Atuação Profissional
funcionário do frigorífico Pedro Hermanos na ArgentinaFiliação
Gilberte Camille Ribard Raya GarciaData e Local de Nascimento
4/8/1944, Gourgeon, Haute-Saône, FrançaData e Local de Morte
21/11/1973, Rio de Janeiro (RJ)Jean Henri Raya Ribard saiu de Buenos Aires entre os dias 14 e 16 de novembro de 1973, com destino ao Rio de Janeiro.
Segundo informações dos arquivos da Conadep, Jean Henri Raya Ribard viajou em um ônibus da empresa Pluma com Antonio Luciano Pregoni e Antonio Graciani. De acordo com a petição de habeas corpus de Jean Henri Raya às autoridades de segurança brasileiras feita por Lino Machado, a pedido de Gilberte e Mabel, Raya ingressou no Brasil pela cidade de Uruguaiana, no dia 18 de novembro de 1973, chegou a Porto Alegre de onde escreveu à sua esposa, Mabel Alicia Bernis de Raya.
Chegou no dia 21 do mesmo mês no Rio de Janeiro, antigo Estado da Guanabara, de onde se correspondeu novamente com Mabel e indicou o endereço em que se encontrava – Avenida Atlântica, nº 3150, apartamento 204, Copacabana. Desde então, Mabel Bernis não recebeu mais notícias de Raya.
Após não ter recebido nenhum contato em seu aniversário, em 3 de dezembro, Mabel Bernis começou as buscas por seu marido. Tal como expôs em audiência pública da Comissão Nacional da Verdade, no dia 11 de outubro de 2013, em São Paulo, Mabel recebeu uma ligação de um brasileiro que não se identificou e que, em um encontro, revelou que Jean, naquele momento, estava vivo e em uma prisão na Rua Barão de Mesquita no Rio de Janeiro.8
Assim, Mabel Bernis viajou com sua sogra, Gilberte Camille Ribard Raya Garcia, para o Rio de Janeiro, onde chegaram no dia 7 de setembro de 1974. Mabel contratou Lino Machado Filho, advogado conhecido de presos políticos, e ele solicitou informações às autoridades, mas não obteve êxito. Mabel decidiu entrar com o pedido de habeas corpus de Jean e, pouco tempo depois, regressou a Buenos Aires após sugestão de seu advogado que temia pela sua segurança.
De acordo com o pedido de habeas corpus, funcionários do prédio identificados no endereço da carta enviada do Rio de Janeiro reconheceram fotografias e confirmaram que Jean havia lá residido e de lá desaparecido. O pedido foi dirigido aos comandos do Exército, sendo destinado aos Comandos Regionais da Aeronáutica e da Marinha em todo o país, à Polícia Federal, às secretarias de Segurança Pública e aos DOPS nos estados e territórios.
O Supremo Tribunal Militar (STM) argumentou que não havia “indicação precisa da autoridade coatora”. Da mesma forma, o procurador-geral do Ministério Público da União na Justiça Militar, Ruy Lima Pessoa, em despacho ao relator do habeas corpus no STM, general Augusto Fragoso, insistiu na necessidade da indicação da autoridade coatora. Em resposta a outro despacho do general Augusto Fragoso, em que o STM solicitava novamente a indicação da autoridade coatora, Lino Machado afirmou que: “As prováveis autoridades coatoras serão as sediadas no Estado da Guanabara [hoje Rio de Janeiro] e as de São Paulo, já acostumadas a ‘sequestrar’ cidadão no Rio, como aconteceu recentemente com a advogada Dra. Flora, fato do conhecimento do Egrégio Tribunal. Quando do affaire Rubens Beyrodt Paiva, as negativas de prisão só sucumbiram quando o impetrante de ontem e de hoje ofereceu a prova da prisão negada sempre: o seu veículo no pátio do 1º Batalhão da Polícia do Exército, na Rua Barão de Mesquita. Mas já era tarde porque o paciente jamais apareceu. De resto, Eminente Ministro, a solução simplista recomendada pelo Ilustrado Dr. Procurador Geral, plena de conceitos jurídicos e filigranas desatende ao escopo do remédio heroico, que, por sê-lo assim, na lição de Ruy, não fica submetido a regras processuais que o ilidiriam, tornando-o inócuo e ineficaz.”
A família insistiu em descobrir o paradeiro de Jean, mas a investigação judicial não prosperou. Em 22 de novembro de 1974, o Ministério Público negou o pedido de habeas corpus e reafirmou que: “[…] Deve o impetrante dirigir-se ao órgão policial competente, encarregado de descobrir o paradeiro das pessoas desaparecidas no país”.
Documentos do Centro de Informações do Exterior (CIEX), do Ministério das Relações Exteriores, abertos à consulta pública pelo Arquivo Nacional no ano de 2012, lançaram luz sobre os desaparecimentos do francês Jean Henri Raya Ribard e do argentino Antonio Luciano Pregoni, ocorridos no Brasil no final de novembro de 1973, assim como sobre sua conexão com os sequestros dos brasileiros Joaquim Pires Cerveira e João Batista Rita, que tiveram lugar em Buenos Aires no dia 5 de dezembro do mesmo ano.
Há informações circunstanciais, que não puderam ser confirmadas pela CNV, de que o desaparecimento de Joaquim Pires Cerveira, João Batista Rita, Juan Raya e Antonio Pregoni estaria relacionado também ao desaparecimento, em 21 de novembro de 1973, em Copacabana, no Rio de Janeiro, de Caiupy Alves de Castro, que teria mantido contatos com Cerveira no ano de 1971, no Chile.
Em um despacho do STM de 25 de novembro de 1974, no qual se julga prejudicado o pedido de habeas corpus de Jean Henri Raya, o ministro-relator Augusto Fragoso afirma: “Esclarecia a petição que o paciente havia mantido, quando na Argentina, relação com brasileiros refugiados…”. Entretanto, não há qualquer menção na petição referente a algum brasileiro, seja ele refugiado ou não. Vários documentos indicam que Abraham Guillén e Alicia Eguren foram contatos comuns aos argentinos que desapareceram no Rio de Janeiro e aos brasileiros sequestrados em Buenos Aires.
Abraham Guillén, escritor e militante espanhol, foi combatente da Guerra Civil Espanhola (1936-1939) que se refugiou na França durante a Segunda Guerra Mundial. Em depoimento à CNV, Mabel Bernis confirma que Abraham Guillén e o pai de Jean haviam se conhecido na Guerra Civil Espanhola (1936-1939) e eram amigos. Mabel Bernis afirma que a influência de Guillén sobre seu marido é inquestionável. Guillén mudou-se para a América Latina nos anos 1950, e foi uma importante influência entre os Tupamaros e outros grupos insurgentes.
Documento do CISA de 18 de abril de 1967 expõe lista de pessoas envolvidas com os tupamaros do Uruguai, a qual inclui Abraham Guillén e Antonio Pregoni, entre outros. Segundo esse documento, Abraham Guillén é considerado um vínculo entre os guerrilheiros uruguaios e “o grupo Militar de asilados”, além de ser também contato de Leonel Brizola e Cândido Aragão, dentro outros asilados brasileiros. Em testemunho prestado à CNV, o cidadão argentino Julio Cesar Robles, militante da resistência peronista na década de 1960 e 1970, confirmou os encontros em Buenos Aires entre o grupo liderado pelo major Joaquim Pires Cerveira e o grupo de Juan Raya e Antonio Luciano Pregoni.
Segundo Julio Robles, o primeiro encontro ocorreu na confeitaria Richmond, na Rua Florida em Buenos Aires, poucas semanas após o golpe contra Salvador Allende no Chile. Robles também confirmou que Jean Raya, Antonio Pregoni e outro argentino conhecido pelo apelido de “El Salteño”, que acredita ser Antonio Graciani, viajaram ao Brasil em novembro de 1973, possivelmente na companhia de um dos brasileiros que integravam o grupo de Cerveira e também de outro cidadão de nacionalidade chilena.
No dossiê das atividades de Alberto Conrado Avegno – agente infiltrado do CIEX, há um documento de 2 de maio de 1974, no qual o agente recebeu a “incumbência e responsabilidade da dirigente revolucionária peronista de esquerda, Alicia Eguren”, para “apurar o que porventura pudesse ter ocorrido com os três argentinos que viajavam para o Brasil a meados de novembro de 1973” e que, até então, não haviam aparecido. O agente afirma, em seu relatório, que autoridades militares estiveram envolvidas na operação que levou aos desaparecimentos dos argentinos na Guanabara e dos brasileiros Joaquim Pires Cerveira e João Batista Rita em Buenos Aires.
Nesse mesmo arquivo do CIEX, encontra-se um documento secreto de 14 de dezembro de 1973, que também aponta o coronel Floriano Aguilar Chagas como envolvido nessa operação, a qual levou ao desaparecimento tanto do major Joaquim Pires Cerveira e João Batista Rita, sequestrados em Buenos Aires, como dos argentinos na Guanabara.
Diante das investigações realizadas, conclui-se que Jean Henri Raya Ribard desapareceu em virtude de ações perpetradas por agentes do Estado brasileiro, em contexto de sistemáticas violações de direitos humanos promovidas pela ditadura militar, implantada no país a partir de abril de 1964.
As circunstâncias do desaparecimento de Jean Henri Raya evidenciam a articulação entre os serviços policiais brasileiros e argentinos e o trabalho clandestino desses para monitorar, perseguir e sequestrar exilados políticos no Cone Sul.
Recomenda-se a continuidade das investigações sobre as circunstâncias do caso, para a localização de seus restos mortais, identificação e responsabilização dos demais agentes envolvidos.
O Estado brasileiro utilizou uma série de mecanismos para amedrontar a população, sobretudo aqueles que não estivessem de acordo com as medidas ditatoriais. Conheça os reflexos do aparato repressivo e os focos de resistência na sociedade.