Atuação Profissional
EstudanteOrganização
Ação Libertadora Nacional (ALN)Filiação
Anadyr de Carvalho Nacinovic e Mário Henrique NacinovicData e Local de Nascimento
25/3/1947, Rio de Janeiro (RJ)Data e Local de Morte
14/6/1972, São Paulo (SP)A versão dos órgãos de segurança sobre a morte de Ana Maria e outros dois militantes da ALN, Iuri Xavier Pereira e Marcos Nonato da Fonseca, foi divulgada nos jornais O Globo, Jornal do Brasil e Estado de S. Paulo nas edições de 15 de junho de 1972.
De acordo com a nota, “por volta das 14h, os agentes de segurança aproximaram-se dos terroristas, dando-lhes voz de prisão, tendo os citados terroristas reagido a bala de armas automáticas e metralhadoras”. Como consequência desse enfrentamento, teriam morrido “no local, os terroristas Iuri Xavier Pereira, Ana Maria Nacinovic Corrêa e Marcos Nonato da Fonseca”.
Ainda segundo essa versão, o cerco policial teria sido montado depois de uma denúncia com o objetivo de capturar indivíduos procurados pelas forças de repressão. O confronto armado teria ocorrido no restaurante Varella, no bairro da Mooca, em São Paulo (SP), onde os agentes de segurança localizaram quatro militantes da ALN – três dos quais morreram, enquanto o quarto, Antônio Carlos Bicalho Lana, conseguiu escapar.
Segundo documento do CIE, a Informação nº 0571/S- 102-A11-CIE, datada de 12 de junho de 1972, “após assalto à firma D. F. Vasconcelos, os órgãos de segurança desenvolveram intensas buscas na área da Grande São Paulo, e, em consequência, na manhã do dia 14 Jun 72, foram localizados 4 dos 5 terroristas que participaram do assalto a D. F. Vasconcelos, sendo reconhecidos os 4 antes nominados. Foi feito um cerco ao local, devido à alta periculosidade dos terroristas, os agentes de segurança passaram a vigiar e controlar os seus passos, aguardando um momento propício para efetuar as prisões. […] por volta das 14 horas, os agentes da segurança aproximaram-se dos terroristas, dando-lhes voz de prisão, tendo os citados terroristas prontamente reagido à bala de armas automáticas e metralhadora. No intenso tiroteio que estabeleceu, os terroristas conseguiram ferir: – dois agentes da Segurança; – a menina Irene Dias, de 3 anos de idade; Rodolfo Aschrman, que passava pelo local.”
Uma apostila da Escola Nacional de Informações (EsNI), de 1974, intitulada “Contra subversão”, inclui, na página 233, um croqui com detalhes da operação: em duplas, os agentes posicionaram-se dentro do restaurante, na carpintaria, no terreno ao lado do local e no telhado de um posto de gasolina, apoiados por um carro estacionado em uma das esquinas. Evidências, no entanto, contestam a versão da morte em tiroteio e indicam que os militantes foram vítimas de execução e, provavelmente, de tortura, nas dependências do DOI-CODI do II Exército (SP).
Apesar de tratar-se de confronto armado em local público, não foi realizada perícia de local que permitisse comprovar o suposto tiroteio, e os corpos dos militantes mortos não foram levados para o necrotério. Também não foram localizados documentos que indiquem a relação das armas utilizadas ou mostrem fotos do local, como também não foram encontrados exames de corpo de delito dos policiais ou dos transeuntes feridos, mencionados na nota divulgada.
Em depoimento prestado à Comissão da Verdade do Estado de São Paulo Rubens Paiva, em 24 de fevereiro de 2014, Francisco de Andrade, preso entre novembro de 1971 a novembro de 1972 na OBAN, declarou: “Bom, numa dessas voltas, porque, possivelmente, deve ser do meio da tarde pra frente, porque esses depoimentos eram sempre à tarde, né? Nunca aconteciam de manhã esses depoimentos oficiais no DOPS. Na volta de um desses depoimentos, quando o carro da OBAN parou no pátio de estacionamento… Parava num pátio, você vinha andando e entrava… Que é aqui nessa antiga delegacia aqui da Rua Tutoia. Tinha um pátio lá fora e você andava uma coisa meio aberta e entrava num portão de ferro que dava acesso à delegacia. Antes desse portão de ferro, na hora que a gente estava voltando, eu vi três corpos no chão, que era o Iuri, a Ana Maria e o Marcos. Mortos. Vestidos. Você sempre tem insistido nessa coisa que eles quando legalizam estão todos… Estavam lá. Também uma coisa como se tivesse acontecido naquele momento. Mas nesse dia, ali no pátio da OBAN estavam os três ali e eles estavam mortos. Isso eu tenho certeza, eu vi bem, eu conhecia muito bem.” Seu testemunho é corroborado pelas fichas de identificação de Ana Maria e Iuri Xavier, feitas no DOI-CODI do II Exército, que registram como data de entrada nesse órgão o dia 14 de junho de 1972.
Nas investigações realizadas pela CEMDP, o perito Celso Nenevê, após análise dos casos e dos materiais periciais disponíveis, recomendou a exumação e exame dos restos mortais dos militantes mortos. Os familiares decidiram promover por conta própria a exumação dos restos mortais de Ana Maria, Iuri Xavier e Marcos Nonato, que foram examinados pelo antropólogo forense Luís Fondebrider, da Equipe Argentina de Antropologia Forense, e pelo perito brasileiro Nelson Massini. A análise comparativa entre o laudo de necropsia, concluído no Instituto Médio Legal de São Paulo em 20 de junho de 1972, e o laudo produzido pelos peritos mencionados em janeiro de 1997 evidencia grandes contradições.
O laudo de exame de corpo de delito de Ana Maria, assinado pelos médicos Isaac Abramovitc e Abeylardo de Q. Orsini, corrobora a falsa versão da morte e indica que o corpo da militante estava sem roupas quando deu entrada no IML, situação pouco comum se considerado o fato de que morreu em tiroteio em lugar público. Constatou-se que no esqueleto de Ana Maria somente o fêmur esquerdo apresentava fratura peri mortem, ferimento que não causou a morte. Em contradição com o laudo realizado à época, que apontou dois disparos por arma de fogo, os peritos encontraram três projéteis. O laudo de 1972 tampouco fez qualquer referência às fraturas e as lesões que, após análise superficial das fotografias encontradas, aparecem visíveis no seio, no ouvido e no pescoço da vítima.
De acordo com o perito Celso Nenevê, outro aspecto que merece destaque é que, em todas as fotos encontradas, Ana Maria aparece com a boca entreaberta, expondo a arcada dentária superior. Essa condição sugere, segundo o profissional, a possibilidade de insuficiência respiratória, a qual poderia ser resultante de lesão em órgãos deste sistema. Como não consta exame interno, nada se pode inferir do motivo da boca estar entreaberta. Outrossim, cabe salientar que a lesão da região mamária direita poderia causar insuficiência respiratória, dependendo para tanto da intensidade (profundidade) e das características do agente causador.
Os restos mortais de Ana Maria Nacinovic foram entregues à família e foram sepultados no Cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro (RJ).
Diante das investigações realizadas, conclui-se que Ana Maria Nacinovic Corrêa foi executada por agentes do Estado brasileiro, em um contexto de sistemáticas violações de direitos humanos promovidas pela Ditadura Militar implantada no país a partir de abril de 1964, sendo considerada desaparecida para a CNV na medida em que seus restos mortais não foram identificados até os dias de hoje.
Recomenda-se a continuidade das investigações sobre as circunstâncias da morte de Ana Maria Nacinovic Corrêa, assim como a identificação dos demais agentes envolvidos no caso.
O Estado brasileiro utilizou uma série de mecanismos para amedrontar a população, sobretudo aqueles que não estivessem de acordo com as medidas ditatoriais. Conheça os reflexos do aparato repressivo e os focos de resistência na sociedade.