Lincoln Bicalho Roque morreu após ter sido preso e torturado por agentes da repressão no Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna no Rio de Janeiro (DOI-CODI-RJ). Seu corpo foi localizado em 13 de março de 1973, próximo ao Pavilhão de São Cristóvão, no Rio de Janeiro, com pelo menos quinze ferimentos provocados por projéteis de armas de fogo. Os agentes do Estado divulgaram a morte em tiroteio de Lincoln Bicalho em 21 de março, cerca de dez dias após o suposto confronto. Os médicos Gracho Guimarães Silveira e Jorge Antunes Amorim realizaram a necropsia no Instituto Médico Legal (IML), confirmando a versão dos órgãos de segurança. O corpo de Lincoln Bicalho Roque foi entregue à família e seus restos mortais foram sepultados no Cemitério Jardim da Saudade, no Rio de Janeiro. Conforme laudo de exame cadavérico, a morte de Lincoln Bicalho ocorreu quando ele “reagia às forças de segurança”.i Embora contenha uma série de informações relativas ao estado físico do cadáver, o laudo não apresenta nenhuma indicação sobre a presença de pólvora nas mãos de Lincoln Bicalho, aspecto usualmente investigado em caso de homicídio em confronto com troca de tiros. Além disso, o laudo de exame de local de homicídio afirma que junto com o cadáver, ou nas proximidades do local da morte, “não foram encontrados quaisquer documentos, pertences ou outros elementos materiais (vestígios) de valor criminalístico que se pudesse relacionar ao evento”.ii Também não há registro da arma de fogo que supostamente teria sido usada por Lincoln para reagir às investidas dos agentes do Estado. João Luiz de Santiago Barbosa Quental, companheiro de Lincoln no PCdoB, preso em 6 de março de 1973 e levado para o DOI-CODI/RJ, declarou que, dias depois de sua prisão, foi transportado a São João de Meriti (RJ), local onde teria encontro com Lincoln. Ali testemunhou a prisão de Lincoln que foi imobilizado pelos agentes pelo cós das calças e pelos braços, e “que em nenhum momento esboçou reação a essa prisão”. Ainda afirmou que “na ocasião da prisão de Lincoln não ouviu nenhuma troca de tiros nem movimentação que pudesse sugerir resistência”.iii Depoimento prestado por Delzir Antônio Mathias à CEMDP ratifica a versão apresentada por João Luiz de Santiago, a respeito da prisão de Lincoln Bicalho. Delzir afirmou em seu testemunho que foi preso por agentes do Estado no dia 1º de junho de 1975, e que após sua prisão, foi imediatamente conduzido para um local, que não pôde identificar com certeza, onde as sessões de tortura foram intensas e prolongadas. Segundo seu relato, os torturadores diziam a Delzir que ele era uma pessoa muito corajosa, assim como o Lincoln; “que o Lincoln resistiu muito” e queriam passar o filme para que visse como o Lincoln havia ficado.iv O estado em que ficou o corpo de Lincoln ficou registrado nas fotos de perícias de local, que evidenciam sinais de tortura. Amílcar Barroso, que na época viu o corpo de Lincoln Bicalho desnudo, dentro de uma gaveta do IML, afirmou: ter observado o afundamento da face na região que circunda o olho direito do cadáver, que em função do traumatismo, um dos olhos estava mais fundo do que o outro, o corpo já estava em estado de putrefação (…) com mancha verde abdominal; que também havia mancha verde no pulso, formando marca que aparentava ter sido deixada por manietação, que a marca era esverdeada, grossa, regular em torno dos pulsos. v O “Laudo pericial indireto da morte de Lincoln Bicalho Roque”, elaborado pela CNV, confirma o depoimento de Barbosa Quental ao concluir que “o homicídio perpetrado contra o sr. Lincoln Bicalho Roque não se deu em decorrência de resistência armada”. Segundo o pronunciamento pericial da CNV, quando já caído e depois de atingido pelos primeiros projéteis, Roque recebeu ainda três tiros por trás – característicos de execução –, um deles na cabeça e dois no tronco, estes quando já se encontrava sem vida.vi Entre os documentos entregues pelo governo norte-americano à CNV, foi identificada mensagem intitulada “Detenções generalizadas e interrogatórios psicofísicos de suspeitos de subversão”, assinada pelo cônsul-geral dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, Clarence A. Boonstra. O documento explicava o endurecimento da repressão contra a oposição ao regime imposta pelo I Exército, no Rio de Janeiro, e informava que a versão oficial da morte de Bicalho Roque, tiroteio, foi utilizada pelos militares do I Exército para esconder que esta tinha sido decorrente das torturas no DOI do Rio de Janeiro.
Diante das investigações realizadas, conclui-se que Lincoln Bicalho Roque morreu em decorrência de ação perpetrada por agentes do Estado brasileiro, em contexto de sistemáticas violações de direitos humanos promovidas pela Ditadura Militar, implantada no país a partir de abril 1964. Recomenda-se a continuidade das investigações sobre as circunstâncias do caso, para a identificação e responsabilização dos demais agentes envolvidos.