José Silton Pinheiro morreu no dia 29 de dezembro de 1972 em ação comandada pelo Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) do I Exército, no Rio de Janeiro (RJ). De acordo com a versão oficial, José Silton e outros cinco militantes do PCBR teriam morrido em confronto armado com agentes das forças de segurança no dia 29 de dezembro de 1972. A nota, divulgada pelo serviço de Relações Públicas do I Exército somente na edição do Jornal do Brasil de 17 de janeiro de 1973, com o título Destruído o Grupo de Fogo Terrorista do PCBR/GB, informava que em ações simultâneas, realizadas em pontos diferentes da Guanabara, os órgãos de segurança, prosseguindo operações contra grupos terroristas remanescentes, desbarataram duas importantes células do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), que atuavam coordenadas nos bairros de Grajaú e Bento Ribeiro. As operações contra o grupo teriam se viabilizado graças a informações obtidas a partir da prisão de lideranças regionais do PCBR e da consequente apreensão de documentos relativos ao planejamento de ações futuras. Particularmente, a prisão de Fernando Augusto da Fonseca, importante quadro do PCBR, em Recife, no dia 26 de dezembro de 1972, teria possibilitado o desmonte do chamado “Grupo de Fogo do PCBR”, do qual José Silton fazia parte. Segundo a versão oficial, em seu interrogatório, Fernando Augusto teria fornecido às equipes de investigação informações sobre dois aparelhos do PCBR, localizados no Rio de Janeiro. De posse dessas informações, os agentes do DOI-CODI do IV Exército, em Recife (PE), teriam conduzido Fernando até o Rio de Janeiro, onde ele teria acompanhado um grupo de agentes a um encontro marcado com outros quatro militantes, no bairro do Grajaú. No mesmo momento, outra equipe teria se deslocado para o bairro de Bento Ribeiro, onde se situaria um aparelho do PCBR. No Grajaú, ao se aproximar do carro no qual estavam outros quatro militantes do PCBR, Fernando teria sido baleado por seus próprios companheiros que, percebendo o cerco policial, decidiram abrir fogo. Na sequência, um intenso tiroteio com as forças de segurança teria resultado na morte de José Bartolomeu Rodrigues, Getúlio de Oliveira Cabral e José Silton Pinheiro, cujos corpos teriam sido carbonizados dentro do veículo, incendiado em decorrência da troca de tiros. Um quarto militante teria conseguido escapar, mas nunca chegou a ser identificado. No segundo confronto, travado no “aparelho” localizado em Bento Ribeiro, dois militantes teriam reagido ao cerco policial com suas armas, inclusive granadas de mão, e acabaram mortos no tiroteio. De acordo com a nota oficial, as duas vítimas seriam Valdir Salles Saboia e Luciana Ribeiro da Silva, nome falso de Lourdes Maria Wanderley Pontes. As investigações realizadas pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) e pela Comissão Nacional da Verdade (CNV) revelaram a existência de indícios que permitem desconstituir a versão divulgada pelos órgãos da repressão. Documentos oficiais demonstram que, além de Fernando Augusto da Fonseca, cuja prisão foi oficialmente reconhecida, ao menos Valdir Salles Saboia também tinha sido detido pelos órgãos de segurança antes de morrer. Um Relatório do CISA sobre as atividades do PCBR lista, entre outras ações, um assalto a banco que teria ocorrido em outubro de 1972, na rua Marquês de Abrantes, no Rio de Janeiro. Segundo o relatório, as informações sobre essa ação tinham sido levantadas a partir de declarações de Fernando Augusto da Fonseca e Valdir Salles Saboia. Esse registro aponta para um contato de agentes da repressão com Valdir, anterior à morte do militante, o que indica que também fora detido e interrogado no final de 1972, contrariando a versão de tiroteio após o “estouro” de um aparelho. A prisão de Valdir Saboia é confirmada por outro documento do CISA, de 19 de março de 1973, que apresenta um extrato das declarações do militante, relacionando as ações do PCBR supostamente mapeadas a partir de seu interrogatório. Com relação à operação no Grajaú, que vitimou José Silton, a provável prisão anterior dos militantes e a encenação do tiroteio com a carbonização do veículo para encobrir suas mortes sob tortura ou execuções também são sustentadas pelo ex-preso político Rubens Manoel Lemos, que afirmou, em declaração prestada em 31 de janeiro de 1996, que Fernando Augusto da Fonseca (“Sandália”), José Silton Pinheiro e Getúlio de Oliveira Cabral “foram colocados, já mortos, dentro de um carro da marca Volkswagen, que foi incendiado (explodido) no Rio de Janeiro”. Em particular, Rubens Manoel declarou que José Silton “foi assassinado pela Ditadura Militar” e que não houve “enfrentamento, nem tampouco reação a qualquer ordem de prisão, pois José Silton Pinheiro já estava morto”. Essa declaração é endossada por outros testemunhos que chegaram ao conhecimento do então deputado federal Nilmário Miranda, enquanto membro da Comissão Externa para Mortos e Desaparecidos Políticos, e denunciaram a morte dos militantes no DOI-CODI do I Exército, no Rio de Janeiro. Soma-se a isso a análise dos registros fotográficos do local das mortes produzida pela equipe pericial da CNV, que concluiu que o carro foi carbonizado de dentro para fora, uma vez que o motor e o tanque de combustíveis estavam intactos. Segundo a avaliação dos peritos, tanto a distribuição da queima como a intensidade das chamas nos locais tingidos indicam que o fogo foi colocado no interior do veículo, tendo se propagado de dentro para fora. Além disso, é possível observar, pelas fotos, que o Fusca não apresentava perfurações de disparos em sua carroçaria. No caso das mortes de Valdir e Lourdes Maria no segundo suposto tiroteio, o caráter fantasioso do episódio narrado também se evidencia pela indicação do endereço da casa onde teriam sido mortos em Bento Ribeiro: trata-se da rua Sargento Valder Xavier de Lima, nome de um militar morto por militantes do PCBR, em 1970, em Salvador (BA). Além disso, como já observado pela CEMDP, as fotos da perícia técnica desmentem a versão de tiroteio, que teria envolvido inclusive o uso de granadas, no suposto aparelho em Bento Ribeiro. A análise das fotos demonstra que não há marcas de tiros na parede, e o corpo de Lourdes Maria aparece em um canto da sala, atrás de uma árvore de natal, que permanece com as bolas de vidrilho intactas. Outro indício de falsidade da versão oficial diz respeito ao encaminhamento dos corpos para o necrotério do Rio de Janeiro. De acordo com a versão divulgada pelos órgãos de segurança, os dois confrontos teriam ocorrido em horários distintos e em diferentes pontos da cidade: duas vítimas teriam morrido em Bento Ribeiro e as outras quatro no Grajaú, bairros que ficam a aproximadamente 15 quilômetros de distância um do outro. Seria esperado, portanto, que os corpos chegassem ao necrotério em momentos distintos. Não obstante, os documentos oficiais atestam que, ao contrário, todos os corpos deram entrada no Instituto Médico-Legal (IML), às 2h30 da madrugada do dia 30 de dezembro, em guias sequenciais, o que indica que foram recolhidos juntos. O corpo de José Silton foi carbonizado dentro do veículo e deu entrada no IML como desconhecido, embora os próprios órgãos de segurança tivessem conhecimento da sua identidade, posteriormente informada na nota oficial divulgada pela imprensa. O médico Roberto Blanco dos Santos, conhecido por assinar laudos fraudulentos, foi responsável pelo exame de necropsia dos seis militantes mortos. No verso da certidão de óbito de José Silton consta a frase manuscrita: “Inimigo da Pátria (terrorista)”. De acordo com a certidão, o corpo de José Silton foi enterrado no cemitério Ricardo de Albuquerque como indigente, em 6 de fevereiro de 1973. Seus restos mortais foram transferidos para um ossário-geral em 1978 e enterrados em uma vala clandestina entre 1980 e 1981, junto com 2.100 ossadas de indigentes sepultadas no mesmo cemitério. Embora não seja possível apontar as reais circunstâncias de morte dos seis integrantes do PCBR, fica demonstrada a falsidade da versão oficial divulgada à época com o intuito de encobrir a morte das vítimas por execução ou por decorrência de tortura. José Silton Pinheiro permanece sem seus restos mortais localizados e identificados sendo, portanto, desaparecido.
Diante das investigações realizadas, conclui-se que José Silton Pinheiro foi morto e desapareceu em decorrência de ação praticada por agentes do Estado brasileiro, em contexto de sistemáticas violações de direitos humanos perpetradas pela ditadura militar, implantada no país a partir de abril de 1964. Recomenda-se a retificação da certidão de óbito de José Sinton Pinheiro, assim como a continuidade das investigações sobre as circunstâncias do caso, para a localização e identificação de seus restos mortais e identificação e responsabilização dos demais agentes envolvidos.