A versão dos órgãos de segurança sobre a morte de Ana Maria e outros dois militantes da ALN, Iuri Xavier Pereira e Marcos Nonato da Fonseca, foi divulgada nos jornais O Globo, Jornal do Brasil e Estado de S. Paulo nas edições de 15 de junho de 1972. De acordo com a nota, “por volta das 14h, os agentes de segurança aproximaram-se dos terroristas, dando-lhes voz de prisão, tendo os citados terroristas reagido a bala de armas automáticas e metralhadoras”. Como consequência desse enfrentamento, teriam morrido “no local, os terroristas Iuri Xavier Pereira, Ana Maria Nacinovic Corrêa e Marcos Nonato da Fonseca”. ii Ainda segundo essa versão, o cerco policial teria sido montado depois de uma denúncia com o objetivo de capturar indivíduos procurados pelas forças de repressão. O confronto armado teria ocorrido no restaurante Varella, no bairro da Mooca, em São Paulo (SP), onde os agentes de segurança localizaram quatro militantes da ALN – três dos quais morreram, enquanto o quarto, Antônio Carlos Bicalho Lana, conseguiu escapar. Segundo documento do CIE, a Informação nº 0571/S- 102-A11-CIE, datada de 12 de junho de 1972, Após assalto à firma D. F. Vasconcelos, os órgãos de segurança desenvolveram intensas buscas na área da Grande São Paulo, e, em consequência, na manhã do dia 14 Jun 72, foram localizados 4 dos 5 terroristas que participaram do assalto a D. F. Vasconcelos, sendo reconhecidos os 4 antes nominados. Foi feito um cerco ao local, devido à alta periculosidade dos terroristas, os agentes de segurança passaram a vigiar e controlar os seus passos, aguardando um momento propício para efetuar as prisões. […] por volta das 14 horas, os agentes da segurança aproximaram-se dos terroristas, dando-lhes voz de prisão, tendo os citados terroristas prontamente reagido à bala de armas automáticas e metralhadora. No intenso tiroteio que estabeleceu, os terroristas conseguiram ferir: – dois agentes da Segurança; – a menina Irene Dias, de 3 anos de idade…; Rodolfo Aschrman… que passava pelo local.iii Uma apostila da Escola Nacional de Informações (EsNI), de 1974, intitulada “Contra subversão”, inclui, na página 233, um croqui com detalhes da operação: em duplas, os agentes posicionaram-se dentro do restaurante, na carpintaria, no terreno ao lado do local e no telhado de um posto de gasolina, apoiados por um carro estacionado em uma das esquinas.iv Evidências, no entanto, contestam a versão da morte em tiroteio e indicam que os militantes foram vítimas de execução e, provavelmente, de tortura, nas dependências do DOI-CODI do II Exército (SP). Apesar de tratar-se de confronto armado em local público, não foi realizada perícia de local que permitisse comprovar o suposto tiroteio, e os corpos dos militantes mortos não foram levados para o necrotério. Também não foram localizados documentos que indiquem a relação das armas utilizadas ou mostrem fotos do local, como também não foram encontrados exames de corpo de delito dos policiais ou dos transeuntes feridos, mencionados na nota divulgada. Em depoimento prestado à Comissão da Verdade do estado de São Paulo Rubens Paiva, em 24 de fevereiro de 2014, Francisco de Andrade, preso entre novembro de 1971 a novembro de 1972 na OBAN, declarou: Bom, numa dessas voltas, porque, possivelmente, deve ser do meio da tarde pra frente, porque esses depoimentos eram sempre à tarde, né? Nunca aconteciam de manhã esses depoimentos oficiais no DOPS. Na volta de um desses depoimentos, quando o carro da OBAN parou no pátio de estacionamento… Parava num pátio, você vinha andando e entrava… Que é aqui nessa antiga delegacia aqui da Rua Tutoia. Tinha um pátio lá fora e você andava uma coisa meio aberta e entrava num portão de ferro que dava acesso à delegacia. Antes desse portão de ferro, na hora que a gente estava voltando, eu vi três corpos no chão, que era o Iuri, a Ana Maria e o Marcos. Mortos. Vestidos. Você sempre tem insistido nessa coisa que eles quando legalizam estão todos… Estavam lá. Também uma coisa como se tivesse acontecido naquele momento. Mas nesse dia, ali no pátio da OBAN estavam os três ali e eles estavam mortos. Isso eu tenho certeza, eu vi bem, eu conhecia muito bem. v Seu testemunho é corroborado pelas fichas de identificação de Ana Maria e Iuri Xavier, feitas no DOI-CODI do II Exército, que registram como data de entrada nesse órgão o dia 14 de junho de 1972.vi Nas investigações realizadas pela CEMDP, o perito Celso Nenevê, após análise dos casos e dos materiais periciais disponíveis, recomendou a exumação e exame dos restos mortais dos militantes mortos. Os familiares decidiram promover por conta própria a exumação dos restos mortais de Ana Maria, Iuri Xavier e Marcos Nonato, que, foram examinados pelo antropólogo forense Luís Fondebrider, da Equipe Argentina de Antropologia Forense, e pelo perito brasileiro Nelson Massini. A análise comparativa entre o laudo de necropsia, concluído no Instituto Médio Legal de São Paulo em 20 de junho de 1972, e o laudo produzido pelos peritos mencionados em janeiro de 1997 evidencia grandes contradições. A requisição de exame e o laudo de exame necroscópico de Marcos corroboram a versão de tiroteio,vii enquanto a certidão de óbito indica como causa de morte “anemia aguda traumática”, tendo sido o corpo sepultado no cemitério da Guanabara.viii A comparação entre o Laudo de Exame Necroscópico de Marcos Nonato da Fonseca, datado de 20 de junho de 1972 e assinado pelos médicos legistas Issac Abramovitc e Abeylard de Queiroz Orsini,ix com os resultados da análise realizada pelos peritos contratados pelos familiares, evidencia incontornáveis contradições. O laudo produzido em 1972 reconheceu que Marcos apresentava: Ferimento com as características daqueles produzidos pela entrada de projétil de arma de fogo, localizado na linha média da face anterior da porção inferior da região cervical. O projétil, dirigido de frente para trás, de cima para baixo e da direita para a esquerda, fraturou a clavícula esquerda, transfixou o lobo superior do pulmão esquerdo provocou derrame hemorrágico na pleura esquerda, transfixou a omoplata esquerda e saiu pela região escapular esquerda. x De acordo com a interpretação dos peritos Issac Abramovitc e Abeylard de Queiroz Orsini, os ferimentos foram produzidos em tiroteio. Entretanto, no gráfico apresentado por Massini, anexado ao laudo, resta comprovado que os tiros foram disparados de cima para baixo e que, dada a localização dos ferimentos, estes não poderiam ter sido produzidos em tiroteio. Trata-se de ferimentos típicos de execução. O exame das fotos localizadas nos arquivos do DOPS/SP evidenciou, por outra parte, a existência de lesões indicativas de tortura, não descritas no laudo de 1972: “ferimento contundente com área equimótica na região mamária; equimoses profundas sobre os olhos, nariz edemaciado; ferimento corto-contuso próximo à axila esquerda”.xi Em audiência realizada pela Comissão da Verdade de São Paulo, em 24 de fevereiro de 2014, Iara Xavier Pereira afirmou que: Os agentes envolvidos na captura de Ana, Iuri e Marcos eram o então comandante do DOI-CODI, Carlos Alberto Brilhante Ustra, o senhor Pedro Lima Moêzia de Lima, o Dulcídio… Vocês veem que os nomes se repetem sempre, né? Dulcídio Wanderley Boschilia, Renada D’Andréa, Jair Romeu, Isaac Abramovitc, Abeylard de Queiroz Orsini, Arnaldo Siqueira e o declarante Pedro de Oliveira […]xii Os restos mortais de Marcos foram trasladados e sepultados no Cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro (RJ).
Diante das investigações realizadas, conclui-se que Marcos Nonato da Fonseca foi morto em decorrência de ação praticada por agentes do Estado brasileiro, em contexto de sistemáticas violações de direitos humanos promovidas pela ditadura militar, implantada no país a partir de abril de 1964. Recomenda-se a continuidade das investigações sobre as circunstâncias da morte de Marcos Nonato da Fonseca, assim como a completa identificação dos agentes envolvidos no caso.