José Maria Ferreira de Araújo morreu em São Paulo no dia 23 de setembro de 1970, em circunstâncias ainda não esclarecidas. De acordo com a versão apresentada pelos órgãos de repressão, José Maria teria morrido ao reagir à prisão num terminal de ônibus no Anhangabaú, centro da capital paulista. Passados mais de 40 anos da morte de José Ferreira de Araújo, as investigações realizadas pela Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos e, mais recentemente, pela Comissão Nacional da Verdade revelaram a existência de indícios que permitem apontar a falsidade da versão divulgada pelos órgãos de repressão. Na véspera da morte de José Maria, agentes do DOI-CODI do II Exército teriam detido Mário de Freitas Gonçalves, militante da VPR, conhecido como Dudu, que informou sobre o encontro com Aribóia, conforme atestam documentos do órgão. Dudu consegue escapar durante o momento de prisão de José Maria e se torna o primeiro caso de desconfiança em relação a infiltrações na VPR. Pesquisas nos arquivos do DOPS/SP encontraram o documento intitulado ―Aos Bispos do Brasil‖, datado de fevereiro de 1973, e assinado pelo Comitê de Solidariedade aos Presos Políticos do Brasil (documento 30-Z-160-12706), em que consta a informação de que Edson Cabral Sardinha (codinome utilizado por José Maria) sofreu espancamentos, choques elétricos, torturas no pau de arara e morreu em decorrência dessas ações. Vários presos políticos do DOI-CODI/II Exército testemunharam o ocorrido. O documento cita como um dos responsáveis por sua morte o capitão Benoni Arruda Albernaz. De acordo com os testemunhos prestados por inúmeros presos políticos, com o fim de compor o documento ―Aos Bispos do Brasil‖, Edson Cabral Sardinha (um dos codinomes utilizado por José Maria Ferreria) foi submetido a brutais sessões de tortura, vindo a falecer em consequência delas. Referindo-se ao mesmo codinome, presos políticos do Presídio do Barro Branco denunciaram a morte de José Maria em carta encaminhada ao então presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Dr. Caio Mário da Silva Pereira, de 25 de outubro de 1975. A morte de José Maria Ferreira de Araújo também foi denunciada no I Congresso Brasileiro pela Anistia realizado na PUC/SP, em novembro de 1978. Somente em 1990, após a abertura da vala clandestina do cemitério D. Bosco, de Perus, na cidade de São Paulo, o verdadeiro nome de Edson Cabral Sardinha foi identificado e os familiares de José Maria notificados a respeito da correlação entre ele e o codinome. A descoberta ocorreu por meio de pesquisas da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos realizadas nos arquivos do IML/SP com a ajuda do ex-preso político Ariston Oliveira Lucena (falecido em maio de 2013), que identificaram o verdadeiro nome de Edson Cabral Sardinha através de uma foto encontrada por Maria Amélia Almeida Teles. Desta forma, restou comprovado que José Maria Ferreira de Araújo foi enterrado com o nome falso de Edson Cabral Sardinha na quadra 11, sepultura 119, do Cemitério de Vila Formosa I. O laudo necroscópico de José Maria, assinado por Sérgio Belmiro Acquesta e Paulo Augusto de Queiroz Rocha, aponta equimoses e escoriações no queixo — a única visível na foto de seu corpo encontrada nos arquivos — e, ainda, nos braços, região glútea e sacra, e em forma de colar em torno dos dois punhos. Para a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), as marcas identificadas são prova de que José Maria foi preso. Entretanto, no laudo os legistas afirmaram que não foi possível determinar a causa da morte, e aduzem duas hipóteses: morte por envenenamento com alguma substância volátil não identificada no exame toxicológico, ou a morte súbita em função da comoção causada pela prisão. Assim, na certidão de óbito de José Maria consta como indeterminada a causa da morte. Vale destacar que no laudo necroscópico, o nome de Edson Cabral Sardinha está identificado por um ―T‖ em vermelho (de ―terrorista‖), recurso utilizado pelos órgãos de segurança para segregar os corpos dos ativistas políticos dos demais que por lá passavam. As fotos do laudo mostram, ainda, claras marcas de torturas, o que comprova as denúncias feitas pelos presos políticos. Em documento de setembro de 1970, o coronel Lima Rocha solicitou que fosse enviado a ele ―foto, ficha datiloscópica, exame necrológico e atestado de óbito do terrorista morto em set./70, conhecido como Edson Cabral Sardinha (Aribóia)‖. No mesmo arquivo, foram encontradas fichas e fotos de Edson Cabral Sardinha e José Maria Ferreira de Araújo com o mesmo codinome de Aribóia, indicativos de que seria possível a identidade do corpo. Nos arquivos do DOPS/SP, foram encontrados documentos cujo conteúdo apresenta contradições em relação às circunstâncias da morte de José Maria. Enquanto em um documento se lê: ―[…] falecido em consequência de violento tiroteio que travou com agentes dos órgãos de segurança‖, a requisição de exame necroscópico afirma: ―[…] tendo sido preso por atividades terroristas faleceu ao dar entrada na Delegacia Distrital presumindo-se mal súbito‖. O delegado Alcides Cintra Bueno Filho informa aos seus superiores, em 7 de janeiro de 1971, que ―[…] não foi instaurado inquérito policial a respeito do óbito, dada a flagrante evidência da naturalidade do óbito. Diante do exposto, determino o arquivamento do presente, protocolado no Arquivo Geral deste Departamento, para fins de prontuário‖. Em 1993, o Ministério do Exército encaminhou um relatório ao ministro da Justiça, onde afirma: ―[…] José Maria utilizava-se do nome falso Edson Cabral Sardinha. Existe registro de sua Certidão de Óbito 31.153, livro 43-C-C-folha 124-V, expedida em 12 de julho de 1972, pelo Registro Civil do 9º Distrito Policial da Vila Mariana em São Paulo‖. A família encaminhou uma petição para a retificação da certidão de óbito. A sentença, inicialmente negada em função da falta do corpo, foi retificada em 28 de novembro de 1995, conforme apelação cível 183.086-1/1, que tramitou na Comarca de São Paulo. Seus restos mortais não foram encontrados devido às alterações na quadra onde ele foi enterrado, no Cemitério de Vila Formosa – SP. O irmão de José Maria Ferreira de Araújo, Paulo Maria Ferreira de Araújo, em um relato escrito para a audiência da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, conta como a família descobriu sobre a morte do irmão e quais são suas expectativas quanto ao esclarecimento do caso e o reconhecimento das ossadas: O relato mais significativo que a família teve foi a chegada do Paulo Conseva, o jornalista. Em artigo publicado no Correio de Pernambuco, Conserva insinuava conhecer a trajetória de Zé Maria, assim como sua permanência em Cuba, seu casamento com a Soledad Viedma e até mesmo o nascimento da filha Ñasaindy. A família, em polvorosa, solicitou a vinda do Paulo Conserva até João Pessoa para o encontro e pedido de esclarecimento. Foi feita uma gravação com mais de duas horas contendo informações preciosas e várias dúvidas. Viajar para Cuba para buscar a filha de Zé Maria foi o principal foco a partir de então.[…] Antes mesmo de comprar passagens ficamos conhecendo outros brasileiros que estiveram em Cuba, permitindo uma aproximação do Luiz Eduardo Greenhalgh que, após cuidadosa reticência, mandou avisar que a menina Ñasaindy já estava no Brasil.[…] Os dados da pesquisa e posterior encontro de informações sobre Zé Maria ganhou valiosas informações a partir dos arquivos do DEOPS, do IML de São Paulo e dos registros dos cemitérios. A denúncia feita através da comissão dos mortos e desaparecidos, à época da prefeita Erundina, está bem documentada e disponível para esclarecer alguns fatos. Existem, ainda, várias questões a serem respondidas, entre essas: até hoje a família não tem notícia de quem matou Zé Maria. O que aconteceu com as ossadas de Zé Maria? O laudo da morte elaborado no IML é falso e fraudulento em relação à realidade, como consertar aquele parecer médico? Outro aspecto que merece ser exposto foi a frustração da família com relação ao enterro de José Maria que acreditávamos seria exumado do Cemitério de Vila Formosa. Nada foi encontrado que pudesse ser identificado como sua ossada. Diante da morte e da ausência de identificação de seus restos mortais, a Comissão Nacional da Verdade entende que José Maria Ferreira de Araújo permanece desaparecido.
Diante das investigações realizadas, conclui-se que José Maria Ferreira de Araújo morreu em decorrência de ação perpetrada por agentes do Estado brasileiro, em contexto de sistemáticas violações de direitos humanos promovidas pela ditadura militar, implantada no país a partir de abril 1964, sendo considerado desaparecido para a CNV, uma vez que seus restos mortais não foram identificados até os dias de hoje. Recomenda-se a investigação das circunstâncias da prisão, morte e desaparecimento de José Maria Ferreira de Araújo, a localização dos seus restos mortais, a apuração das responsabilidades dos agentes da repressão envolvidos no caso, e a retificação e indicação da causa mortis na sua certidão de óbito.