Cara a cara - 2 - jul. a dez. 78

Atuação Profissional

estudante

Organização

Vanguarda Popular Revolucionária (VPR)

Filiação

Isaura Gomes da Silva e João Gomes da Silva

Data e Local de Nascimento

1/10/1947, Bom Conselho (PE)

Data e Local de Morte

entre 7 e 9/1/1973, Paulista/Abreu e Lima (PE)

Eudaldo Gomes da Silva

Eudaldo Gomes da Silva

Eudaldo Gomes da Silva foi morto, junto com outros cinco integrantes da VPR, entre os dias 8 e 9 de janeiro de 1973, no episódio conhecido como Massacre da Chácara São Bento, em operação conduzida pela equipe do delegado Sérgio Paranhos Fleury, do Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo (Dops/SP), com a colaboração do ex-cabo José Anselmo dos Santos, que era dirigente da VPR e atuava como agente infiltrado.

 

O “cabo” Anselmo era controlado por Fleury e suas ações eram acompanhadas por agentes do Estado, tendo contribuído com a captura e morte de vários militantes políticos. No momento em que Anselmo articulou a emboscada contra os seis integrantes da VPR, com o objetivo de desmantelar o movimento de guerrilha urbana no Nordeste do Brasil, já havia fortes suspeitas, dentro da organização, quanto à sua atuação como agente infiltrado.

A versão oficial, veiculada pela imprensa na época, registrava que os militantes tinham sido mortos durante um tiroteio travado com os agentes de segurança na Chácara São Bento. A partir de suposta delação de José Manoel da Silva, preso no dia 7 de janeiro, a polícia teria localizado o aparelho onde seria realizado um congresso da VPR. O Ofício nº 002/75-GAB/CI/DPF, de 17 de março de 1975, encaminhado pelo diretor do Centro de Informações do Departamento de Polícia Federal ao chefe da Agência Central do Serviço Nacional de Informações (SNI), relatou que os militantes foram mortos “[…] à bala quando do desbaratamento de um Congresso Terrorista em Recife/PE, no dia 08-01-73, no Município de Paulista no Loteamento São Bento […]”.

Pouco tempo depois do ocorrido, integrantes da VPR questionaram a versão divulgada e, em fevereiro de 1973, publicaram, no Chile, um pronunciamento no jornal Campanha, no qual afirmavam que a “Vanguarda Popular Revolucionária do Brasil não realizou tal congresso, que tal informação é um pretexto mentiroso para justificar o assassinato desses seis (6) lutadores da causa antifascista”. Na mesma declaração, responsabilizaram o “cabo” Anselmo pela delação dos militantes de Pernambuco.

Os órgãos de segurança registraram o pronunciamento da VPR na Informação nº 217/DIS-COMZAE-4 do Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (DEOPS/SP), e a encaminharam à Divisão de Informações de Segurança da 4ª Zona Aérea da Aeronáutica. Não obstante, a versão oficial foi mantida pelos relatórios das Forças Armadas enviados ao então ministro da Justiça, Maurício Correa, em dezembro de 1993.

Sobre Eudaldo, consta no relatório da Marinha: “JAN/73. terrorista e agitador. Foi morto em Paulista/PE, em 08/01/73, ao reagir a tiros e à voz de prisão dada pelos agentes de segurança. Do intenso tiroteio resultaram vários feridos”. As investigações realizadas pela CEMDP, pela Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câmara (CEMVDHC) e pela Comissão Nacional da Verdade (CNV) comprovaram que não houve tiroteio, que os militantes foram capturados em lugares e ocasiões diferentes e mortos sob tortura, de modo que o tiroteio foi somente uma encenação para justificar as mortes.

Um primeiro indício da falsidade da versão oficial pode ser extraído do Exame de Perícia em Local de Ocorrência, elaborado em 9 de janeiro de 1973 pelo Instituto de Polícia Técnica, uma vez que não faz menção a marcas de projéteis nos cômodos em que foram encontradas as vítimas, com exceção da cozinha que, segundo consta no exame, “apresentava vários orifícios produzidas por projéteis de arma de fogo”. Não se sustenta, tampouco, a ideia de que o aparelho foi localizado a partir de delação de José Manoel. A operação de captura dos militantes pelos órgãos de segurança, sob o comando de Fleury, foi possível graças à atuação de “cabo” Anselmo como agente duplo.

Essa atuação é comprovada pelo “Relatório de Paquera”, produzido pelo “cabo” Anselmo e enviado ao Dops/SP, em que relatava a rearticulação da VPR no Nordeste e o contato que estabeleceu com as vítimas antes da chacina, demonstrando a estreita vigilância policial a que estavam submetidos os militantes. O relato de testemunhas confirma que os militantes tinham sido presos antes da chacina.

 

Em depoimento prestado à CEMVDHC, Jorge Barrett Viedma, irmão de Soledad e, na época, simpatizante da VPR, narrou que Pauline e Eudaldo dormiram no “aparelho” de Anselmo no dia 7 de janeiro e que, na manhã do dia seguinte, todos saíram para o centro de Recife em carro dirigido por Anselmo, sendo que Pauline e Soledad foram deixadas na boutique de Sonja Maria Cavalcanti de França Lócio, em Boa Viagem (PE). Segundo Jorge, Anselmo deixou Eudaldo em um hotel para trocar dinheiro, onde possivelmente foi preso em uma emboscada.

Sonja Cavalcanti, proprietária da boutique Chica Boa, declarou à CEMDP, em 1996, que Pauline e Soledad foram capturadas em sua boutique por cinco homens que se diziam policiais e estavam em um carro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Sonja relatou que a ação foi muito violenta, que os homens espancaram Pauline, acertando-a até com coronhadas, e que as duas mulheres foram levadas amarradas. Sonja também prestou depoimento à CEMVDHC, no qual reconheceu o delegado Sérgio Paranhos Fleury como um dos responsáveis pela captura de Soledad e Pauline em sua boutique.

No mesmo dia em que elas foram capturadas, foram efetuadas as prisões de Eudaldo, de Jorge Barrett e sua esposa. Jorge Barrett relatou para a CEMVDHC que Fleury também participou da sua detenção. Houve, portanto, uma ação coordenada que resultou nas prisões, indicando que ao menos duas equipes atuaram na operação de cerco aos militantes. Ainda com relação à autoria, em depoimento prestado para a CNV em 30 de outubro de 2012, o ex-sargento do Exército Marival Chaves afirmou que, além do informante Anselmo e do delegado Fleury, a operação que resultou na prisão e morte do grupo da VPR contou com a participação, pelo Centro de Informações do Exército (CIE), de José Brant Teixeira, Paulo Malhães, Félix Freire Dias e Rubens Gomes Carneiro (o Laecato).

Também informou que a operação foi paga com recursos do CIE, com verbas descaracterizadas. Outro depoimento relevante foi prestado em 1996, à CEMDP, pela advogada Mércia de Albuquerque Ferreira, que teve acesso aos corpos das vítimas no necrotério. A advogada relatou que “todos os corpos estavam muito estragados, marcas de pancadas, cortes”. O Laudo de Perícia em Local de Ocorrência registrou que no corpo de Eudaldo foram observadas lesões “com característica de produzidas por projétil de arma de fogo: quatro na cabeça, sendo uma na região orbitária esquerda, uma na região frontal, uma na região protídeo-masseterina direita, e uma na região masseterina esquerda”.

Como observa o Relatório da morte de Eudaldo elaborado pela Comissão de Familiares, os quatro tiros na cabeça indicam o “estilo de execuções de pessoas indefesas”. Eudaldo foi enterrado como indigente, com identidade desconhecida, no Cemitério da Várzea, em Recife. Seus restos mortais ainda não foram localizados.

A CEMVDHC está realizando investigações sobre o local em que foram mortos os militantes da VPR, com apoio do testemunho e da colaboração de Jorge Barrett. As investigações ainda estão em curso, mas levantam indícios no sentido de que os militantes teriam sido mortos sob tortura em aparelho situado em Abreu e Lima e identificado pelos integrantes da VPR como Sítio São Bento, e não no local indicado como a Granja São Bento, localizada em Paulista, que corresponde ao lugar tradicionalmente apontado como cenário das mortes.

Segundo depoimento prestado por Jorge Barrett à CEMVDHC, havia um equipamento de recuo da VPR em Abreu e Lima, onde viviam Pauline e Eudaldo. Esse aparelho era chamado pelos membros da organização de Sítio São Bento, e deveria funcionar como um local para receber pessoas que estivessem em perigo de vida e para, eventualmente, levar futuros sequestrados. Em razão da suspeita de identificação do local pela repressão, Pauline e Eudaldo teriam ido para outro equipamento, situado em Rio Doce, onde era o aparelho de Soledad e de “cabo” Anselmo. A partir dessas informações, a CEMVDHC tem trabalhado com a possibilidade, ainda não confirmada, do aparelho em Abreu e Lima ter sido o local das mortes.

No depoimento prestado, Jorge Barrett sugere que a Granja São Bento, apontada oficialmente como local da chacina, teria sido utilizada pela repressão para a encenação das mortes, mas não corresponderia ao aparelho mantido pela VPR. Essa hipótese ganhou força após um trabalho de reconhecimento feito pela CEMVDHC em parceria com Jorge Barrett, que conseguiu identificar o local do Sítio São Bento. Testemunhos colhidos de moradores da região reforçam essa hipótese, uma vez que eles se recordam do local como “Sítio dos Cabeludos” e relatam ter presenciado os militantes levados amarrados, bem como os corpos retirados em redes.

No momento em que a CNV encerra as suas atividades, encontra-se em andamento um trabalho pericial realizado pela polícia científica de Pernambuco para avançar na identificação do local em confronto com os laudos e fotografias da época. Portanto, os resultados parciais das investigações conduzidas pela CEMVDHC apresentam indícios que apontam para a possibilidade de os militantes terem sido capturados em locais e momentos distintos e levados ao equipamento de recuo da VPR situado em Abreu e Lima, chamado Sítio São Bento, possivelmente para fazer o reconhecimento do local onde teriam sido torturados e mortos.

Sobre
Saiba mais sobre o projeto, realizadores e seus objetivos.
Apoio ao Educador
Aplique o conteúdo sobre a ditadura no Brasil na sala de aula para ampliar o estudo da História do Brasil e a formação da cidadania com o suporte de sequências didáticas e a promoção do protagonismo dos alunos. Consulte sequências didáticas que poderão auxiliar os educadores a trabalharem o tema da ditadura militar brasileira em sala de aula.
Projetos
Visite a galeria de projetos especiais realizados pelo Instituto Vladimir Herzog na promoção da Memória, Verdade e Justiça no Brasil, e na difusão de histórias inspiradoras de luta.
Acervo
Explore uma diversidade de conteúdos relacionados ao período da ditadura militar brasileira que ocorreu entre 1964 e 1985.
Memória Verdade e Justiça
Os direitos da Justiça de Transição promovem o reconhecimento e lidam com o legado de atrocidades de um passado violento e de um presente e futuro que precisam ser diferentes, para que se possa dizer: “nunca mais!”. Conheça algumas medidas tomadas pelo Estado e sociedade brasileiros para lidar com o que restou da ditadura de 1964.
Cultura e Sociedade
Apesar do conservadorismo e da violência do regime, a produção cultural brasileira durante a ditadura militar se notabilizou pelo engajamento político e desejo de mudança. Conheça um pouco mais sobre as influências do período em diversos setores da sociedade.
Repressão e Resistência

O Estado brasileiro utilizou uma série de mecanismos para amedrontar a população, sobretudo aqueles que não estivessem de acordo com as medidas ditatoriais. Conheça os reflexos do aparato repressivo e os focos de resistência na sociedade.