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Intervenção de Cildo Meireles em campanha pela responsabilização do assassinato de Vladimir Herzog
Intervenção de Cildo Meireles em campanha pela responsabilização do assassinato de Vladimir Herzog. As cédulas compartilhadas por Cildo Meireles são um alerta para as atrocidades do regime e para as novas formas de arte inspiradas nas Vanguardas europeias.

Experimentação artística, engajamento e censura

Experimentação artística, engajamento e censura

O campo das artes plásticas foi o que mais encarnou esse ideal de ruptura e transgressão, tanto estética quanto comportamental. Era preciso criticar o regime autoritário e buscar novos modos de produção artística e de ocupação dos circuitos de exposição das obras, indo além dos limites das galerias e museus. As artes visuais assumiram primeiramente uma forma crítica e reflexiva ao contexto histórico, na forma do questionamento de seus próprios meios de criação.

Sem se preocupar em transmitir mensagens fáceis e diretas através das obras, os artistas plásticos brasileiros reinventaram a vanguarda e o próprio sentido do engajamento político contra o regime militar. A única regra era a experimentação e a liberdade. Mesmo nos anos 1970, quando esse ímpeto de transgressão começou a refluir, as artes plásticas continuaram a desafiar o conservadorismo do regime e a caretice dos olhares convencionais sobre as representações do mundo. A resistência à ditadura, nesse campo, começava pela reeducação do olhar.

Os artistas experimentaram radicalmente outras linguagens. A chamada “nova figuração” adaptou a pop art norte-americana para fazer críticas ao imperialismo, à cultura de massa e ao autoritarismo. Após o AI-5, com o endurecimento da censura, houve o radicalismo das propostas artísticas, com o que se habituou a chamar de “arte conceitual”. Novas formas de expressão foram criadas. Um artista não tinha mais uma forma limitada de atuação, como por exemplo, a pintura ou escultura. Performances, cartazes, pichações e até objetos cotidianos passaram a compor o catálogo das artes brasileiras. O que importava era o conceito, a leitura que o artista fazia da realidade. Um exemplo disso foi a intervenção de Cildo Meireles que carimbou em notas de dinheiro a pergunta “Quem matou Herzog?“. Com isso, driblou a censura e levou sua provocação ao público que não frequentava mostras de arte. Houve maior didatismo ideológico, com a oposição política clara e direta ao governo, como na obra de Rubens Gerchman, que consiste em enormes letras, expostas em uma avenida do Rio de Janeiro, formando a palavra “Lute”.

Mesmo com o endurecimento da censura nos anos 1970, as vanguardas artísticas continuaram a revolucionar códigos. Ainda que dissociadas da ideia de luta e utopia, obras como happenings, performances e conceitualismos compunham conteúdo artístico que expressava descontentamento com o regime vigente. Artistas fundamentais da arte contemporânea, como Ivan Serpa, Antônio Dias, Hélio Oiticica e Carlos Vergara, participaram com obras igualmente contestadoras, que romperam com estéticas artísticas importantes em nome da oposição à ditadura. Foi o caso da obra “Tropicália”, de Oiticica, que desencadeou todo um movimento cultural, o tropicalismo. A obra era uma instalação, uma espécie de labirinto sem teto, que remetia à arquitetura das favelas. Em seu interior, havia uma TV que ficava sempre ligada.

Bandeira de Helio Oitica de 1968
Bandeira de Hélio Oiticica de 1968.

Houve resistência nas grandes exposições de arte e com repercussões internacionais, como o caso da pré-Bienal de Paris, que reuniria os principais expoentes das artes plásticas brasileiras no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em 1969. Os militares determinaram o encerramento da mostra e, em resposta, os artistas resolveram boicotar a 10ª Bienal Internacional de São Paulo, que se realizaria naquele ano. A Bienal foi inaugurada sem protestos, mas também sem obras. Na França, reunidos no Museu de Arte Moderna de Paris, 321 artistas e intelectuais estrangeiros assinaram o manifesto “Não à Bienal”, baseado nas declarações de testemunhas e em documentos que provavam a existência de censura à atividade artística no Brasil.

Foram tempos inquietos e que contribuíram para desgastar o regime frente à opinião pública. Ao longo dos mais de vinte anos do período militar no Brasil, as artes visuais reagiram de diversas formas às diferentes conjunturas. Todas elas expressavam, de alguma forma, a reação dos artistas ao regime e à censura.

Porém, não podemos afirmar que a vanguarda brasileira não foi afetada pela ditadura militar. A falta de liberdade para o artista e a desestruturação do movimento das artes plásticas no Brasil – com o exílio da crítica, a perseguição dos artistas, entre outros fatores – culminaram numa mudança profunda do significado da arte no país. O chamado “fim das vanguardas” foi percebido mundialmente na década de 1970, mas seu efeito foi particular no Brasil, também por causa do período político.

A Morte no Sábado (1975), de Antonio Henrique Amaral
A Morte no Sábado (1975), de Antônio Henrique Amaral. A pintura foi feita em homenagem ao jornalista Vladimir Herzog.

Entre os artistas pairava a sensação de que toda transgressão e todo experimentalismo estético dos anos 1960 haviam sido absorvidos pelo mercado e pelo chamado “gosto burguês”, termo que significava a acomodação do artista ao gosto médio de quem comprava obras. Em paralelo, com o surgimento de um mercado de artes, houve um impacto visível na produção de vanguarda: a “mostra de arte” passou a ser uma “feira de arte” em que as mercadorias eram negociadas, e isso mudou todo o conceito das obras.

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