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Um diálogo com Educadores
Nos últimos tempos o Brasil viveu muitas ameaças contra a democracia, incluindo a apologia à ditadura realizada por militares e civis, dentro e fora dos quarteis. Por que, em pleno século XXI, a democracia brasileira ainda parece tão frágil? Por que uma ditadura que terminou na década de 1980 ainda paira como uma sombra sobre a nossa democracia? Seria o Brasil um “país do esquecimento”, como se diz por aí, uma sociedade sem memória e vulnerável a novos golpes?
Educação histórica e memória social
Apesar das muitas iniciativas para fortalecer a memória brasileira sobre a ditadura, uma grande parte da população ainda desconhece essa história. No campo da educação, sabemos que professores das mais diversas regiões, áreas e segmentos empreendem esforços para expandir a memória crítica sobre a ditadura brasileira. Mas ainda há um longo caminho a percorrer. Fortalecer a memória social sobre a ditadura por meio da educação histórica é um passo fundamental para evitarmos o triunfo do golpismo e do autoritarismo que estão à espreita.
Lembrar do passado é um ato político. Como dizem os familiares das vítimas da ditadura no Brasil, a memória sobre a ditadura permite que nunca se esqueça, para que nunca mais aconteça. A formação de uma cidadania ativa, consciente e participativa, que proteja a democracia dos novos ataques a ela desferidos, depende da construção coletiva e cotidiana dessa memória, fundamentada em uma História Pública, científica e crítica da ditadura civil-militar.
Aqui oferecemos aos educadores algumas orientações de abordagem da ditadura em sala de aula, metodologias, materiais e sequências didáticas. Bom proveito!
Ensino de História da Ditadura e direitos humanos
O conhecimento da História é fundamental para que as atuais gerações compreendam criticamente os processos sociais, políticos e culturais. Como escreveu Geroge Orwell no livro 1984, “quem controla o passado, controla o futuro. Quem controla o presente, controla o passado”. Para que possamos desempenhar nosso papel político em defesa da democracia brasileira, precisamos conhecer nosso passado, especialmente sobre quem foram os agentes violadores de direitos, como ocorreram os processos de violência política e quais eram as lutas e os métodos de resistência.
O ensino crítico de História (e das demais Ciências Sociais) sobre a ditadura brasileira de 1964 e 1988 tem o poder de formar brasileiros capazes de refletir cientificamente sobre o passado e tomar posições democráticas no presente. Ensinar História também significa promover a autoconsciência dos estudantes enquanto sujeitos do tempo presente, na dimensão individual e coletiva.
O ensino de História e as demais Ciências Sociais pode oferecer métodos e ferramentas de análise social, que possibilitam o pensamento autônomo e a leitura crítica da realidade. Também pode dar significado histórico às lutas por direitos humanos (políticos, civis, econômicos, sociais, culturais, ambientais, sexuais e reprodutivos). Nesse sentido, o ensino de História da Ditadura na perspectiva dos direitos humanos é fundamental para a formação de uma cidadania que valoriza e fortalece as conquistas democráticas.
O que são direitos humanos?
Defender os direitos humanos pode parecer algo óbvio e consensual. No entanto, na realidade brasileira atual existe um setor que se posiciona contrário aos direitos humanos, que ganhou projeção e criou obstáculos para o aprofundamento democrático. Afinal, o que são direitos humanos? Dalmo Dallari define:
“Existe uma dignidade inerente à condição humana, e a preservação dessa dignidade faz parte dos direitos humanos. O respeito pela dignidade da pessoa humana deve existir sempre, em todos os lugares e de maneira igual para todos. O crescimento econômico e o progresso material de um povo têm valor negativo se forem conseguidos à custa de ofensas à dignidade de seres humanos. O sucesso político ou militar de uma pessoa ou de um povo, bem como o prestígio social ou a conquista de riquezas, nada disso é válido ou merecedor de respeito se for conseguido mediante ofensas à dignidade e aos direitos fundamentais dos seres humanos.”
Dalmo de Abreu Dallari. “O que são direitos humanos”, disponível em: Portal Direitos Humanos na Internet (DHNET).
A Educação em Direitos Humanos envolve o conhecimento de dois documentos fundamentais da história mundial e brasileira: primeiro, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, e segundo a Constituição Cidadã de 1988.
Você, educador, já deve ter lido estes documentos. Para relembrar, recomendamos que leia trechos selecionados a seguir:
DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS
Artigo 1 – Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.
[…]Artigo 3 – Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.
Artigo 4 – Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas.
Artigo 5 – Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.
Artigo 6 – Todo ser humano tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei.
[…]Artigo 9 – Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.
[…]Artigo 15 – 1. Todo ser humano tem direito a uma nacionalidade.
[…]Artigo 18 – Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; esse direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto em público ou em particular.
Artigo 19 – Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; esse direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.
Artigo 20 – 1. Todo ser humano tem direito à liberdade de reunião e associação pacífica. […]
Artigo 21 – 1. Todo ser humano tem o direito de tomar parte no governo de seu país diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos.
[…]Artigo 23 – 1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.
2. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho.
[…]Artigo 24 – Todo ser humano tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas.
DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Artigo 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade […]
Artigo 6º – São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Parágrafo único. Todo brasileiro em situação de vulnerabilidade social terá direito a uma renda básica familiar, garantida pelo poder público em programa permanente de transferência de renda, cujas normas e requisitos de acesso serão determinados em lei, observada a legislação fiscal e orçamentária
Essas leituras simples de documentos históricos fundamentais podem formar formam a base de uma perspectiva pedagógica crítica sobre a realidade de violação de direitos, no passado e no presente. É nesse sentido que sugerimos aos educadores que utilizem os conteúdos, fontes, recursos metodológicos e as Sequências Didáticas deste Portal.
Analisar o passado, agir no presente, projetar o futuro
Como escreveu o historiador Josep Fontana: “a história sempre teve uma função social”. O ensino de história tem um grande potencial de ativar sua função social, o que significa transformar a análise do passado em ações coletivas no presente estimuladas por projetos de melhores futuros.
Ao estudar a experiência humana ao longo do tempo e as lutas por direitos humanos, os estudantes podem desenvolver a capacidade de analisar a vida social com base na leitura do passado. Podem assim “pensar historicamente”, compreender as rupturas e continuidades da ditadura civil-militar em nosso presente democrático, e desenvolver argumentos e ações no sentido democrático.
É um clichê verdadeiro: o estudo do passado nos ajuda a compreender melhor o mundo em que vivemos no presente. A Nova República (a democracia brasileira desde a Constituição de 1988) é resultado de lutas democráticas fundamentais, mas também guarda marcas de continuidades com a ditadura. Conhecer a fundo as causas do golpe de 1964, a motivação dos ditadores militares e civis, o modus operandi da repressão e da censura, os movimentos de resistência, enfim, conhecer tudo isso é importante para decifrarmos os problemas da atualidade. E mais do que isso: a interpretação do passado nos guia na batalha em defesa de uma sociedade melhor e mais justa, na qual os direitos humanos sejam assegurados a todos.
Além de explicar o presente, o estudo da história nos oferece uma variedade de experiências humanas que nos permite imaginar novas e melhores possibilidades de futuro. A ditadura é uma parte da história brasileira que ainda ecoa muito forte no presente e afeta a todos. Por isso, ao conhecer a história da ditadura e da transição para a democracia, podemos analisar o presente e projetar futuros. Em resumo: conhecer a história da ditadura é um passo fundamental para consolidarmos a democracia brasileira.
Guerra de narrativas? A história do vencedor e dos vencidos
Existe um provérbio africano que diz “até que o leão aprenda a escrever, a história glorificará o caçador”. Existem múltiplas “narrativas” sobre o golpe de 1964 e a ditadura. A narrativa daqueles que venceram em 1964, ou seja, os ditadores, militares e civis que apoiavam o autoritarismo. E a narrativa dos que perderam em 1964, os vencidos, que lutaram muito pela queda do regime.
O Portal Memórias adota como perspectiva os documentos históricos (escritos, imagéticos, orais e audiovisuais) que viabilizam um conhecimento crítico e científico sobre a história da ditadura. Durante muito tempo, os ditadores negaram a existência de torturas, desaparecimentos, mortes e toda violação de direitos humanos praticada no regime militar – essa era a narrativa dos vencedores.
Mas os documentos históricos deram razão à narrativa daqueles que foram “vencidos” em 1964. Ou seja, os críticos da ditadura, a oposição e a resistência conseguiram comprovar cientificamente todas as violências praticadas pelos agentes do autoritarismo, com base em evidências históricas e provas. Nesse sentido, não seria correto dizer que existe apenas uma “guerra de narrativas” sobre o período, relativizando a investigação sobre a verdade dos fatos.
Com a queda da ditadura e o fortalecimento das lutas por memória, verdade e justiça, bem como com as pesquisas historiográficas produzidas nas universidades, é possível afirmar cientificamente que o golpe de 1964 foi autoritário, correspondeu ao desejo de uma minoria da sociedade, foi violento, prendeu, torturou, matou e desapareceu com corpos dos opositores. Essa não é, portanto, uma “guerra de narrativas”, mas sim um confronto entre ciência histórica e negacionismo, que prossegue vivo até os dias de hoje.
O Portal em escolas, formações e cursos livres
Esse Portal pode ser a referência principal de cursos da educação formal que abordem a História da Ditadura (anos finais do Ensino Fundamental 2, Ensino Médio, Cursinhos e Universidades). Além disso, também pode servir para cursos livres e formações em ONGs, coletivos, associações, movimentos sociais e de educação popular.
- Aqui você encontra conteúdos sobre:
- As causas do golpe de 1964
- A periodização da história da ditadura
- A repressão, os violadores de direitos humanos e seus métodos
- A resistência em suas múltiplas identidades e expressões
- As ditaduras latino-americanas
- As trajetórias de vida de membros da repressão e da resistência (biografias)
- O fim da ditadura brasileira
- A justiça de transição latino-americana e brasileira
- A Comissão Nacional da Verdade e suas recomendações
- As lutas por Memória, Verdade e Justiça
- As permanências da ditadura em democracia
O Portal também oferece textos de apoio, materiais multimídia e fontes primárias diversas, tais como:
- Sequências Didáticas com dois blocos metodológicos: de Conteúdos Temáticos e de Ensino por Projetos
- Documentos históricos escritos, imagéticos e audiovisuais
- Indicação de filmes, músicas e obras de arte
- Acervo biográfico da ditadura e da resistência
- Projetos especiais do Instituto Vladimir Herzog
- Depoimentos orais de experiência vivida
- Mapa de lugares da memória
- Linha do tempo
- Mini-documentários
O educador pode se aventurar por Sequências Didáticas com diferentes metodologias, fontes primárias e materiais multimídia, criando sua forma própria de utilização em sala de aula. Nossa proposta é combinar a autonomia docente, o diálogo educador-educando, e o protagonismo dos alunos.