Atuação Profissional
economistaOrganização
Ação Libertadora Nacional (ALN)Filiação
Nice Monteiro Carneiro Nehring e Walter NehringData e Local de Nascimento
20/9/1940, São Paulo (SP)Data e Local de Morte
24/4/1970, São Paulo (SP)Norberto Nehring, economista e professor da Universidade de São Paulo (USP), foi militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e, posteriormente, da Ação Libertadora Nacional (ALN), quando foi preso, torturado e morto. Casado com Maria Lygia Quartim de Moraes, teve uma filha, Marta Nehring, em 1964.
Deixou o PCB em 1968 para aderir à ALN com Carlos Marighella. No ano seguinte, foi preso durante dez dias, ocasião em que testemunhou a tortura de companheiros da ALN. Foi cercado em sua própria casa e levado a interrogatório por Romeu Tuma, então delegado do Departamento de Ordem Política e Social (Dops). Posto em liberdade, começou a atuar na clandestinidade, pois suspeitava que voltaria a ser perseguido.
Algum tempo após sua prisão, foi para Cuba receber treinamento para guerrilha. Em sua volta ao Brasil, um ano depois, foi interceptado por agentes da ditadura. Preso pelo delegado Sérgio Fleury, foi torturado até morrer. Segundo a versão oficial, elaborada à época pelo delegado Ary Casagrande e assinada por Romeu Tuma, Norberto Nehring teria se suicidado. Ele estaria em um hotel no centro de São Paulo (SP) quando se enforcou. No entanto, não houve perícia do local, laudo necroscópico nem fotos do corpo. Um familiar seu foi ao hotel apurar as circunstâncias da morte e foi informado de que ninguém jamais havia se suicidado lá.
Para justificar a própria versão, agentes do governo se valeram de uma carta deixada pelo ex-militante da ALN poucos dias antes de morrer. O documento, porém, era endereçado à esposa e à filha e narra a aflição dos últimos momentos de Nehring, ciente de que seria preso.
Em junho de 2013, entrou em uma lista da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República que continha 44 nomes de militantes cujas mortes durante a ditadura deixariam de ser classificadas como suicídio. Em setembro do mesmo ano, sua família requisitou à Comissão da Verdade do Estado de São Paulo que uma nova certidão de óbito fosse emitida, detalhando os abusos sofridos na prisão e dando como motivo da morte “causas não naturais em dependências policiais ou assemelhadas”.
Norberto Nehring morreu 24 de abril de 1970. De acordo com o relatório do 3º Distrito Policial de Campos Elíseos, datado de 21 de agosto de 1970, assinado pelo delegado Ary Casagrande, a polícia local recebeu o comunicado de um suicídio por enforcamento em um quarto do Hotel Pirajá, no centro de São Paulo, na data de 25 de abril de 1970. No entanto, o relatório da CEMDP registra a morte de Norberto em 24 de abril de 1970, quando outros militantes da ALN teriam visto o corpo de Norberto sair do DOPS.
Passados mais de 40 anos, as investigações sobre esse episódio revelaram a existência de inúmeros elementos de convicção que permitem apontar que a versão divulgada à época não se sustenta. Apesar do registro de suicídio, não foi realizada à época nenhuma perícia de local que permitisse a comprovação dessa tese. Não foi localizado laudo necroscópico, nem fotos do local ou do corpo de Norberto.
Ademais, o Hotel Pirajá, local do suposto suicídio, funcionava à época como um bordel, frequentado por policiais, nas proximidades da antiga estação rodoviária e do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS/SP). Um ano antes de sua morte, Norberto foi preso no DOPS/SP. Em janeiro de 1969, permaneceu na delegacia por dez dias, testemunhando o uso da tortura contra presos políticos. Um mandado de busca e apreensão foi apresentado em nome de sua mulher Maria Lygia, pelo delegado Newton Fernandes, que apreendeu uma quantidade significativa de livros e documentos pessoais na residência do casal. Posto em liberdade, Norberto passou a atuar na clandestinidade e, em abril de 1969, viajou para Cuba, para receber treinamento de guerrilha.
De acordo com documentos produzidos pelos órgãos de segurança e repressão da ditadura, Norberto integrava o chamado 2º Exército da Ação Libertadora Nacional (ALN), um pequeno grupo de militantes que havia recebido treinamento em Cuba, no período entre março e setembro de 1969. De acordo com informação contida no processo apresentado à Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), Norberto teria retornado ao Brasil no dia 18 de abril de 1970.
Nessa mesma data teria sido preso por agente de segurança no aeroporto do Galeão. Entre os dias 24 e 25 de abril, Norberto apareceria morto em um quarto do Hotel Pirajá. Apesar dos esforços de pesquisa, não foi possível estabelecer a trama que culminou na morte desse militante. Um conjunto de depoimentos prestados na Auditoria Militar e de declarações registradas em cartório lançou luz sobre a morte de Norberto.
Diógenes de Arruda Câmara e Paulo de Tarso Venceslau afirmaram que souberam da morte de Norberto Nehring ainda quando estiveram detidos no DOPS/SP. Diógenes afirma categoricamente que Norberto foi assassinado sob tortura e Paulo de Tarso relata que carcereiros e policiais frequentemente aludiam ao fato de que Nehring teria sido morto depois de desembarcar no Brasil vindo da Tchecoslováquia. O destino dado aos restos mortais de Norberto demonstra a atuação irregular dos agentes do Estado e ratificam a falsificação das circunstâncias da morte, uma vez que foi sepultado com o codinome que utilizava – Ernest Snell Burmann – apesar da versão de suposto suicídio.
A versão foi confirmada em nota oficial do então delegado do DOPS, Romeu Tuma, que trouxe um “bilhete de suicídio” de Norberto. O relator do caso na CEMDP, Paulo Gustavo Gonet Branco, quando da apreciação do Processo nº 176/96, em 23 de abril de 1996, ressaltou que os indícios até então apresentados seriam suficientes para o deferimento do pleito, que foi aprovado por unanimidade. Por sua vez, os familiares de Norberto – Marta, Sofia, Cléo e Maria Lygia – em depoimento prestado à Comissão Estadual da Verdade de São Paulo, na data de 27 de setembro de 2013, fizeram questão de enfatizar o desejo de uma segunda retificação da certidão de óbito de Norberto Nehring, na qual constasse não apenas da declaração da morte por “causas não naturais”, mas o reconhecimento inequívoco da responsabilidade do Estado na execução de Norberto e o registro do local, da data e a tortura como causa real do falecimento.
Os restos mortais de Norberto foram sepultados no cemitério da Vila Formosa, em São Paulo, com nome falso e somente depois de três meses a família foi avisada. Após exumação, que confirmava a identidade de Norberto, seus restos mortais foram transferidos para o jazigo da família.
Diante das investigações realizadas, conclui-se que Norberto Nehring morreu em decorrência de ação perpetrada por agentes do Estado brasileiro, em contexto de sistemáticas violações de direitos humanos promovidas pela ditadura militar, implantada no país a partir de abril de 1964.
Recomenda-se a retificação da certidão de óbito de Norberto Nehring, assim como a continuidade das investigações sobre as circunstâncias do caso, para a identificação e responsabilização dos demais agentes envolvidos.
O Estado brasileiro utilizou uma série de mecanismos para amedrontar a população, sobretudo aqueles que não estivessem de acordo com as medidas ditatoriais. Conheça os reflexos do aparato repressivo e os focos de resistência na sociedade.