Atuação Profissional
psicóloga e professora universitáriaOrganização
Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8)Filiação
Eva Iavelberg e David IavelbergData e Local de Nascimento
7/5/1944, São Paulo (SP)Data e Local de Morte
20/8/1971, Salvador (BA)Iara Iavelberg foi psicóloga, docente e militante. Filha de uma tradicional família judia de São Paulo, casou-se aos 16 anos. Três anos depois, já mostrando seu perfil libertário e feminista, desafiou as tradições e se separou. Iniciou-se na política no movimento estudantil, em 1963, ao entrar na Faculdade de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), cujo centro acadêmico hoje leva seu nome.
Militou na Organização Revolucionária Marxista Política Operária (Polop), na Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), na VAR-Palmares e, finalmente, no Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), ao qual ingressou junto a seu companheiro, Carlos Lamarca. Iara e Lamarca se conheceram em abril de 1969, dois meses após a deserção do ex-capitão. O casal era um dos mais buscados pela ditadura militar, com fotos espalhadas por todo o país.
Após passarem alguns meses no Rio de Janeiro, ambos foram à Bahia. Lamarca foi mandado para o sertão e Iara para a capital. Em agosto de 1971, policiais cercaram o apartamento onde a militante estava escondida, no bairro de Pituba, junto a outros militantes. Iara conseguiu se refugiar no apartamento vizinho, mas posteriormente foi encurralada pela polícia.
Na versão do regime militar, Iara deu um tiro contra o próprio peito quando se viu diante da impossibilidade de fugir. O laudo – que posteriormente desapareceu – foi assinado pelo legista Charles Pittex, e o corpo foi entregue à família apenas um mês após sua morte. Seguindo as tradições judaicas, Iara foi enterrada em uma área específica do cemitério destinada a suicidas, com os pés voltados para a lápide, tradição entendida como uma desonra.
A teoria de suicídio, entretanto, nunca convenceu a família, incluindo seus dois irmãos, Samuel e Raul, também militantes. Após uma longa batalha a família pôde, em 2003, reiniciar um processo de investigação e realizar uma exumação do corpo de Iara. O legista Daniel Muñoz concluiu que a morte de Iara por suicídio era “improvável”, e seu corpo foi finalmente retirado da ala de suicidas do cemitério israelita. Mariana Pamplona, sobrinha de Iara, roteirizou o documentário Em busca de Iara, no qual, além de um perfil da tia, busca desvendar as circunstâncias de sua morte.
Iara Iavelberg foi morta no dia 20 de agosto de 1971.
De acordo com a narrativa apresentada pelas forças de segurança do Estado, especificamente no relatório da Operação Pajussara, o apartamento em que Iara se encontrava, no bairro da Pituba, em Salvador (BA), foi cercado por agentes militares e policiais comandados pelo DOICODI de Salvador, tendo à frente o então major do Exército Nilton de Albuquerque Cerqueira. Ao perceber o cerco ao apartamento, Iara se refugiou no apartamento vizinho.
Segundo a versão do DOI-CODI, na iminência de ser capturada, Iara teria cometido suicídio, como consta no relatório da Operação Pajussara: “no dia 19/08/1971 foi montada uma operação pelo CODI/06 para estourar este aparelho (…). Iara Iavelberg, a fim de evitar sua prisão e sofrendo a ação dos gases lacrimogêneos, suicidou-se”. Sabe-se que no início da década de 1970, Iara era uma das pessoas mais procuradas pelos órgãos de segurança do Estado em decorrência de seu envolvimento com Carlos Lamarca.
A montagem da Operação Pajussara começou a ganhar contornos mais claros a partir da descoberta do diário de Lamarca e de cartas que ele havia escrito para Iara, encontradas em poder de militantes do MR-8. As informações extraídas a partir das páginas do diário de Lamarca, associadas às declarações de militantes que haviam sido presos e torturados em Salvador, permitiram que os órgãos de repressão localizassem o apartamento de Nilda Carvalho Cunha e de Jaileno Sampaio Filho, no qual Iara estava escondida em Salvador.
Presa neste cerco ao apartamento, Nilda Carvalho Cunha, de apenas 17 anos, mais tarde, em 14 de novembro, morreu, vítima das torturas que sofreu por mais de dois meses. A verdade sobre a morte de Iara foi perseguida por seus familiares, que nunca se conformaram com a versão divulgada à época, de que ela teria cometido suicídio. Em parecer favorável ao deferimento do caso na CEMDP, Suzana Keniger Lisbôa afirmou que havia indícios de que Iara teria sido executada no próprio local do cerco policial.
Esta informação foi dada em depoimento prestado à CEMDP pelo jornalista Bernardino Furtado, em 23 de setembro de 1997, no gabinete do então secretário de Justiça do Estado de São Paulo, Belisário dos Santos Jr., no qual afirmou: “[…] quando entrevistou o dr. Lamartine [Lima] visando obter informações sobre o laudo cadavérico de Lamarca; nessa ocasião o médico lhe relatou o seguinte: o sargento Rubem Otero confidenciou-lhe que […] participou do cerco ao apartamento de Iara Iavelberg; que quando já se encontravam dentro do apartamento, sem que tivessem encontrado qualquer pessoa, perceberam que a porta de um dos cômodos se encontrava fechada; o sargento teria disparado uma rajada de metralhadora contra essa porta, não tendo havido qualquer reação dentro do referido cômodo, o sargento chutou a porta e ali encontrou uma mulher agonizando […]”.
O depoente ouviu de Leônia Cunha, irmã de Lúcia Bernardete Cunha, que era hospedeira de Iara naquela época, a seguinte informação: “a senhora Evandir Rocha, conhecida por Vanda, zeladora do edifício naquela época, relatou a Leônia que ouviu Iara gritar que se entregava às forças da repressão, tendo em seguida ouvido os tiros”. O contra-almirante Lamartine Lima declarou que Rubem Otero não lhe confessara ter atirado em ninguém, e dissera apenas que disparara sua arma.
A proprietária do apartamento 202, Shirlei Freitas Silveira, também foi ouvida pela CEMDP, pois oito dias após a morte de Iara esteve no local para verificar o estado do apartamento, e afirmou que havia outros três tiros no banheiro onde Iara supostamente teria se suicidado com um único tiro. Ivan Pugliese, uma das pessoas que prestou depoimento à CEMDP, sobre o caso de Iara, declarou: “quando saía para o trabalho, ouvi os tiros que mataram Iara. Atiro desde os 12 anos e reconheço estampido de armas. Eram armas diferentes, de cano curto. Provavelmente uma pistola automática e um revólver”.
O caso de Iara foi apresentado inicialmente em 2 de dezembro de 1997, na CEMDP, com voto favorável da relatora, Suzana Keniger Lisbôa, no entanto, o general Oswaldo Pereira Gomes pediu vista. Ao ser colocado em votação em 5 de maio de 1998, com voto do general pelo indeferimento, foi incluído pela relatora um “Adendo ao Voto” inicial, contendo parecer criminalístico elaborado pelo perito Celso Nenevê.
As versões oficiais sobre o fato foram contestadas, por causa das contradições existentes e os indícios que indicavam a intenção de falsear a causa de sua morte, entre eles a divulgação do “suicídio” um mês depois da morte de Iara, em escassas linhas, com o anúncio das mortes de Carlos Lamarca e de José Campos Barreto, e o desaparecimento dos documentos relativos ao episódio.
Não foi realizada à época nenhuma perícia de local, nem exames papiloscópicos para comprovar a causa mortis de Iara. As fotos do local (constantes do documento 2/1971, do Serviço de Informações da Polícia Federal), onde Iara supostamente teria cometido suicídio, não apresentam indícios que comprovam a versão oficial. Não foram divulgadas fotos da arma utilizada no suicídio, e não foi localizado o projétil que provocou a morte da militante, bem como o banheiro no qual Iara foi morta encontrava-se limpo logo após o evento, tampouco foi produzido um relatório dos eventos que ocorreram no cerco policial.
Outra contradição em relação à versão de suicídio está nos relatórios das Forças Armadas que, em 1993, foram encaminhados ao ministro da Justiça, e apresentavam divergências nas versões sobre a morte de Iara: enquanto o da Marinha afirmou “[…] foi morta em Salvador (BA), em ação de segurança” o da Aeronáutica asseverou que “[…] se suicidou em Salvador (BA) […] no interior de uma residência, quando esta foi cercada pela polícia”. O laudo necroscópico de Iara não foi encontrado no Instituto Médico Legal (IML) Nina Rodrigues, da Bahia, e não há sequer o registro de entrada do corpo. A CEMDP buscou exaustivamente os documentos relativos à morte de Iara.
Nilmário Miranda esteve pessoalmente em Salvador e colheu vários depoimentos. Em diversos contatos telefônicos com o diretor do IML em 1971, Lamartine Lima, foi informado de que havia duas vias do laudo de Iara, uma entregue à Polícia Federal (PF) e outra enviada ao comando da 6ª Região Militar. Em 1997, o diretor do IML afirmou em ofício para a CEMDP que o órgão não dispunha de cópia e que o laudo original fora entregue à PF, enviando à Comissão Especial cópia dos rascunhos, feitos por Charles Pittex por ocasião da necropsia.
O laudo descrevia com minúcias até as roupas que Iara usava, mas não incluiu informações precisas capazes de esclarecer se Iara se suicidou ou foi assassinada. Não fez qualquer referência quanto ao tipo, à descrição e à localização dos ferimentos. Apenas citou a lesão característica de disparo a curta distância, na região mamária esquerda e a saída próxima à região lombar. Na descrição detalhada das vestes, não mencionou os vestígios que caracterizariam o disparo, nem tampouco manchas de sangue. Tanto em seu rascunho quanto no atestado de óbito, o legista colocou uma interrogação ao lado da versão de suicídio.
A Comissão da Verdade Rubens Paiva de São Paulo realizou audiência pública sobre o caso Iara Iavelberg no dia 4 de março de 2013, com a participação de Samuel Iavelberg (irmão); Mariana Pamplona (sobrinha e roteirista do documentário Em busca de Iara); Flávio Frederico (diretor do documentário Em busca de Iara); Daniel Muñoz (médico) e Luiz Eduardo Grenhalgh (advogado da família de Iara). Os depoimentos revelaram que a sociedade Chevra Kadisha, responsável pelo Cemitério Israelita do Butantã, dificultou ao máximo a exumação dos restos mortais de Iara.
Em 2003, finalmente o corpo foi exumado, sendo responsável pela necropsia dos restos mortais o médico Daniel Romero Muñoz, e o novo laudo confirmou que Iara foi assassinada. “A descrição do laudo necroscópico oficial não é compatível com suicídio”, disse Muñoz, professor da Faculdade de Medicina da USP. Na audiência pública, Munõz fez uma detalhada exposição dos exames que comprovam que Iara foi assassinada.
Diante das investigações realizadas, conclui-se que Iara Iavelberg morreu em decorrência de ação perpetrada por agentes do Estado brasileiro, em um contexto de sistemáticas violações de direitos humanos promovidas pela ditadura implantada no país a partir de abril de 1964.
Recomenda-se a continuidade das investigações sobre as circunstâncias do caso, tendo em vista a completa identificação dos envolvidos na morte de Iara Iavelberg.
O Estado brasileiro utilizou uma série de mecanismos para amedrontar a população, sobretudo aqueles que não estivessem de acordo com as medidas ditatoriais. Conheça os reflexos do aparato repressivo e os focos de resistência na sociedade.