 1945, com o objetivo de recomeçar a vida ao lado do marido e do filho. Trudi manteve-se afastada das questões sociais e políticas até a morte de seu filho, em 1973, momento em que começou a escrever crônicas e cartas para diversos periódicos, como Folha de S. Paulo, Jornal do Brasil, Notícias Populares, Revista Shalom e Jornal da Tarde.
Trudi passou a se envolver mais profundamente e a se mobilizar em busca de justiça no Caso Herzog a partir da publicação, nos jornais, de um inquérito policial que citava o depoimento de um funcionário da Congregação Israelita Paulista (CIP). Nesse depoimento, a proximidade do túmulo de Vlado em relação à quadra onde está enterrado Jacques Landau, seu filho, junto a outras pessoas que haviam se suicidado, era utilizada como argumento para sustentar a versão oficial de que Vlado também teria se suicidado, e não sido vítima de um assassinato político. Cabe aqui uma contextualização importante: havia, nos cemitérios judaicos, uma separação entre a quadra de túmulos destinada aos suicidas e as demais. Assim, o governo militar tentou validar sua versão sobre a morte de Herzog com base na proximidade de seu jazigo com a chamada “ala dos suicidas”. Essa legitimação seria significativa, pois indicaria que a Chevra Kadisha – entidade responsável pela preparação ritual dos corpos para o sepultamento – teria reconhecido a causa da morte como suicídio, o que, de fato, não ocorreu.
Diante da aparição pública do nome de seu filho para encobrir um assassinato cometido pelas autoridades militares, Trudi se indignou e sentiu um vínculo “espiritual” com Vlado, escrevendo uma carta publicada no Jornal da Tarde em que afirmava que Herzog não está enterrado na quadra 27, destinada aos suicidas, mas sim na quadra 28, ao lado de pessoas que faleceram por outras causas, o que garantiria que Vlado jamais fosse considerado um suicida. Tocada pela carta e pela coragem de Trudi ao se expor publicamente em defesa de seu filho, Zora Herzog entrou em contato com ela, dando início a uma amizade de décadas que fortaleceu a mobilização por justiça, verdade e democracia no país, especialmente em torno do Caso Herzog.Ao longo dos anos, Trudi e Zora foram grandes companheiras, compartilhando o luto pela morte de seus filhos e todo o processo de debate público e judicial que levou ao tardio reconhecimento do assassinato de Vlado, a quem Trudi passou a se referir como seu “afilhado espiritual”. Essa amizade também impulsionou a publicação do livro Vlado Herzog – O que faltava contar, escrito por Trudi, que, diferentemente de outras obras centradas na morte de Vladimir Herzog, apresenta também sua vida, suas origens familiares e a perspectiva da família sobre o assassinato e o processo de luta por justiça.
Crônicas publicadas por Trudi Landau sobre o assassinato de Vladmir Herzog. Fonte: Coleção Pessoal Trudi Landau, Museu Judaico de São Paulo.
Além do livro publicado, Trudi teve um papel importante em sua empreitada naquilo que ela chamou de “reabilitação” de Vlado. Em diferentes ocasiões, como efemérides e momentos em que o Caso Herzog ganhava atenção pública, Trudi manifestou sua posição por meio da publicação de dezenas de crônicas, cartas e artigos que homenageavam a vida de Vlado, discutiam seu assassinato e exigiam justiça. Apesar do risco de se posicionar publicamente em um momento político marcado pela censura e repressão, Trudi não deixou de expressar suas ideias, opiniões e contestações à ditadura militar — sobretudo no que dizia respeito ao Caso Herzog e seus desdobramentos jurídicos e políticos — em veículos da grande imprensa e da imprensa judaica, como os periódicos Shalom e O Hebreu.
Em um de seus textos, Trudi destaca o antissemitismo como um dos elementos mobilizados pelos torturadores de Vlado durante as sessões. Em um relato sobre o caso, um de seus antigos companheiros de cela no DOI-CODI afirmou ter ouvido serem dirigidas a Vlado injúrias como “judeu nojento”, e Clarice, sua viúva, contou ter recebido ameaças como: “vamos matar você também, sua judiazinha suja”, ainda que ela própria não fosse judia. Esse episódio aponta para um aspecto ainda pouco explorado e conhecido sobre a Ditadura Civil-Militar: a mobilização do racismo e do antissemitismo nas práticas de violência.
Trudi faleceu no dia 2 de julho de 2015, em São Paulo, aos 95 anos.

Nascido em 1944 em Lisboa, Portugal, mas criado desde a infância em Nova York, Estados Unidos, o rabino Henry Sobel foi um dos mais importantes e conhecidos personagens públicos das comunidades judaicas paulistana e brasileira nas décadas finais do século XX, tornando-se uma espécie de porta-voz comunitário.
As primeiras experiências de atuação política de Sobel ocorreram ainda durante sua graduação nos Estados Unidos, quando participou de uma manifestação pelos direitos civis liderada pelo reverendo Martin Luther King, em 1965, e de uma marcha pelo fim da Guerra do Vietnã, em 1967.
Desde 1970 no Brasil — mesmo ano em que se diplomou como rabino liberal nos Estados Unidos — Sobel veio ao país para assumir a função de rabino assistente na Congregação Israelita Paulista (CIP). Foi cinco anos depois, contudo, em 25 de outubro de 1975, aos 31 anos de idade, que recebeu um telefonema que transformaria o curso de sua vida: um funcionário da chevra kadisha, o serviço funerário da CIP, relatava que o corpo do jornalista Vladimir Herzog, que passava pelo processo de preparação ritual para o sepultamento, apresentava indícios de tortura, ainda que os documentos oficiais indicassem suicídio. Na tradição judaica, suicidas costumavam ser enterrados em uma parte separada do cemitério. Sobel, que estava viajando, informou por telefone sua decisão de que, com base nos indícios, Vlado deveria ser enterrado na ala comum do cemitério israelita, rejeitando a versão dos militares sobre sua morte.
Na semana seguinte, Sobel ainda participaria, junto ao cardeal católico Dom Paulo Evaristo Arns, ao arcebispo Dom Hélder Câmara e ao pastor presbiteriano Jaime Wright — além do rabino Marcelo Rittner e do cantor litúrgico Paulo Novak — da organização de um culto ecumênico em homenagem a Vlado, a ser realizado na Catedral da Sé, no centro de São Paulo. Sobel relatou que, dias antes do evento, recebeu a visita de três generais fardados que tentaram demovê-lo de comparecer à Catedral, mas ainda assim decidiu ir. Estimulado pela indignação coletiva, o ato acabou ganhando contornos de manifestação política e se tornando um evento lembrado como o “começo do fim” da ditadura militar no Brasil. Na ocasião, diante de um público de oito mil pessoas e de um cerco com mais de quinhentos policiais, Sobel fez o seguinte discurso:
“(…) Sou um rabino. Estou aqui porque um judeu morreu. Porém, mais importante ainda, estou aqui nessa catedral porque um homem morreu. E, como rabino, não defendo apenas os direitos dos judeus, mas sim os direitos fundamentais de todos os seres humanos, de todos os credos, de todas as raças, vivam eles no Brasil ou em qualquer outro país do mundo (…)”.
Sua atuação no enterro e, depois, no ato ecumênico em homenagem a Vlado direcionariam de forma decisiva o caminho de Sobel pelo resto da vida. A partir de então, passou a se envolver gradualmente na vida política e assumiu o papel de “rabino dos direitos humanos”. Além de admiradores, os posicionamentos de Sobel — corajosos por serem assumidos de maneira individual, como rabino, sem o respaldo das instituições onde atuava — também lhe renderam diversos desafetos, tanto dentro quanto fora da comunidade judaica, além de um monitoramento próximo do DEOPS-SP sobre suas ações a partir daquele momento.

Se até 1975 a experiência de Sobel no Brasil se restringia basicamente às tarefas práticas da vida na Congregação onde trabalhava, a partir daí passou a se envolver também no engajamento em causas maiores e o diálogo com outros setores da sociedade brasileira. Passou a ser figura constante na mídia, dando entrevistas e escrevendo textos e artigos para a imprensa de dentro e de fora da comunidade judaica e se engajando ativamente no diálogo interreligioso, aproveitando os laços criados sobretudo com D. Paulo Evaristo Arns na missa na Catedral. Fruto desse diálogo junto a importantes líderes religiosos brasileiros, Sobel participou de maneira destacada no projeto – secreto – de reunir e divulgar documentação sobre os crimes da ditadura militar brasileira, que resultou na publicação do livro “Brasil: Nunca Mais”, em 1985. Um marco na história dos direitos humanos no país, o livro expôs a tortura e os torturadores com base em farta documentação.

O Rabino foi amplamente reconhecido por sua defesa dos direitos humanos, tendo sido agraciado com a Ordem do Mérito Cultural em 2002, por parte do Ministério da Cultura, e o Prêmio Vladimir Herzog de “Rabino da Cidadania”, concedido pelo Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo, em 1998. Henry Sobel morreu aos 75 anos, no dia 22 de novembro de 2019, em Miami, nos Estados Unidos, em decorrência de um câncer de pulmão.
