Cara a cara - 2 - jul. a dez. 78

Atuação Profissional

soldado do Exército

Organização

Ação Libertadora Nacional (ALN)

Filiação

Annette Cardoso Rocha e João de Deus Rocha

Data e Local de Nascimento

28/3/1949, em Belo Horizonte (MG)

Data e Local de Morte

15/3/1973, São Paulo

Arnaldo Cardoso Rocha

Arnaldo Cardoso Rocha

Arnaldo Cardoso Rocha morreu no dia 15 de março de 1973 na cidade de São Paulo.

 

Segundo a versão oficial divulgada em 16 de março de 1973 nos jornais Folha da Tarde, Jornal da Tarde, Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo, pouco antes das 14h30, Arnaldo Cardoso Rocha, Francisco Emmanuel Penteado e Francisco Seiko Okama foram vistos na rua Caquito, no bairro da Penha, São Paulo, por um carro da polícia que patrulhava a região. Ao receberem voz de prisão, segundo a versão oficial, teriam reagido com tiros. Dois deles teriam morrido no local, em frente ao número 247, e um conseguido fugir, mas foi morto perto do local, ao enfrentar a tiros outro grupo de policiais.

 

A versão oficial foi questionada na década de 1980, quando Iara Xavier Pereira e Suzana Keniger Lisbôa estiveram na rua Caquito em busca de informações. Conversando com alguns moradores da rua, souberam que dois meninos teriam assistido ao ocorrido e conseguiram localizar um deles, que relatou em detalhes o que viu enquanto andava de bicicleta com um amigo. Segundo eles, “[…] um rapaz moreno corria rua abaixo e, após cambalear, dobrara as pernas e caíra de bruços, quase em sua frente”. Ao tombar, foi imediatamente colocado no banco traseiro de um Volkswagen verde, ao lado de uma mulher com uma mecha de cabelos brancos, uma agente não identificada, mas que, segundo um testemunho, havia participado de outras operações de agentes do DOI-CODI/SP.

 

Cumpre destacar informação, constante no CEMDP, de que Arnaldo já tinha relatado aos companheiros que em outras ocasiões nas quais conseguiu escapar da perseguição dos agentes de segurança, estava presente uma mulher com uma mecha de cabelos brancos, semelhante à descrita pelo menino que testemunhou sua prisão. Pela descrição, pode-se evidenciar que a pessoa que vira cair era Arnaldo Cardoso Rocha. O laudo de necropsia de Arnaldo descreve sete tiros, dos quais dois provavelmente correspondem aos que o fizeram tombar junto à testemunha: um no terço inferior da coxa direita, que fraturou o fêmur, e outro no terço médio da tíbia direita. Outros dois tiros são dignos de nota: o tiro fatal foi no canto externo do supercílio direito, local idêntico registrado no laudo de Francisco Seiko Okama, e o outro causou diversas fraturas na mão direita, característica da lesão de autodefesa, quando o atirador está próximo à vítima prestes a ser executada.

 

Não foi realizada perícia de local, apesar da referência a um intenso tiroteio, e não foram localizadas fotos dos corpos dos militantes. Há indicativos, portanto, de que houve a intenção de executar os militantes, valendo acrescentar que no parecer da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos foram registradas outras fragilidades da versão dos órgãos da repressão, como “[…] as armas que teriam sido encontradas em poder dos militantes só foram formalmente apreendidas pela autoridade militar em 19 de março, quatro dias depois, e não há notícia de que tenham sido submetidas a exame pericial”.

 

Em depoimento, Amílcar Baiardi, preso no DOI-CODI/SP na época, afirmou que viu, pela janela, à distância, dois jovens feridos jogados na quadra de esportes daquele órgão da repressão, aparentemente sendo interrogados em meio a comemorações ruidosas dos agentes. Ali foram deixados por mais de uma hora, até serem recolhidos por um rabecão do IML. Amílcar calcula que os viu depois do meio-dia e ainda estavam com vida. Um tinha traços orientais e era chamado pelos agentes de “japonês”. Quando foi libertado, Amílcar teve acesso aos jornais e associou o fato à morte dos três militantes da ALN.

 

Uma informação divulgada dezenove anos depois veio por meio das matérias publicadas pela revista Veja (veiculadas em 20 de maio e em 18 de novembro de 1992), com base em depoimento do ex-agente do DOI-CODI/SP, Marival Chaves do Canto, que revelou como atuavam os infiltrados nas organizações clandestinas durante a ditadura, chamados de “cachorros”, que eram indivíduos que faziam parte da resistência, mas que, por diversas razões, passaram a colaborar com os órgãos da repressão, até com direito a salário e, em alguns casos, com contrato de trabalho. Encapuzados, alguns chegaram a interrogar colegas da mesma organização.

 

De acordo com as citadas reportagens da revista Veja, entretanto, Jota teria iniciado sua atuação como agente infiltrado no fim de 1972, sem, contudo, apresentar comprovação a respeito dessa informação. Em 2 de março de 1973, Arnaldo escapou de uma perseguição, ferido na perna, e o fato foi noticiado como um tiroteio envolvendo traficantes, conforme relatou o jornal Folha da Tarde, de 16 de março de 1973. Nesse dia, ele havia acabado de ter um encontro com Jota, evidenciando que o encontro dos órgãos de repressão política com os três militantes não foi casual, conforme a versão oficial. Isso ficou evidenciado pela notícia da revista Veja, de 20 de maio de 1992. Os militantes teriam sido entregues ao Instituto Médico-Legal sem calças, o que aponta que entre o tiroteio e a sua chegada ao IML passaram por algum lugar, provavelmente pelo DOI-CODI, conforme depoimento de Amílcar Baiardi.

 

O relator do caso na CEMDP, Luiz Francisco Carvalho, ainda acrescenta que nas notícias de jornais os três são identificados pelos seus codinomes, enquanto no registro do IML há o nome verdadeiro, o que leva a crer que os órgãos de segurança monitoravam e tinham todas as informações pertinentes sobre os três militantes. O laudo de necropsia elaborado na época demonstrou a ocorrência de sete tiros. No entanto, a análise pericial realizada pela CNV no laudo do Exame Necroscópico feito a época e no relatório de exame de antropologia forense realizado pelo Centro de Medicina Legal da USP, descobriu mais de 30 achados, ou seja, marcas, escoriações e equimoses que não foram relatadas a época. Mais grave é que, dentre os achados descritos no Laudo de Necropsia, não constam duas feridas produzidas por entradas de projeteis expelidos por arma(s) de fogo, localizadas na região parietal esquerda de Arnaldo Cardoso Rocha, sendo que outros dois atingiram sua cabeça e outra ainda a clavícula direita, que poderiam caracterizar evento compatível com execução. Junta-se a esta tese a simetria das feridas encontradas no corpo de Arnaldo, indicando que o mesmo foi vítima de intensa tortura, nomeadamente a conhecida por “falanga”, na qual a pessoa torturada recebe reiterados golpes nos pés e nas mãos produzidos por barras de ferro, cassetetes ou outros congêneres.

 

A família de Arnaldo Cardoso Rocha soube de sua morte pela televisão e na ocasião viajaram para São Paulo, conseguindo resgatar o seu corpo e enterrá-lo no Cemitério Parque da Colina, em Belo Horizonte. Arnaldo era casado com Iara Xavier Pereira, também militante da ALN, que na ocasião estava grávida. Arnaldo não chegou a conhecer o filho, Arnaldo Xavier Cardoso Rocha, nascido em 5 de setembro de 1973.

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