José Campos Barreto foi morto por agentes do Estado brasileiro na tarde do dia 17 de setembro de 1971, na região de Brotas de Macaúbas, sertão da Bahia. O episódio sinaliza o fim de uma das operações mais ofensivas comandadas pelos órgãos de repressão da ditadura brasileira para localizar e executar o guerrilheiro Carlos Lamarca: a Operação Pajussara. De acordo com a versão oficial, José Campos Barreto teria morrido junto com o ex-capitão Carlos Lamarca, em um tiroteio contra as forças de segurança. Essa versão, amplamente difundida, foi contestada por grupos de familiares de mortos e desaparecidos políticos desde a década de 1970. A partir das pesquisas realizadas, por intermédio do acesso a novos documentos e às informações apuradas no âmbito da Comissão Nacional da Verdade, torna-se evidente que a versão divulgada à época dos fatos não se sustenta. Poucos anos antes, José Campos Barreto havia sido uma relevante liderança sindical entre os metalúrgicos de Osasco (SP). Em julho de 1968, Zequinha foi um dos líderes na greve que parou a fábrica onde trabalhava, a Cobrasma, quando a fábrica foi cercada por forças policiais. José Campos Barreto foi preso juntamente com mais de 400 trabalhadores e passou 98 dias nos cárceres do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS/SP). Libertado por meio de habeas corpus, passou a viver na clandestinidade, militando na Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). No início de 1970, já militante no Movimento Revolucionário 08 de Outubro (MR-8) retornou ao sertão da Bahia, para implantar um movimento de guerrilha rural, que contaria com a participação de Lamarca. Zequinha ficou responsável por montar a estrutura da segurança do líder guerrilheiro. A casa da família dos Campos Barreto tornou-se importante ponto de referência dos deslocamentos de Zequinha e de Lamarca na região. A operação militar que logrou localizar e executar Zequinha e Lamarca se inseriu em uma complexa trama de ações militares. A montagem da Operação Pajussara começou a ganhar contornos mais específicos com a descoberta do diário de Lamarca em poder de militantes do MR-8 e, com a prisão de outros membros da organização, em Salvador (BA). Valendo-se da tortura e da coação, os órgãos de repressão conseguiram dados que os levaram a identificar a região de Buriti Cristalino como provável esconderijo de Lamarca. O Comandante do DOI-CODI em Salvador e Chefe da 2ª Seção do Estado-Maior da 6ª Região Militar, major Nilton de Albuquerque Cerqueira, reuniu um efetivo de 215 homens das Forças Armadas, com o apoio de agentes da Polícia Federal, da Polícia Militar da Bahia e do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) e, no dia 28 de agosto de 1971, invadiu a região de Buriti Cristalino. Na propriedade da família de José Campos Barreto, a ação foi violenta. Olderico Campos, um dos irmãos de José, foi ferido no rosto. Otoniel Campos, de 20 anos, foi morto com uma rajada de metralhadora. Com os dois irmãos fora de combate, os homens comandados pelo major Nilton Cerqueira montaram guarda na propriedade e iniciaram o interrogatório de Olderico, que, apesar de ferido, foi torturado. Algum tempo depois, o lavrador José de Araújo Barreto, pai de Zequinha, Olderico e Otoniel, retornou à casa e encontrou o seguinte cenário: a casa ocupada por forças de segurança, um de seus filhos morto e outro ferido, sendo torturado. Apesar de seus 64 anos, também foi submetido a torturas pelos agentes de repressão do Estado. José Barreto e Carlos Lamarca abandonaram o acampamento que ocupavam e empreenderam nova marcha, deslocando-se pelo interior do sertão. Na fuga, que durou 20 dias, os dois guerrilheiros percorreram aproximadamente 300 km. Exaustos, feridos e desorientados pela sede e pela fome, os dois homens alcançaram o pequeno povoado de Pintada. De acordo com depoimento de Olival Campos Barreto, irmão de Zequinha, o paradeiro dos militantes foi informado por um parente distante da família, Antônio de Virgílio, ao juiz do Fórum de Brotas de Macaúbas, Antônio Barbosa, que por sua vez os denunciou a agentes da 6ª Região Militar do Exército: […] a gente só ficava ouvindo, ó, Zequinha e Lamarca passou em tal lugar, passaram em Ibotirama, passaram no Mocambo, passaram não sei aonde. Só que, por infelicidade, Zequinha foi passar num local que chama Três Reses, onde têm parentes nossos, e um infeliz, lá dos Três Reses, que é até primo da gente… Então, esse rapaz [Antônio de Virgílio] foi avisar, em Brotas, que Zequinha tinha passado lá, com o Lamarca. Como o Exército tinha oferecido esses prêmios, dinheiro, pra quem denunciasse, esse rapaz foi avisar em Brotas. E o juiz [Antônio Barbosa], lá em Brotas, pega um carro e vai até Seabra, e vai ligar, lá pra 6ª Região do Exército, pra voltarem. Aí, eles já voltaram com certeza de que eles já estavam lá.i Por volta das 16 horas do dia 17 de setembro, enquanto descansavam à sombra de uma baraúna, Lamarca e Zequinha foram surpreendidos pela tropa comandada por Nilton Cerqueira. Eles estavam exaustos e não ofereceram qualquer resistência à tropa, e foram executados. No próprio relatório da operação Pajussara, está descrito que Zequinha Barreto correu e tentou jogar uma pedra, quando foi alvejado e morreu. Lamarca sequer tentou fugir e recebeu tiros de várias direções, inclusive pelas costas. Sobre as mortes de Lamarca e Zequinha Barreto, Olival Barreto deu o seguinte depoimento: Comissão Nacional da Verdade – Olival, nessa época que os corpos de Zequinha e Lamarca foram levados pra lá – parece que foi para exposição pública – você chegou a ver, ou não? Olival Campos Barreto – Não, porque eu estava no Buriti Cristalino, que a distância de Brotas é de 18 km, não é. Quando eles morreram, lá em Pintada, então os corpos foram trazidos pra Brotas, e colocados no campo de futebol, para o povo ver. Então, eu não cheguei a vê-los, mortos, porque eu estava no Buriti. Fiquei sabendo no dia seguinte, da morte deles. Mas o pessoal, que viu, me relatou muita coisa. Comissão Nacional da Verdade – Quem viu, falou o quê? Como é que… Olival Campos Barreto – Por exemplo, essa mesma pessoa que levou a notícia da morte do Zequinha, que é o Sr. Zé Novais, ele me disse que presenciou os corpos no chão, que eles chutavam, tem um cara, lá, que participou da Operação, que ajudou a matá-los, que era o Caribé, Dalmar Caribé… Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva – Dalmar está vivo. Olival Campos Barreto – Está vivo, em Salvador… E diz que ele falava assim: “Nesse, aqui, eu acertei um…”. Entendeu? Diz que acertou um tiro, assim, diz que acertou um tiro no Zequinha. E esse tipo de coisas, assim. O Zé Novais me disse que uma pessoa de Brotas, que estava com ele, chorou, uma pessoa do lugar chorou, quando os viu no chão, e ele pegou, e levou ele embora, com medo de uma repressão. Então, a gente escuta muita coisa. Agora, por último, fiquei sabendo, por uma pessoa lá de Brotas, que disse que, os caixões que fizeram pra eles, era para colocar os dois num caixão só, e, como Zequinha era um pouco maior que o Lamarca, diz que foi colocado, assim, aos pontapés, o cadáver, para caber dentro do caixão. Essas coisas, assim, tudo que a gente ouviu falar. Eu, felizmente, eu não queria ter visto eles, ali. Acho que não teria condição de ver. De acordo com informações da família, os corpos de Zequinha e de Lamarca foram levados para Salvador, onde permaneceram no Instituto Médico Legal até o dia 25 de setembro, quando foram sepultados no cemitério de Campo Santo. A família reivindica, ainda hoje, a localização e o traslado dos restos mortais de Zequinha para o “Memorial dos Mortos”, em Ipupiara (BA).ii A morte de José Campos Barreto é também relatada no capítulo 13, Casos Emblemáticos, deste Relatório.
Diante das circunstâncias do caso e das investigações realizadas, conclui-se que José Campos Barreto foi executado pela ação de agentes do Estado brasileiro, em um contexto de sistemáticas violações de direitos humanos promovidas pela Ditadura Militar implantada no país a partir de abril de 1964. Recomenda-se a retificação da certidão de óbito, a continuidade das investigações sobre as circunstâncias do caso, a localização de seus restos mortais e a identificação e responsabilização dos agentes envolvidos.