Atuação Profissional
estudante universitárioOrganização
Ação Libertadora Nacional (ALN)Filiação
Egle Maria Vannucchi Leme e José de Oliveira LemeData e Local de Nascimento
5/10/1950, Sorocaba (SP)Data e Local de Morte
17/3/1973, Rio de Janeiro (RJ)Alexandre Vannucchi Leme era estudante de Geologia da Universidade de São Paulo (USP), primeiro colocado no vestibular, e militante da Ação Libertadora Nacional (ALN), quando foi assassinado. Conhecido pelos amigos pelo apelido de “Minhoca”, o jovem estava tentando reorganizar o Diretório Central dos Estudantes (DCE) da USP, o que era ilegal na época. Tinha apenas 22 anos quando foi preso pelo DOI-CODI, em São Paulo, em 1973.
No dia seguinte à prisão, após ter sido submetido a sessões de tortura, foi encontrado morto numa das celas desse órgão da repressão. O Estado brasileiro divulgou duas versões para a morte de Vannucchi: que ele teria sido atropelado por um caminhão, e que teria se jogado na frente do veículo, numa atitude suicida. Em seu atestado de óbito, consta que ele morreu em decorrência de “lesão traumática crânio-encefálica”, decorrente do suposto atropelamento.
Dois dias depois que sua morte se tornou pública, seus pais souberam que o filho tinha sido sepultado como indigente no Cemitério de Perus, em São Paulo, numa cova comum. O corpo do jovem tinha sido coberto de cal para esconder as marcas das torturas que ele havia sofrido.
Sua morte teve uma grande repercussão, não apenas entre seus colegas, como também em toda a sociedade brasileira. O Conselho de Centros Acadêmicos declarou luto na USP e os alunos pressionaram o reitor Miguel Reale para que interviesse no caso. Ele solicitou informações sobre a morte de Alexandre, enviando um ofício à Secretaria de Segurança Pública do Estado. A resposta concedida não alterou em nada as informações que tinham sido divulgadas na imprensa, apenas reiterou a versão do atropelamento.
Cerca de 5 mil pessoas foram à missa celebrada em sua intenção na Catedral da Sé, pelo arcebispo de São Paulo Dom Paulo Evaristo Arns, no dia 30 de março de 1973, entre estudantes, artistas, autoridades, sindicatos e militantes contra a ditadura.
Foi justamente o sentimento de revolta contra o brutal assassinato do colega, somado à prisão de 44 alunos da USP, o que impulsionou o ressurgimento do movimento estudantil brasileiro. O cantor e compositor Gilberto Gil, chamado para denunciar essas prisões, fez um show na Escola Politécnica da USP, em que falou sobre política, movimento estudantil, arte engajada, imperialismo estadunidense, entre outros assuntos. O show, que devia durar apenas meia hora, teve mais de três horas, um gesto de desobediência civil, num dos momentos mais tensos da ditadura militar.
Em março de 1976, o DCE-Livre da USP finalmente foi criado, em assembleia, e batizado com o nome de Alexandre Vannucchi Leme.
Alexandre foi preso em 16 de março de 1973 por uma equipe de busca e apreensão do DOI-CODI/SP, conforme atesta relatório de Informações PB 024/75, da Agência Central do SNI, de 9 de junho de 1975. Sua prisão ocorreu no marco de um inquérito policial instaurado nesse órgão “para apurar as atividades subversivas da ALN, nesta capital, no qual se envolve Alexandre Vannucchi Leme”, segundo consta do Ofício nº 503/73-GD, do DOPS. No dia seguinte à sua prisão, Alexandre teria morrido em decorrência das feridas causadas por atropelamento de um caminhão. A notícia foi publicada nos jornais A Gazeta e Jornal da Tarde, em 23 de março de 1973, seis dias depois de ocorrido o suposto acidente. Essa divulgação tardia da morte foi justificada pela Informação nº 098896/73 do SNI, Agência de São Paulo, de 2 de abril de 1973, que indica que dessa forma se buscava “não prejudicar as diligências em andamento”. A nota foi publicada outra vez pelo jornal O Globo, em 1º de abril de 1973, e informava que Alexandre fora preso em 16 de março “por pertencer a uma organização subversiva autodenominada Ação Libertadora Nacional”. Segundo a nota, assinada pelo general Sérvulo Mota Lima, secretário de Segurança Pública, ao ser interrogado, Alexandre teria negado sua militância e se recusado a informar sua condição de estudante, assim como seu endereço. A publicação acrescentava que o militante havia denunciado seus companheiros e permitido assim a prisão de vários deles, que integravam uma célula estudantil na USP. Esses estudantes teriam confirmado “sua participação e suas ligações com Alexandre, que foi o elemento que os aliciou para o terrorismo”. Em 17 de março, Alexandre teria declarado um encontro, às 11 horas, com um companheiro no cruzamento das ruas Bresser com Celso Garcia, no Brás. Levado para o local, Alexandre teria entrado em um bar, enquanto os agentes aguardavam à distância. Depois de beber, o militante teria saído “em desabalada carreira, aproveitando-se de que o semáforo, recém-aberto, ainda permitia uma passagem arriscada”, momento em que teria sido atingido por um caminhão Mercedes Benz, dirigido por João Cascov, o que causou sua morte. A nota ainda listava as ações das que havia participado Alexandre, mas seus familiares puderam comprovar que na data e hora de uma dessa supostas ações, Alexandre estava anestesiado devido a uma cirurgia de apendicite. Apesar de a morte ter, supostamente, ocorrido em lugar público, declararam apenas quatro testemunhas: o motorista do caminhão, João Cascov; o garçom Alcino Nogueira de Souza, o engraxate André Cortes e Josué Sales Bitencourt. O primeiro testificou no DOI-CODI/SP, em 20 de março de 1973, que Alexandre era perseguido por uma multidão que gritava “pega ladrão!”, quando tropeçou e caiu em frente ao seu caminhão que se encontrava parado. Receoso da multidão, teria arrancado o veículo, mas no mesmo dia mudou seu depoimento e acrescentou que Vannucchi foi alcançado pelos policiais na queda. A segunda testemunha, Alcino Nogueira, declarou que Alexandre bebia cerveja quando de repente começou a correr. André Cortes, o engraxate com ponto na rua Bresser com a Av. Celso Garcia, declarou, em 22 de março, que tinha defeito de audição e não ouviu barulho de freada quando um indivíduo “estonteado” caiu sobre ele “e foi agarrado por dois outros indivíduos, que o levaram do local”. Em 20 de março, a família de Alexandre soube de sua prisão no DOPS/SP por um telefonema anônimo. Seu pai, José de Oliveira Leme, viajou para São Paulo e se dirigiu àquele órgão, onde foi informado de que não havia nenhum registro com esse nome. Indicaram que podia procurar informações no DEIC e no Degran, mas também não conseguiu nenhuma confirmação sobre a prisão de seu filho. Voltou para Sorocaba e em 23 de março retornou a São Paulo. No ônibus leu a notícia sobre a morte de Alexandre no jornal Folha de S. Paulo e dirigiu-se para o IML/SP. Nesse lugar foi informado de que já tinha sido enterrado como indigente no cemitério Dom Bosco de Perus e de que poderia obter certificado de óbito no DOPS/SP, o que só aconteceu em 26 de março. Embora existisse uma versão para a morte de Alexandre, seu pai recebeu informações contraditórias dos delegados Sérgio Paranhos Fleury, que confirmou o atropelamento, e Edsel Magnotti, que afirmou que ele havia se suicidado. As reais circunstâncias de morte de Alexandre foram esclarecidas pelos depoimentos de nove presos políticos na 1ª Auditoria Militar, em julho de 1973: Luís Vergatti, César Roman dos Anjos Carneiro, Leopoldina Brás Duarte, Carlos Vítor Alves Delamônica, Walkíria Afonso Costa, Roberto Ribeiro Martins, José Augusto Pereira, Luís Basílio Rossi e Neide Richopo. Segundo essas declarações, Alexandre foi torturado nos dias 16 e 17 de março por duas equipes do DOI-CODI/SP. A Equipe C, composta por Lourival Gaeta, o PM Mário, o investigador de polícia “Oberdan”, o carcereiro “Marechal”, e chefiada por “Dr. Jorge”, foi responsável pela tortura de Alexandre no dia 16. A Equipe A, composta por João Alfredo de Castro Pereira (“Dr. José” ou “Alemão”), “Dr. Tomé”, “Dr. Jacó”, “Rubens” e “Silva”, seviciou o estudante no dia seguinte. Ao meio dia de 17 de março, Alexandre foi jogado na cela-forte e por volta das 17h00, o carcereiro foi buscá-lo para uma nova sessão, quando descobriu que estava morto. As celas próximas àquela ocupada pelo militante foram evacuadas e o corpo ensanguentado, retirado. Os policiais informaram aos presos que Alexandre teria se suicidado com lâmina de barbear. Essas declarações também constam do Requerimento de Apuração dos Fatos feito pelo ministro do Supremo Tribunal Militar, Rodrigo Octávio Jordão Ramos, em 26 de abril de 1978 (apelação nº 40.192), que não foi aprovado pelos outros membros da corte. Segundo declaração de José Augusto Pereira: […] Ouvi durante o dia e à noite gritos de tortura […]. Num desses dias em que eu prestava declarações foi torturado, durante dois dias o Alexandre Vannucchi, estudante, e no final desses dois dias mandaram que a gente fosse para o fundo da cela para que não víssemos um preso que iria ser retirado de uma cela vizinha. Depois de retirado esse preso, vi os soldados lavando a cela e insinuavam que ele havia se suicidado com gilete, o que não creio, pois toda vez que nos era dada gilete para fazer a barba era imediatamente devolvida […]. Cristina Moraes de Almeida, presa no DOI-CODI/SP nos mesmos dias que Alexandre, relatou em depoimento colhido pela CNV em 4 de dezembro de 2013, em Nova Iorque, local em que reside, que em 16 de março, ele já não reagia mais quando ele desceu […] O Alexandre. Ele desceu. Ele não tinha mobilidade. Ele estava sentado. […] Eu vou para uma cela. Eu estava passando por um interrogatório por outro delegado. Que ele disse que se apresentou como juiz, mas era outro delegado que estava com o Fleury. Que eu não sei quem era. Eu os vejo tentando levar o Alexandre. Eu tinha passado por outra sala, no outro prédio. Você via a saída de quem passava por ali naquele prédio. […] No DOI-CODI. Em depoimento prestado à CNV em 21 de novembro de 2012, Marival Chaves Dias do Canto, ex-servidor do DOI-CODI/II Exército na época em que Vannucchi esteve preso, admitiu que ele foi morto nas dependências daquele órgão. Ao ser questionado se foi suicídio ou suposto suicídio, Marival respondeu: Suposto suicídio. […] O Vannucchi, a história que contam no DOI é que ele foi levado para a enfermaria, para fazer um curativo, se apossou de uma gilete e cortou o pulso, essa é a versão, mas isso não é verdadeiro. Essas pessoas morreram todas no pau de arara, todas sob interrogatório. Na carta de 23 de outubro de 1975, redigida por presos políticos do presídio do Barro Branco, São Paulo, ao então presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Caio Mário da Silva Pereira, denunciando torturas, mortes e desaparecimentos de presos políticos de 1969 a 1975, e indicando nomes e codinomes de 233 agentes da repressão, há a seguinte descrição: […] Dias depois, os torturadores exibiram a esses presos políticos [do DOICODI/II Exército] um jornal que noticiava a morte de Alexandre, “atropelado por caminhão” no bairro Brás, durante um suposto encontro com companheiros. O torturador Gaeta (“Mangabeira”) disse: “Nós damos a versão que queremos! Nesta joça mandamos nós!” Esses fatos acham-se denunciados em processo aforado na 1ª Auditoria da 2ª CJM de SP e julgado em 12/03/1975. A requisição de exame indica que o corpo de Alexandre foi encontrado às 17h00 de 17 de março de 1973, na rua Bresser, o que corrobora a versão divulgada pelos órgãos de repressão. Nesse documento há a solicitação para que o laudo seja remetido para o DOPS. Também a entrada do corpo no IML e a certidão de óbito atestam que Alexandre morreu em 17 de março de 1973. O laudo de exame de corpo de delito, assinado pelos médicos Isaac Abramovitc e Orlando Brandão, tem a data de 22 de março de 1973, enquanto o documento de encaminhamento para o cemitério de Perus é de 19 de março de 1971. Apesar de em toda a documentação de morte constar os dados de Alexandre, ele foi enterrado no cemitério Dom Bosco de Perus como indigente, sem caixão, em uma cova rasa forrada de cal virgem com o objetivo de acelerar o processo de decomposição do corpo. Neide Richopo, em depoimento ao jornal Folha de S.Paulo, de 27 de abril de 1978, atestou a morte de Alexandre no DOI: Além de ser torturada e de assistir torturas em outras pessoas, presenciou também o assassinato de um rapazinho no DOI, chamado Alexandre; que se ouviam os gritos de tortura de Alexandre durante dois dias e que, no segundo dia, ele foi arrastado, já morto, da cela onde ele se encontrava, e depois disso, os interrogadores apresentaram, pelo menos, três versões sobre a morte dele como sendo suicídio, sendo que a versão oficial é totalmente diferente das três anteriores, pois era a de que ele havia sido atropelado; que jamais poderia ser atropelado porque já estava morto quando saiu do DOI. Que tudo o que disse com referência à morte de Alexandre é porque encara isso como meio de coação psicológica. Se a interroganda não assinasse o seu depoimento, poderia acontecer com ela o mesmo que aconteceu com Alexandre. A família de Alexandre iniciou processo judicial de requerimento da exumação do corpo de Alexandre e solicitou um promotor público para acompanhar o Inquérito Policial aberto pelo DOPS/SP na 2ª Auditoria Militar, mas o processo foi arquivado pelo juiz Nelson da Silva Machado Guimarães. O assassinato de Alexandre causou revolta entre os estudantes da USP e na Igreja Católica, que se mobilizaram para realizar ações de protesto e homenagem ao companheiro. Os estudantes formaram uma comissão para apurar as circunstâncias de morte de Alexandre e da prisão de outros companheiros, decretaram luto e organizaram uma paralização simbólica com as demais faculdades da USP. Também anunciaram a realização de uma missa de 7º dia, que foi celebrada em 30 de março de 1973, na Catedral da Sé, pelo cardeal-arcebispo de São Paulo, D. Paulo Evaristo Arns, e o bispo de Sorocaba, D. José Melhado Campos. Apesar de as forças de segurança terem tomado o centro da cidade, mais de três mil pessoas conseguiram se reunir no ato religioso. Durante a liturgia, o compositor Sérgio Ricardo interpretou a canção “Calabouço”, que refere o assassinato de Edson Luís, ocorrido no Rio de Janeiro em 1968. A censura impediu que as manifestações pela morte de Alexandre fossem publicadas na imprensa, mas a partir delas o movimento estudantil iniciou sua reorganização. Em maio de 1973, Gilberto Gil, que acabava de voltar de seu exílio em Londres, foi convidado pelos estudantes a realizar um show em homenagem a Alexandre Vannucchi e de denúncia das prisões de 50 estudantes ocorridas dias antes. O encontro ficou marcado para o sábado, 26 de maio, na Escola Politécnica da USP. Gil, que deveria ficar apenas meia hora no evento, cantou e falou com a plateia durante três horas. Dias antes, em um show com Chico Buarque, a censura tinha cortado o áudio enquanto cantavam a música “Cálice”. Em resposta aos protestos, o general Sérvulo Mota Lima, já havia publicado em 1º de abril nota com a versão sobre a morte do estudante, mas nessa oportunidade acrescentou que o endereço de Alexandre não constava da documentação que portava, e que as investigações realizadas não tinham levado à sua residência. Como o corpo não fora reclamado 24 horas após a morte, havia sido enterrado. Os restos mortais de Alexandre foram trasladados dez anos depois de ocorrida a morte e em 24 de março de 1983 foi realizada uma missa na Igreja dos Dominicanos, em Perdizes, em memória de frei Tito de Alencar Lima, que se suicidou na França em decorrência de sequelas de tortura, e de Alexandre Vannucchi Leme. A morte de Alexandre foi relatada em diversos livros como Meu filho Alexandre Vannucchi de Egle Vannucchi Leme e José de Oliveira Leme; Alexandre Vannucchi Leme. Jovem, estudante, morto pela ditadura de Aldo Vannucchi, seu tio; e Cale-se, de Caio Túlio Costa. Em 12 de dezembro de 2013, a 2ª Vara de Registros Públicos do Tribunal de Justiça de São Paulo determinou, em sentença proferida pela juíza Renata Mota Maciel Madeira, a retificação da causa de morte de Alexandre Vannucchi Leme. O pedido tinha sido feito pela CNV em 8 de outubro de 2013, assinado pelo então coordenador José Carlos Dias, após requerimento feito pelos irmãos do estudante assassinado. De acordo com a decisão da magistrada, na certidão de óbito de Alexandre devia constar que sua morte decorreu de lesões provocadas por tortura.
Diante das investigações realizadas, conclui-se que Alexandre Vannucchi Leme morreu em decorrência de ação perpetrada por agentes do Estado brasileiro, em contexto de sistemáticas violações de direitos humanos promovidas pela ditadura militar, implantada no país a partir de abril de 1964. Recomenda-se a continuidade das investigações sobre as circunstâncias do caso, para a identificação e responsabilização dos demais agentes envolvidos.
O Estado brasileiro utilizou uma série de mecanismos para amedrontar a população, sobretudo aqueles que não estivessem de acordo com as medidas ditatoriais. Conheça os reflexos do aparato repressivo e os focos de resistência na sociedade.