Atuação Profissional
estudanteOrganização
Ação Libertadora Nacional (ALN)Filiação
Helena Elias Xavier Ferreira e Trajano Xavier FerreiraData e Local de Nascimento
29/1/1947, São Paulo (SP)Data e Local de Morte
8/11/1968, Vassouras (RJ)Catarina Helena Abi-Eçab morreu no dia 8 de novembro de 1968, próximo ao município de Vassouras, no estado do Rio de Janeiro, aos 21 anos de idade.
No ano de 2000, a exumação de seus restos mortais comprovou que Catarina havia sido alvejada na cabeça por um projétil, sendo esta a causa efetiva de seu óbito, e não apenas a colisão do automóvel, onde o seu corpo foi encontrado ao lado do marido. A falsa versão divulgava que a causa da morte teria sido um acidente automobilístico, ocorrido por volta das 19h na altura do quilômetro 69, da rodovia BR 116, na estrada que liga o Rio de Janeiro à Bahia.
De acordo com testemunhas, João Antônio foi retirado do carro ainda com vida e, na sequência, morreu. No veículo, teriam sido supostamente encontrados uma metralhadora, munição, dinheiro, livros e documentos pessoais das vítimas. Consta no boletim de ocorrência que foi dado ciência à Polícia às 20h de 8/11/68: Três policiais se dirigiram ao local constatando que, na altura do km 69 da BR 116, o VW 349884-SP dirigido por seu proprietário João Antônio dos Santos Abi Eçab, tendo como passageira sua esposa Catarina Helena Xavier Pereira (nome de solteira), havia colidido com a traseira do caminhão de marca DE Soto, placa 431152-RJ, dirigido por Geraldo Dias da Silva, que não foi encontrado, mas, segundo relato próprio, era pai de um militar.
O casal de ocupantes do VW faleceu no local. Após os exames de praxe, os cadáveres foram encaminhados ao necrotério local. A versão noticiada pela imprensa afirmava ainda que o acidente teria se dado durante viagem de lua-de-mel do casal. Nas certidões de óbito de ambos a causa da morte estava registrada como “fratura de crânio com afundamento do crânio (acidente)”. As investigações empreendidas assinalaram, contudo, a existência de uma série de indícios que apontavam para a improcedência da versão oficial, segundo a qual a morte do casal teria ocorrido sem a participação de agentes do Estado.
Nesse contexto, no dia 20 de novembro de 1968, o jornal Última Hora divulgou trechos do depoimento de testemunhas do acidente que colocavam em xeque a versão dos órgãos estatais. Em matéria intitulada “Marighella. Polícia procura casal de estudantes”, uma testemunha, que manteve sigilo de sua identidade, revelou que o carro estava sendo perseguido na estrada antes de colidir. Nos dias seguintes, o mesmo jornal publicou “Esta confusa história da metralhadora”. O texto que segue à manchete traz o depoimento do investigador da Delegacia de Vassouras, segundo o qual “seria difícil um acidente ocorrer naquela altura da rodovia, uma vez que se tratava de um percurso reto de quatros quilômetros.”
Outra testemunha ouvida pelo jornal, Júlio Hofgeker, além de reiterar a impossibilidade de acidente naquele trecho da estrada, relatou ter observado várias balas de revólver pelo chão. Júlio, que era constantemente chamado para auxiliar a polícia fotografando acidentes e outras ocorrências, foi impedido, na ocasião, de fazer registro fotográfico das sacolas supostamente encontradas com o casal no local do acidente.
Ademais, segundo relato do proprietário do caminhão vitimado pela colisão, foi o Exército Brasileiro quem reparou o veículo. Posteriormente, em abril de 2001, denúncias feitas pelo jornalista Caco Barcellos levantaram a hipótese de que Catarina e João teriam sido executados com tiros na cabeça. O jornalista entrevistara o ex-soldado Valdemar Martins de Oliveira, que relatou ter visto o casal ser levado para um imóvel em São João do Meriti, onde funcionava um centro clandestino, ocasião em que teriam sido torturados e executados.
Segundo essa versão, o acidente não passaria de uma farsa para esconder a prática de tortura a qual Catarina e João Antônio teriam sido submetidos. Fundamentada nesse relato, a família de Catarina concordou em exumar seus restos mortais. O laudo da exumação, elaborado pela Polícia Técnica de São Paulo, contradisse a versão anterior e concluiu que sua morte foi consequência de “traumatismo crânio-encefálico” causado por “ação vulnerante de projétil de arma de fogo”. Mais recentemente, em depoimento à CNV, datado de 2 de abril de 2013, Valdemar Martins de Oliveira afirmou que teriam participado da ação as equipes de Freddie Perdigão e de outro agente chamado Miro, a quem não atribuiu identificação exata. Perdigão seria o responsável pelos tiros que executaram Catarina e João Antônio.
A CEMDP, ao analisar o caso, no ano de 2005, concluiu que ambas as versões – a que sustentava que o acidente teria sido causado por perseguição ao veículo; e a que afirmava que o acidente teria sido forjado para encobrir a prisão, tortura e execução do casal – eram verossímeis e indicavam que as mortes de João Antônio e de Catarina tinham ocorrido por ação de agentes do Estado brasileiro.
Belisário dos Santos Júnior, relator do caso na CEMDP, em testemunho dado à Comissão da Verdade do Estado de São Paulo Rubens Paiva, datado de 16 de maio de 2013, destacou que, naquela ocasião, a polícia política foi a primeira a chegar ao local do acidente. Afirmou, ainda, que não houve perícia de local nem mesmo laudo necroscópico. Nesse sentido, levantou a possiblidade de que as armas encontradas no carro tenham sido, na verdade, “plantadas” no local para justificar a morte e afastar a suspeita de participação do Estado no óbito. A existência de armas e munição com o casal foi amplamente explorada pelos veículos de comunicação, deixando evidentes as suposições policiais que associaram Catarina e João Antônio ao assassinato do capitão norte-americano Charles Chandler.
Tal fato se coaduna com o exposto por Valdemar Martins de Oliveira, quando de seu depoimento à CNV, sobre o empenho dos serviços de inteligência e das investigações para encontrar os responsáveis entre os movimentos de esquerda por essa morte. No escopo dessas operações, segundo Valdemar, o casal teria sido vigiado sistematicamente em uma casa na Vila Isabel nos dias que antecederam o acidente até serem aprisionados e mortos.
A atenção dos peritos ao conteúdo das supostas bagagens dos Abi Eçab é notável. Tudo foi minuciosamente listado e a metralhadora foi alvo de perícia rigorosa até ser identificada como arma pertencente à Polícia do Distrito Federal. A investigação desses pertences buscava ainda estabelecer vínculos com outros militantes, além de pistas para encontrar Carlos Marighella, ocasião em que se integraram à operação os agentes do DOPS/SP e DOPS/RJ.
Em 2014, a CNV elaborou um Laudo Pericial Indireto sobre o caso. As conclusões apontaram para a veracidade do acidente, ainda que não seja possível precisar com exatidão se houve perseguição ao carro, tampouco o estado de integridade física de Catarina e João Antônio antes do sinistro. Apesar de a colisão de fato ter ocorrido, o laudo pericial afirma, baseado no laudo da exumação anterior (2000), que Catarina ocupava o banco passageiro e veio a óbito por causa de um projétil de arma de fogo. O corpo de João Antônio, que guiava o carro no momento do acidente, não passou por exumação e perícia.
Segundo a análise feita pelo Núcleo de Perícia da CNV, as marcas de frenagem desenhadas no asfalto pelo Volkswagen ocupado pelo casal indicam a ocorrência da colisão e a tentativa de evitá-la, acionando o sistema de freios. Cabe ressaltar que, de acordo com o referido laudo pericial, as condições em que o casal viajava eram ideais. O trecho onde ocorreu o acidente era reto (cerca de quatro quilômetros), asfaltado, possuía mão dupla, pista “delimitada por acostamento seguido de margens composta de vegetação rasteira”, estava seca no momento da batida e “sem quaisquer irregularidades ou deformações”.
Somadas às condições da pista apresentadas no laudo, o fato de os automóveis também estarem em perfeito estado: “os freios funcionavam de forma satisfatória, haja vista que foram constatadas duas marcas pneumáticas de frenagem, de coloração escura, retilínea”. A análise questiona, portanto, a ocorrência de um acidente comum e indica a possibilidade de interpretações que levem em consideração a participação do Estado na tentativa de provocar a colisão automobilística.
Os restos mortais de Catarina Helena Abi Eçab foram enterrados no cemitério do Araçá, em São Paulo.
Diante das investigações realizadas, conclui-se que Catarina Helena Abi Eçab foi alvejada por um tiro, que, a despeito de não ser possível imputar sua autoria, é factível afirmar do esforço do Estado para omitir sua causa de morte, inclusive, atribuindo seu óbito a acidente automobilístico, envolto em contexto de sistemáticas violações de direitos humanos promovidas pela ditadura militar implantada no país a partir de abril de 1964.
Recomenda-se a retificação da certidão de óbito de Catarina Helena Abi Eçab, assim como a continuidade das investigações sobre as circunstâncias do caso para identificação e responsabilização dos demais agentes envolvidos.
O Estado brasileiro utilizou uma série de mecanismos para amedrontar a população, sobretudo aqueles que não estivessem de acordo com as medidas ditatoriais. Conheça os reflexos do aparato repressivo e os focos de resistência na sociedade.