O campo das artes plásticas foi o que mais encarnou esse ideal de ruptura e transgressão, tanto estética quanto comportamental. Era preciso criticar o regime autoritário e buscar novos modos de produção artística e de ocupação dos circuitos de exposição das obras, indo além dos limites das galerias e museus. As artes visuais assumiram primeiramente uma forma crítica e reflexiva ao contexto histórico, na forma do questionamento de seus próprios meios de criação.
Sem se preocupar em transmitir mensagens fáceis e diretas através das obras, os artistas plásticos brasileiros reinventaram a vanguarda e o próprio sentido do engajamento político contra o regime militar. A única regra era a experimentação e a liberdade. Mesmo nos anos 1970, quando esse ímpeto de transgressão começou a refluir, as artes plásticas continuaram a desafiar o conservadorismo do regime e a caretice dos olhares convencionais sobre as representações do mundo. A resistência à ditadura, nesse campo, começava pela reeducação do olhar.
Os artistas experimentaram radicalmente outras linguagens. A chamada “nova figuração” adaptou a pop art norte-americana para fazer críticas ao imperialismo, à cultura de massa e ao autoritarismo. Após o AI-5, com o endurecimento da censura, houve o radicalismo das propostas artísticas, com o que se habituou a chamar de “arte conceitual”. Novas formas de expressão foram criadas. Um artista não tinha mais uma forma limitada de atuação, como por exemplo, a pintura ou escultura. Performances, cartazes, pichações e até objetos cotidianos passaram a compor o catálogo das artes brasileiras. O que importava era o conceito, a leitura que o artista fazia da realidade. Um exemplo disso foi a intervenção de Cildo Meireles que carimbou em notas de dinheiro a pergunta “Quem matou Herzog?“. Com isso, driblou a censura e levou sua provocação ao público que não frequentava mostras de arte. Houve maior didatismo ideológico, com a oposição política clara e direta ao governo, como na obra de Rubens Gerchman, que consiste em enormes letras, expostas em uma avenida do Rio de Janeiro, formando a palavra “Lute”.
Mesmo com o endurecimento da censura nos anos 1970, as vanguardas artísticas continuaram a revolucionar códigos. Ainda que dissociadas da ideia de luta e utopia, obras como happenings, performances e conceitualismos compunham conteúdo artístico que expressava descontentamento com o regime vigente. Artistas fundamentais da arte contemporânea, como Ivan Serpa, Antônio Dias, Hélio Oiticica e Carlos Vergara, participaram com obras igualmente contestadoras, que romperam com estéticas artísticas importantes em nome da oposição à ditadura. Foi o caso da obra “Tropicália”, de Oiticica, que desencadeou todo um movimento cultural, o tropicalismo. A obra era uma instalação, uma espécie de labirinto sem teto, que remetia à arquitetura das favelas. Em seu interior, havia uma TV que ficava sempre ligada.
Houve resistência nas grandes exposições de arte e com repercussões internacionais, como o caso da pré-Bienal de Paris, que reuniria os principais expoentes das artes plásticas brasileiras no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em 1969. Os militares determinaram o encerramento da mostra e, em resposta, os artistas resolveram boicotar a 10ª Bienal Internacional de São Paulo, que se realizaria naquele ano. A Bienal foi inaugurada sem protestos, mas também sem obras. Na França, reunidos no Museu de Arte Moderna de Paris, 321 artistas e intelectuais estrangeiros assinaram o manifesto “Não à Bienal”, baseado nas declarações de testemunhas e em documentos que provavam a existência de censura à atividade artística no Brasil.
Foram tempos inquietos e que contribuíram para desgastar o regime frente à opinião pública. Ao longo dos mais de vinte anos do período militar no Brasil, as artes visuais reagiram de diversas formas às diferentes conjunturas. Todas elas expressavam, de alguma forma, a reação dos artistas ao regime e à censura.
Porém, não podemos afirmar que a vanguarda brasileira não foi afetada pela ditadura militar. A falta de liberdade para o artista e a desestruturação do movimento das artes plásticas no Brasil – com o exílio da crítica, a perseguição dos artistas, entre outros fatores – culminaram numa mudança profunda do significado da arte no país. O chamado “fim das vanguardas” foi percebido mundialmente na década de 1970, mas seu efeito foi particular no Brasil, também por causa do período político.
Entre os artistas pairava a sensação de que toda transgressão e todo experimentalismo estético dos anos 1960 haviam sido absorvidos pelo mercado e pelo chamado “gosto burguês”, termo que significava a acomodação do artista ao gosto médio de quem comprava obras. Em paralelo, com o surgimento de um mercado de artes, houve um impacto visível na produção de vanguarda: a “mostra de arte” passou a ser uma “feira de arte” em que as mercadorias eram negociadas, e isso mudou todo o conceito das obras.