Atuação Profissional
2º Sargento da AeronáuticaOrganização
Comando de Libertação Nacional (COLINA)Filiação
José Lucas Alves e Odília Pimenta AlvesData e Local de Nascimento
3/11/1935, Canhotinho (PE)Data e Local de Morte
6/3/1969, Belo Horizonte (MG)João Lucas Alves morreu no dia 6 de março de 1969, na Delegacia de Furtos e Roubos de Belo Horizonte, em decorrência das torturas sofridas.
O ex-sargento da Aeronáutica tinha sido preso no dia 8 de novembro de 1968 por agentes do SOPS (Serviço de Ordem Política e Social), órgão vinculado à Polícia Federal, tendo sido entregue à Polícia do Exército, na Rua Barão de Mesquita, que era chefiada pelo comandante Coronel O’Reilly. Segundo depoimento de seu advogado, Antônio Modesto da Silveira, João Lucas teria sido levado para a Polícia do Exército antes da edição do AI-5 e retornado, na sequência, ao SOPS, por determinação do Juiz Oswaldo Lima Rodrigues.
Em uma das visitas realizadas pela família no período em que esteve preso no Rio de Janeiro, o militante confidenciou à irmã, Yara Lucas Alves, que tinha medo de morrer nas mãos dos militares. Sem comunicação formal, João Lucas foi transferido para a Delegacia de Furtos e Roubos de Belo Horizonte, onde foi morto. A versão divulgada na época foi a de que João Lucas teria se enforcado na cela que ocupava, dentro da Delegacia de Furtos e Roubos de Belo Horizonte, usando a própria calça como instrumento para o suicídio. Essa versão foi corroborada pelo laudo necroscópico firmado pelos legistas Djezzar Gonçalves e João Bosco Nacif da Silva.
Em depoimento prestado à época dos fatos, o médico Antônio Nogueira Lara Rezende relatou que foi o policial José Lisboa, que estava de plantão na unidade no momento da ocorrência, que deu a notícia sobre a morte de João Lucas, afirmando que o óbito tinha sido decorrente de suicídio. O oficial José Pereira Gonçalves, com a ajuda do motorista Haydn Prates Saraiva, ficou responsável por levar o corpo para o Departamento de Medicina Legal.
O dossiê da investigação sobre a morte de João Lucas Alves, iniciada em 1972 e acompanhada pela Organização dos Estados Americanos (OEA) e pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), incluiu depoimentos dos legistas Djezzar Gonçalves e João Bosco Nacif da Silva, do policial militar José Pereira Gonçalves, dos funcionários públicos Haydn Prates Saraiva, José Lisboa e Luiz Soares da Rocha, e da mãe de João Lucas, Odília Pimenta Alves.
À exceção da mãe de João Lucas, os demais depoentes relataram que ele teria sido transferido para Belo Horizonte, em março de 1969, sob a responsabilidade de Luiz Soares da Rocha, superintendente do Policiamento Civil de Minas Gerais, e teria ficado isolado em uma cela da Delegacia de Furtos e Roubos de Belo Horizonte, com comunicação permitida somente por autorização do delegado Antônio Nogueira Lara Rezende, de Luiz Soares da Rocha e de José Lisboa. Os depoentes reafirmaram a versão de que João Lucas teria se enforcado com a própria calça e relataram que seu corpo teria permanecido quase uma semana na geladeira do IML e que, não tendo sido reclamado pela família, teria sido, então, sepultado no Cemitério da Saudade.
O depoimento de Odília Pimenta Alves, prestado em 11 de março de 1969, nega essas declarações. De acordo com seu relato, ela solicitou informações sobre João Lucas às autoridades do Departamento de Vigilância Social (DVS) em 8 de março de 1969, e recebeu a informação de que ele havia sido transferido para a Delegacia de Furtos e Roubos. Nesse local, viu lista de prisioneiros e foi informada de que os presos do DVS eram encaminhados ao Exército. Odília retornou a esse órgão, onde foi recomendada a procurar Luiz Soares da Rocha no Departamento de Investigações, mas não o encontrou.
Somente em 11 de março, ao retornar à Delegacia de Furtos e Roubos, recebeu a notícia da morte de João Lucas Alves, dias atrás, e do enterro já ocorrido. A versão de morte por suicídio pôde ser refutada à época dos fatos, a partir de denúncias de outros presos políticos que testemunharam as torturas sofridas por João Lucas, entre os quais Afonso Celso Lana Leite, Maurício Vieira de Paiva e Antônio Pereira Mattos.
Os presos descreveram que, durante as sessões de tortura, João Lucas teve os olhos perfurados e as unhas arrancadas e que os próprios policiais contaram aos outros presos sobre o ocorrido. Em documento de denúncia produzido pelos presos políticos e intitulado Testemunho de 12 presos políticos torturados, João Lucas é citado como vítima de tortura: “João Lucas Alves foi brutalmente torturado na Delegacia de Furtos, segundo os próprios delgados e investigadores daquela delegacia”.
Outros fatores chamam a atenção para tortura sofrida por João Lucas. Um deles é a foto anexada ao laudo necroscópico, em que é possível observar com clareza o hematoma existente no olho esquerdo da vítima, que não poderia decorrer de enforcamento. Além disso, a própria necropsia aponta para “Duas escoriações lineares alargadas [.]. Escoriações vermelhas [.]. Ausência da unha do primeiro pododáctilo esquerdo”. Toda a descrição expõe escoriações e hematomas que reforçam as denúncias sobre tortura.
Ainda assim, frente a esses fatos, os médicos legistas Djezzar Gonçalves e João Bosco Nacif da Silva assinaram a necropsia atribuindo “asfixia mecânica” à causa de morte. Ambos foram denunciados pelo Grupo Tortura Nunca Mais de Minas Gerais, porém o Conselho Regional de Medicina do estado de Minas Gerais arquivou o caso, sem que investigações fossem realizadas.
Em laudo produzido pela equipe de perícia da CNV a partir da documentação sobre o caso, os peritos concluíram que João Lucas foi vítima de homicídio por estrangulamento, pois no local de sua morte “não havia qualquer sistema engendrado pela vítima, [.] fato que inviabiliza o suicídio”. Os peritos constataram que o estrangulamento não foi realizado diretamente com as mãos do agressor, visto que não havia no pescoço qualquer evidência nesse sentido, mas sim por meio de um instrumento constritor, possivelmente a calça que, segundo o LEC [laudo de exame cadavérico], “envolvia o pescoço da vítima quando da realização da necropsia [.]”.
Para além da causa da morte, o laudo ainda concluiu que João Lucas foi submetido a torturas diversas, em função dos hematomas na região dos olhos, nos pés, nos glúteos e nos ombros. Os ferimentos nas falanges dos pés e a ausência de unhas nos dedos, segundo análise pericial, indica que ele pode ter sido submetido a uma técnica de tortura conhecida como “falanga”, consistente no espancamento repetido dos pés.
O corpo de João Lucas foi sepultado, primeiramente, sem o conhecimento da família. Apenas cinco anos após a morte foi possível realizar a exumação e o traslado do corpo, que foi então sepultado pela família no Cemitério de São João Batista na cidade do Rio de Janeiro.
Diante das investigações realizadas, conclui-se que João Lucas Alves foi morto em decorrência de ação praticada por agentes do Estado brasileiro, em contexto de sistemáticas violações de direitos humanos perpetradas pela Ditadura Militar, implantada no país a partir de abril de 1964.
Recomenda-se a continuidade das investigações sobre as circunstâncias do caso, para a identificação e responsabilização dos demais agentes envolvidos.
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