Atuação Profissional

operário

Organização

Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares)

Filiação

Eliza Joaquina Maria da Silva e Antônio José da Silva

Data e Local de Nascimento

2/4/1949, Sertanópolis (PR)

Data e Local de Morte

23/9/1969, São Paulo (SP)

João Domingos da Silva

João Domingos da Silva

João Domingos da Silva morreu em São Paulo, no dia 23 de setembro de 1969, em circunstâncias ainda não completamente esclarecidas.

 

De acordo com a versão oficial apresentada pelos órgãos de repressão, no dia 29 de julho de 1969, João Domingos e Fernando Borges de Paula Ferreira estariam em um automóvel Aero Willys, no Largo da Banana, na Barra Funda (SP). Teriam sido identificados por agentes do Departamento Estadual de Investigações Criminais do estado de São Paulo (DEIC-SP), ao que teria se seguido o confronto armado.

O confronto teria resultado na morte de Fernando Borges de Paula Ferreira e causado ferimentos em João Domingos, que conseguiu fugir e se refugiar na casa da irmã, na região de Osasco (SP). No mesmo dia, contudo, policiais civis efetuaram a prisão de João, que apresentava ferimentos graves decorrentes do confronto. Em decorrência dos ferimentos, os agentes do DEIC teriam levado João Domingos para o Hospital das Clínicas, onde foi submetido a exame de corpo de delito no dia 4 de agosto de 1969.

De acordo com o laudo do exame, assinado pelos médicos José Francisco de Faria e Abeylard de Queiroz Orsini, João Domingos apresentava um único ferimento por arma de fogo, além de “vários ferimentos corto-contusos na região occipital”. João foi submetido a uma delicada cirurgia e apesar de apresentar risco de morte, foi transferido do Hospital das Clínicas para o Hospital Geral do Exército (HGE). Apesar dos esforços dos familiares, que insistentemente procuraram as autoridades do Hospital Geral do Exército solicitando informações, nada lhes era dito. As autoridades militares diziam que nada sabiam sobre o caso.

Pouco mais de um mês após a prisão de João, sua irmã, Iracema Maria dos Santos, foi procurada, quando o estado de saúde de João já era terminal, para que autorizasse a realização de uma cirurgia de emergência. De acordo o depoimento de Iracema: “João chegou em casa baleado. Estava ensanguentado e limpamos rápido o corpo e amarramos uma faixa para estancar o sangramento. Era apenas um buraco de bala no peito, um pouco abaixo do mamilo esquerdo. A bala não tinha chegado a atravessar o corpo, ficando parada nas costas. Sentimos que a casa estava sendo cercada por mais de 50 viaturas da polícia. Levaram-no para o Hospital das Clínicas. Alguns dias depois fiquei sabendo que o Exército o tinha seqüestrado. Fui várias vezes ao Hospital Geral do Exército e diziam que não estava lá. Depois de 33 dias que o tinham tirado de minha casa, foram ao meu serviço, dizendo que ele estava muito mal, que tinha passado por uma cirurgia e que ia ter que repetir, mas que precisavam da assinatura de alguém da família. […] Quando entrei fui tomada de um pânico tão grande que eu nem acreditava […] que aquele esqueleto humano que estava na minha frente era meu irmão”.

Além do ferimento registrado pelo exame de corpo de delito realizado durante a permanência de João Domingos no Hospital das Clínicas, o laudo do exame necrológico, assinado por Octávio D’Andrea e Orlando Brandão, registrou outros ferimentos, tais como cicatrizes cirúrgicas, escaras de decúbito na região sacra e mais um ferimento por projétil na região vertebral, terço inferior. A CEMDP, ao julgar o processo relativo ao caso entendeu, a partir do confronto entre os dados do laudo de exame de corpo de delito com os dados do laudo de exame necroscópico, que João Domingos, preso com um ferimento no tórax e levado ao Hospital das Clínicas, foi submetido a tortura e maus tratos ao ser transferido para o HGE, onde morreu em consequência de “ferimentos perfuro-contundentes no abdômen”.

Segundo análise da relatora do caso na CEMDP, Suzana Keniger Lisbôa, em seu parecer de 1996, no início de 1969 a repressão política ainda se articulava para compor o aparato organizado que viria a se formar na década de 1970. Por isso, ainda se preocuparam em buscar Iracema, irmã de João, para que ela testemunhasse que “cuidavam” do irmão. Após os votos da relatora e do conselheiro Nilmário Miranda, favoráveis ao reconhecimento da responsabilidade do Estado, e do general Oswaldo Pereira Gomes, contrário, Luís Francisco Carvalho Filho pediu vistas ao caso.

Foi então expedido ofício ao Hospital Geral do Exército em São Paulo, onde João esteve internado e morreu, do qual se obteve a seguinte resposta: “Não consta de prontuário, ou no livro de entrada e nem ficha de internação médica hospitalar do referido paciente, na data e período provável mencionado de sua entrada e mesmo durante esse ano”. Em pedido análogo feito ao Hospital das Clínicas, o deputado federal Nilmário Miranda obteve a seguinte declaração da Divisão de Arquivo Médico do Hospital das Clínicas de São Paulo: “Consta nos Arquivos deste Hospital que o paciente João Domingues da Silva, registro nº 902.993, foi internado em 30.07.69, tendo obtido alta nesse mesmo dia. Ferimento por arma de fogo. Diagnósticos: Ferimento de região abdominal por projétil de arma de fogo; ferimentos de estômago, fígado, diafragma e pulmão. Conduta: Tratamento clínico; em 30.07.69: Laparotomia exploradora, esplenectomia, sutura de estômago, fígado, diafragma e pulmão. Consta no resumo mecanizado de alta do paciente como médicos que o atenderam: Dr. Okumura, Dr. Fujimura, Dr. José Mário Reis e Dr. Medeiros (anestesista)”.

Em resposta a pedido de informações da CEMDP, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo encaminhou cópia de documentos oriundos do antigo DOPS, localizados no Arquivo do Estado de São Paulo: 1. Cópia truncada de reportagem publicada em 31 de julho de 1969 pelo jornal A Gazeta, sob o título “Homens do bando da metralha estão caindo nas mãos da lei”. A reportagem confirma o depoimento da irmã, no sentido de que João foi preso em sua residência. Informa que ele estava internado no Hospital das Clínicas e que as investigações estavam em desenvolvimento. 2. Boletim de ocorrência do 23º Distrito Policial, de 29 de julho de 1969, sobre o episódio que culminou com o ferimento sofrido pela vítima. Foi registrado por solicitação telefônica, às 23 horas. Os ocupantes do veículo, onde estariam João e outra pessoa, identificada como Sérgio Luiz Motta ou Humberto Turra, reagiram a tiros à abordagem policial. Sérgio ou Humberto foi morto no local. João, ferido, conseguiu fugir, mas foi detido posteriormente na cidade de Osasco. Informa, ainda, que três feridos foram socorridos no Hospital das Clínicas, não especificando se João era um deles. 3. No trecho do denominado Relatório Especial de Informações no 23, do Quartel General do Exército em São Paulo, datado de 1o de agosto de 1969, poucos dias depois da prisão, há um capítulo dedicado a João Domingos da Silva. Relata como ele teria sido preso e submetido a leve interrogatório em face de seu estado de saúde. A importância da prisão está delineada no item cinco do mesmo documento: “A prisão de João Domingos da Silva permitiu o levantamento de mais uma base da VPR. Tal terrorista, convenientemente interrogado, quando seu estado de saúde permitir, poderá fornecer novos dados que conduzam à desarticulação de novas bases e a prisão de seus integrantes”.

 

Foram fornecidas, ainda, cópias da certidão de óbito, dando conta de que a requisição foi do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), e de diversos outros documentos relacionados com a militância de João Domingos. Não foi encontrada na documentação nenhuma referência ao local exato do óbito, que se supõe ser o Hospital Geral do Exército. Foi solicitado também um parecer médico para se compreender melhor as diferentes lesões registradas no laudo de corpo de delito (exame realizado no Hospital das Clínicas, no dia de sua internação) e no laudo cadavérico do IML (Instituto MédicoLegal), e suas eventuais incompatibilidades.

Foi possível recompor em parte a trajetória de João Domingos da Silva nos últimos dias de vida: “vítima de tiroteio, em 29 de julho, no bairro da Barra Funda, São Paulo, ao ser baleado, fugiu. Foi para a casa da irmã, enfermeira, em Osasco, onde recebeu os primeiros cuidados e acabou sendo preso, no mesmo dia. Deu entrada no Hospital das Clínicas em 30 de julho e foi imediatamente submetido a exame de corpo de delito, constatando-se o ‘risco de vida’ e uma ‘laparatomia exploratória’, cirurgia de grande extensão, com ‘sutura de estômago, fígado, diafragma e pulmão’. Ao invés de ser levado para a UTI (Unidade de Terapia Intensiva), recebeu ‘alta’ no mesmo dia 30 para ser transferido ao Hospital Geral do Exército.

É possível concluir-se que a morte de João Domingos da Silva decorreu da ação de agentes do Estado, bem como pela omissão de atendimento hospitalar adequado. João Domingos da Silva foi sepultado no Cemitério de Osasco (SP).

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