O novo texto constitucional ratificou os Atos Institucionais anteriores e passou a ser o alicerce para novos Atos. Concebido por Gama e Silva, o AI-5 aboliu o habeas corpus — ação que serve para libertar pessoas ilegalmente presas — nos casos de crimes políticos e permitiu ao presidente fechar temporariamente os Legislativos federal, estaduais e municipais — dando ao Executivo o poder de legislar sobre qualquer matéria.
Em paralelo, mas também com esteio no Ato, criou-se a Comissão Geral de Investigação (CGI), atendendo ao clamor anticorrupção. As prerrogativas do órgão foram direcionadas ao constrangimento de políticos adversários, como os ex-presidentes Kubitschek e Goulart — sem, contudo, terem sido identificados ilícitos cometidos. Segundo a professora Claudia Carvalho e o já citado A. Pereira, o emaranhado jurídico autoritário, apesar de firme, deu oportunidades para advogados de perseguidos políticos travarem uma frente de batalha nos tribunais, com alguns êxitos.
Não bastando o potente AI-5, a Junta Militar que assumiu após o afastamento médico de Costa e Silva outorgou, na prática, uma nova Constituição — sob a forma da Emenda Constitucional nº 1 de 1969. Era ainda mais autocrática e fora escrita sem qualquer participação do Parlamento, posto em recesso pelo AI-5.
Idealizada após as críticas do congressista Márcio Moreira Alves à invasão militar da UnB em 1968, a Carta restringiu a liberdade de expressão parlamentar, submetendo-a à LSN — o que levaria o deputado Chico Pinto a perder o mandato por repudiar o ditador chileno Pinochet em 1974.
Mesmo no período da chamada “distensão”, na segunda metade dos anos 1970, o regime seguiu introduzindo manipulações autoritárias do Direito para se adaptar às novas circunstâncias. Visando garantir o domínio governista no Legislativo, a despeito da queda de popularidade da ditadura, em abril de 1977, Geisel fechou o Congresso e impôs a Emenda Constitucional nº 8. Ela favoreceu a eleição indireta de senadores aliados — ditos “senadores biônicos” —, mantendo artificialmente a maioria parlamentar da Arena. Tudo com base no AI-5.
Quando esse e os outros 16 Atos Institucionais foram finalmente revogados em 1978, a ditadura tirou um pilar de sua construção jurídica autoritária e cuidou de colocar um novo em seu lugar: as Medidas de Emergência, que davam ao presidente poderes excepcionais de estado de sítio, com a diferença de não exigirem aprovação parlamentar.
Um arsenal de tais Medidas foi mobilizado por Figueiredo para sabotar as “Diretas Já” em 1984, de forma a impedir um processo de redemocratização mais progressista.
Considerações finais
Em suma, do início ao fim, o Direito foi absolutamente primordial para a consecução dos projetos políticos do regime de 1964. Embora seja imperativo afirmar que, conceitualmente, inexistia um verdadeiro Estado de Direito, também é preciso reconhecer que vigorava uma espécie de constitucionalismo no Brasil: um constitucionalismo desvirtuado e autoritário, mas que nem por isso desprezou a forma e a racionalidade jurídicas.
Bem ao contrário, os governos ditatoriais investiram muito na gramática jurídica em busca de legitimação. Todavia, mais do que máscara, o Direito na ditadura foi uma trama ardilosamente urdida entre Constituições, Emendas, múltiplos Atos Institucionais, um labirinto de leis e decretos repressivos. Tratava-se de um ordenamento gestado por jurisconsultos colaboracionistas e feito sob medida para o autoritarismo. Por meio dele, o regime antidemocrático exerceu com desenvoltura seus enormes e ilegítimos poderes, mesmo que oferecendo algumas brechas institucionais para a resistência jurídica à arbitrariedade.