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Artistas protestam contra a censura
A censura foi elemento catalizador da revolta da classe artística.

O cinema nos anos 1970: censura e patrocínio estatal

O cinema nos anos 1970: censura e patrocínio estatal

O Cinema Novo tinha conseguido um reconhecimento inédito para o cinema brasileiro, consagrado em festivais importantes, como Veneza e Cannes. Embora agradasse plateias estudantis e intelectuais, ainda carecia de maior capilaridade entre o público de classe média.

O Estado dominado pelos militares, por sua vez, sabia que não podia sufocar completamente o cinema brasileiro, já cercado pela grande indústria de Hollywood, que dominava o mercado. Era preciso apoiar a indústria do cinema, sempre evitando que ela radicalizasse suas críticas ao regime. Para isso mesmo é que havia a censura.

Como os melhores e mais reconhecidos cineastas eram de esquerda, o regime se rendeu ao pragmatismo. Passou a financiar obras, sobretudo a partir de 1975, mesmo que elas não fossem a expressão pura da ideologia conservadora dos militares. A Embrafilme, órgão estatal fundado em 1969 que distribuía e produzia filmes brasileiros, desempenhou um papel importante na conquista de mercado para os filmes nacionais.

Os impasses sobre como falar do processo de modernização e de experiência autoritária pelo qual passava o Brasil foram radicalizados pelo chamado “Cinema Marginal”, alternativa dos cineastas com poucos recursos ou apoio governamental . Os marcos dessa tendência foram os filmes O Bandido da Luz Vermelha, de Rogério Sganzerla, Matou a Família e foi ao Cinema, de Júlio Bressane e A Margem, de Ozualdo Candeias.

Cena do filme O Bandido da Luz Vermelha
Cena do filme O Bandido da Luz Vermelha

Nesses filmes, a linguagem do humor e do grotesco era utilizada como base de novas alegorias sobre o Brasil, considerado um país absurdo, sem perspectivas políticas e culturais. Neles, não havia personagens heroicos ou dignos. Todos pareciam impostores e alucinados. As classes populares eram mostradas como grotescas e de mau-gosto, vitimadas pela desumanização da sociedade e sugadas pelo sistema capitalista. O herói não era mais o operário consciente, o camponês lutador ou o militante abnegado de classe média, mas o “marginal”, o pária social, o artista maldito, o transgressor de todas as regras.

Os cineastas ligados ao Cinema Novo, que em princípio recusaram tanto o cinema comercial quanto o radicalismo do cinema marginal, também foram em busca de novas expressões. Nesse processo até conseguiram ampliar seu público. Em 1969, Glauber Rocha ganhou o prêmio de melhor direção em Cannes, com O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro.

Nelson Pereira dos Santos, outro diretor consagrado, conseguiu realizar um dos mais importantes filmes da década, chamado Como era gostoso o meu Francês (1971). O filme é uma releitura da antropofagia cultural, tema em voga naquele momento. Se Macunaíma (Joaquim Pedro de Andrade), sucesso de 1969, era uma interpretação tropicalista do anti-herói de Mário de Andrade, o filme de Nelson Pereira, sutilmente retoma um viés crítico à tendência de abertura da cultura brasileira em relação às influências externas. Para isso, o filme veicula alusões sobre a derrota política de 1964 e os impasses da guerrilha de esquerda em curso no país.

Cena de Macunaíma protagonizada por Grande Otelo
Cena de Macunaíma protagonizada por Grande Otelo. Dirigido por Joaquim Pedro de Andrade, a adaptação da obra de Mario de Andrade também tornou-se um clássico da antropofagia e das continuidades do modernismo do início do século.

Inspirado na saga do alemão Hans Staden, que no século XVI passou quase um ano entre os Tupinambás, o filme muda o destino do personagem (nesse caso, um francês). Na vida real, Staden escapou de ser devorado pelos índios, enquanto no filme, o herói civilizador estrangeiro é comido, mas, antes de morrer, profere uma espécie de maldição contra os brasileiros que o devoraram.

Por outro lado, o ano de 1972 assistiu a duas importantes produções do cinema nacional. Os filmes Independência ou Morte, de Carlos Coimbra, e Os Inconfidentes, de Joaquim Pedro de Andrade, mostravam leituras diferentes de eventos e personagens históricos oficiais.

O primeiro filme assumia o discurso da história oficial, narrando os fatos de maneira linear e simplista, enfatizando os amores do imperador e tentando imitar o luxo das produções estrangeiras. Já Os Inconfidentes foi realizado dentro de uma concepção de cinema de autor, de produção barata e despojada. Utilizava-se do tema da Inconfidência Mineira para discutir a crise na esquerda brasileira e sua fracassada opção pela luta armada contra o regime militar. No filme, os revolucionários/inconfidentes se perdiam em ilusões de conquista do poder, projetos utópicos e discursos vazios, ao mesmo tempo em que se isolavam da população e dos trabalhadores (no caso, simbolizados pelos escravizados).

Um outro gênero cinematográfico surgiu no início dos anos 1970 e ficou conhecido como pornochanchada. Abordando o tema da sexualidade de uma forma mais questionável, do ponto de vista estético e dramático,  esses filmes eram produções muito baratas, feitas em estúdios improvisados, com atores e atrizes desconhecidos, a maioria deles sem talento dramático, mas com alguma beleza física.

As histórias eram variações dentro do mesmo tema: a traição conjugal, as estratégias de conquista amorosa, as moças do interior que se “perdiam” na cidade grande, as relações entre patrões e empregadas ou entre chefes e secretárias. Curiosamente, nem a censura oficial, nem os cineastas de esquerda gostavam dessa estética, julgada imoral pela primeira, e alienada e grotesca pelos segundos.

Na segunda metade dos anos 1970, o cinema brasileiro, apoiado pela Embrafilme, conseguiu uma razoável penetração no mercado nacional e até no internacional. Foi exercitada em várias produções uma interessante conjugação entre um tipo de cinema “de autor” (com linguagem mais pessoal e artesanal) e um mais “industrial” (com filmes tecnicamente bem feitos, com grande esquema de encenação). Essa prática parecia reverter a tendência à falta de público crônica que o nosso cinema sofria.

Nesse sentido, os filmes de Carlos Diegues, Xica da Silva (1975), e Bruno Barreto, Dona Flor e seus dois maridos (1976), foram os principais referenciais da época. Este último, aliás, se tornou na época o filme brasileiro mais visto de todos os tempos. Mesclando humor, erotismo e figurinos luxuosos, essas produções se tornaram grandes sucessos de bilheteria, até pelo fato de sugerirem uma abordagem mais leve da história, dos problemas e dos costumes brasileiros. Nesse sentido, sinalizaram outro caminho para a produção cinematográfica diferente do Cinema Novo e retomaram a um nível de produção mais sofisticado, a tradição do humor e da “chanchada”.

Uma das grandes revelações dos anos 1970 foi o diretor de cinema Hector Babenco. Argentino radicado no Brasil, fez dois filmes impressionantes sobre a realidade social brasileira: Lúcio Flávio, o passageiro da agonia (1978) e Pixote, a lei do mais fraco (1980). Mergulhando na vida de marginais, adultos e mirins, Babenco construiu uma denúncia hiper-realista sobre o sistema carcerário e sobre a lógica de exclusão e violência entre crianças e adolescentes abandonados, produzidas pela desigualdade socioeconômica e aliadas à falta de cidadania.

No final da década, Cacá Diegues realizou Bye-Bye Brasil (1979), que procurava conciliar crítica social e política com uma linguagem mais leve e bem humorada. O filme, sucesso de público e de crítica, contava a história de uma caravana de artistas pobres, a “Caravana Rolidei”, que percorria o interior do Brasil. A partir desse tema, Diegues apresentava um balanço crítico da modernização aliada aos princípios conservadores da sociedade brasileira dos anos 1970, plena de disparidades regionais e sociais, e os efeitos da indústria cultural no Brasil profundo.

Nelson Pereira dos Santos acompanhado de Jorge Amado na revisão do roteiro de Jubiabá
Nelson Pereira dos Santos acompanhado de Jorge Amado na revisão do roteiro de Jubiabá. Nelson Pereira adaptou Jubiabá, obra de Jorge Amado, na década de 1980. A fotografia simboliza os cruzamentos de referências entre literatura e cinema recorrentes durante a segunda metade do XX no Brasil.

Já próximo ao final do regime militar, o cinema brasileiro começou a construir uma memória fílmica da ditadura, sobretudo em filmes ambientados nos anos de chumbo. Em 1982, Roberto Farias dirigiu Pra Frente Brasil, que mostrava, com todo o realismo possível, a tortura que um cidadão comum e inocente, confundido com um “terrorista” de esquerda, sofria nas mãos de paramilitares. Mesmo evitando incriminar diretamente as Forças Armadas por toda aquela violência mostrada no filme, a obra causou muita polêmica e quase foi censurada.

O cinema documental também foi um importante espaço de reflexão a respeito da ditadura, sobretudo a partir dos anos 1980, conseguindo grande sucesso de público, com filmes como Jango (Silvio Tendler, 1984) e Cabra Marcado para Morrer (Eduardo Coutinho, 1984). O primeiro retomava a trajetória política e pessoal do presidente reformista derrubado em 1964, enquanto o segundo mergulhava nos vários caminhos trilhados pelas classes populares depois do golpe e da repressão que se abateu sobre militantes operários e camponeses.

Depois da crise dos anos 1980 e do começo dos anos 1990, os temas ligados à ditadura militar voltaram a inspirar dezenas de filmes brasileiros, não apenas no plano do documentário, mas também da ficção.

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