Atuação Profissional

estudante

Organização

PCBR – Partido Comunista Brasileiro Revolucionário

Filiação

Anália Carvalho de Souza e Osano Francisco de Souza

Data e Local de Nascimento

21/10/1945, Atalaia (AL)

Data e Local de Morte

8/2/1971, Recife (PE)

Odijas Carvalho de Souza

Odijas Carvalho de Souza

Odijas Carvalho de Souza foi morto em consequência de atos de tortura praticados por agentes estatais, quando estava preso no DOPS/PE, no Recife. No dia 30 de janeiro de 1971, na praia de Maria Farinha, município de Paulista (PE), Odijas Carvalho de Souza foi preso junto com Lylia da Silva Guedes, em uma ação de repressão aos membros do PBCR, organização à qual pertenciam. Os policiais Edmundo Brito de Lima, Ivaldo Nicomedes Vieira, Izaias Alves da Silva e Severino Pereira da Silva foram os responsáveis pela prisão de Odijasii.

Ele foi torturado por uma semana, desde o momento de sua prisão no dia 30 de janeiro até o dia 6 de fevereiro de 1971, data em que foi levado para o Hospital da Polícia Militar de Pernambuco, gravemente debilitado pela violência a que foi submetido. Odijas faleceu dois dias depois, em 8 de fevereiro de 1971, no Hospital da Polícia Militar de Pernambuco, no Recife. A falsa versão foi consubstanciada no certidão de óbito com data de 10 de fevereiro de 1971 , assinado pelo médico-tenente da Polícia Militar de Pernambuco Ednaldo Paz de Vasconcelos, do Instituto Médico-Legal de Pernambuco, que registrou a morte de Odijas como consequência de uma “embolia pulmonar”. Não foi realizada, no entanto, perícia necroscópica no corpo de Odijas para averiguar a causa da morte.

O falecimento de Odijas somente foi divulgado formalmente pela Secretaria de Segurança no dia 28 de fevereiro de 1971, ou seja, 20 dias após sua morte. O corpo de Odijas foi sepultado, como indigente, no Cemitério Santo Amaro, no Recife, registrado como “Osias Carvalho de Souza”, grafado erroneamente, como forma de dificultar a identificação e a localização. A falsa versão foi reproduzida nos Relatórios das Forças Armadas entregues ao então Ministro da Justiça, Maurício Correa, em dezembro de 1993.

Segundo o Relatório do Ministério da Marinha, sobre Odijas Carvalho de Souza: “FEV/71, nome falso, HILTON ALENCAR ARAUJO. Era militante. Foi preso em JAN 71, num “aparelho‟ do PCBR, localizado na Maria Farinha, em Paulista/PE. Faleceu no dia 8 FEV 71.” Os depoimentos de militantes políticos que estavam presos no DOPS/PE no mesmo período em que Odijas demonstraram a falsidade da versão divulgada à época e relataram as múltiplas torturas a que o militante do PCBR foi submetido.

Relatório publicado pela Anistia Internacional, assinado pela esposa de Odijas Carvalho de Souza, Maria Yvone de Souza Loureiro, e tendo como testemunha a militante política presa junto com ele, Lylia da Silva Guedes, de 14 de maio de 1971, apresentou detalhes sobre as circunstâncias de morte da vítima.

De acordo com o documento, médicos do Hospital da Polícia Militar de Pernambuco recusaram-se a assinar a certidão de óbito de Odijas, que fora visto em coma por estudantes universitários que faziam um curso de treinamento no hospital. Além disso, o relato apontou entre os principais responsáveis pelas torturas praticadas contra Odijas os delegados Carlos de Brito e Aquino de Farias Rei, ambos do DOPS/PE. Foi destacado no documento que Odijas não confessou ou fez qualquer revelação pra os agentes da repressão e por essa razão foi brutalmente torturado.

Maria Yvone, também presa no DOPS/PE no momento da morte de Odijas, soube do falecimento do marido apenas no dia 2 de março de 1971, ou seja, quase um mês após o fato. Durante esse período, nas vezes em que Maria Yvone pediu informações de Odijas para o secretário Armando Samico, ele omitiu a morte do militante. Finalmente, o relatório para a anistia internacional revelou que Odijas havia sido sepultado sem um exame necroscópico ou autópsia e, até aquele momento, a família não tinha conhecimento do local exato desse sepultamento e não tinha tido acesso ao corpo.

Tarzan de Castro, ex-preso político e ex-deputado do estado de Goiás, preso no mesmo local e na mesma época em que Odijas, em depoimento prestado à CEMDP no requerimento para reconhecimento de Odijas como morto político, relatou as graves torturas que resultaram na morte do militante do PCBR: […] Quase sob os nossos olhares, em uma sala ao lado das celas, começaram os interrogatórios e as torturas sobre Odijas, na medida em que ele resistia, aumentava a sanha dos torturadores que usavam nos espancamentos pedaços de pau, palmatória, socos, chutes, choques elétricos e outros meios.

Algumas vezes Odijas era levado ao banheiro ao lado da nossa cela, para ser molhado com intuito de reabilitá-lo, para suportar mais torturas, sendo que nestes momentos tínhamos oportunidade de nos falar rapidamente. Os efeitos da tortura eram muito grandes, tanto física como psicologicamente e ele nos dizia: “se durar mais este massacre, sinto que vão me matar”. A sessão de interrogatório durou aproximadamente um dia e uma noite, ele estava todo quebrado por dentro e por fora. Quando foi jogado numa cela ao lado da nossa e não lhe dera assistência médica, nos protestamos, batendo nas grades, gritando e exigindo cuidados médicos para ele.

Numa das vezes do protesto, apareceram na prisão o secretário de Segurança Pública Dr. Samico, acompanhado do delegado José Silvestre, ocasião em que conversamos com eles e explicamos se não houvesse de imediato assistência, o companheiro torturado iria morrer. Ele vomitava sangue, não conseguia se alimentar, o intestino não funcionava e não urinava. O secretário respondeu-nos em gíria policial que aquilo era “esparro” [fingimento de Odijas] que sua saúde estava muito boa e nada foi feito.

Passado alguns dias, apareceu uma pessoa que se dizia médico, disse que tudo estava bem com ele. Quando decidiram levá-lo para o hospital, ele já estava praticamente morto, o que infelizmente de fato veio a ocorrer dias após […]. Lylia da Silva Guedes, presa e torturada na mesma ocasião da prisão e morte de Odijas, identificou os agentes responsáveis pela grave violação: Que deseja declarar ter sido torturada no DOPS de Recife, pelos investigadores MIRANDA e EDMUNDO, em dois dias consecutivos, quatro horas cada dia; que assistiu quando um outro prisioneiro era torturado, sendo tal prisioneiro de nome ODIJAS CARVALHO DE SOUZA; que o referido indivíduo se encontrava sentado, despido e era agredido por cerca de quinze pessoas; que a interrogada reconheceria cerca de dez dessas pessoas, entre estas: MIRANDA, EDMUNDO, EUSÉBIO, DR. CARLOS DE BRITTO, FAUSTO, ROCHA, BRITO, sendo as torturas comandadas pelo Dr. SILVESTRE, atual diretor do DOPS de Recife-PE; que, em consequência das torturas, ODIJAS CARVALHO veio a falecer; que a interroganda já se encontrava coagida e amedrontada quando deu seu interrogatório pelo Major JOÃO ALFREDO; que o referido major não chegou a maltratar a interrogada, tendo, no entanto, a ameaçado. (…) que a interroganda pôde relacionar os diversos elementos que torturaram ODIJAS por já reconhecer os referidos indivíduos do DOPS de Recife e vê-los diariamente, inclusive, quando foi torturada dois dias; que os jornais noticiaram a morte de ODIJAS, como tendo ocorrida no dia 8 de fevereiro em virtude de “embolia pulmonar”;

(…) Segundo depoimento de Alberto Vinícius Melo de Nascimento, que estava preso no DOPS/PE e presenciou as violências a que Odijas Carvalho de Souza foi submetido: […] que, aqui no DOPS, presenciou a tortura […] porque passou um preso por nome Odijas; que, após essas torturas, o referido preso veio a falecer […] que o responsável por essas ocorrências é o próprio Delegado do DOPS, que é o Dr. Silvestre; que, segundo Odijas lhe contou em vida, existe um investigador que é responsável por torturas; que esse investigador foi um dos torturadores de Odijas, chegando a bater no mesmo até se cansar, segundo relato do próprio Odijas; que esse investigador atende pelo nome de Miranda.

[…] Mario Miranda Albuquerque, à época estudante, na Apelação nº 39.155, no Superior Tribunal Militar, volume 4º, p. 749, no auto de interrogatório, afirmou: (…) que das testemunhas arroladas na denuncia conhece as de nomes Edmundo Brito de Lima, Fausto Venâncio da Silva; que o interrogado tem a declarar contra as duas primeiras testemunhas haverem eles praticado torturas contra si e ainda contra o marido de Maria Yvone, de nome Odijas;

[…] Jorge Tasso, advogado e delegado aposentado da Polícia Civil de Pernambuco, em testemunho prestado na sessão pública realizada pela Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câmara no dia 31 de julho de 2012, apresentou informações importantes sobre a cadeia de comando e a autoria de graves violações de direitos humanos cometidas contra Odijas Carvalho de Souzaix: Nadja BraynerMas também naquela época era rotina se chamar outro preso pra presenciar o massacre do companheiro, como uma forma também de intimidar e assustar.

Agora, no caso de Odijas, ele chegou a pedir ajuda a Alberto Vinicius, quando ele passou num determinado momento e estava todo ensanguentado, e pediu uma roupa pra se recompor, tal estado em que ele se encontrava. Isso foi denúncia formal dos presos políticos. Mas a minha pergunta o seguinte, o senhor disse que não tinha tomado conhecimento da tortura. Se perguntou sobre alguns policiais da época, e aí minha pergunta bem direta: O delegado Aquino Farias foi inclusive nomeado por esses presos políticos, como um dos integrantes, ele era delegado na época, 1971, 1972.

E a minha pergunta pro senhor o seguinte: O senhor tem ideia que tipo de esclarecimento o senhor poderia nos dar sobre a participação de Aquino Farias nesse episódio, nesse massacre que foi feito a Odijas? Jorge Tasso: Eu não posso informar quem estava lá . Eu garanto que o delegado era Dr. Jos Silvestre, e o que se comentava era que, chegou-se até a comentar que Odijas havia se atirado lá de cima, do primeiro andar; depois veio um problema que ele teria tido um outro problema e foi socorrido pro Hospital da Polícia Militar, onde morreu. E a causa mortis dele foi dada pelo setor de Medicina Legal, eu aqui acrescentaria como responsabilidade minha, obedecendo ordens de alguém lá de cima. O secretário de segurança era Dr. Armando Samico. Pedro Eurico: Dr. Jorge, Dra. Nadja.

Apenas pra rememorar, eu perguntaria ao senhor, Dr. Silvestre era o diretor do DOPS? Jorge Tasso: Era o diretor do DOPS dessa época. Pedro Eurico: Dr. Ednaldo Agra era delegado? Jorge Tasso: Ednaldo Agra, se não me falha a memória, era diretor do CI, Centro de Informações. E Dr. Edvaldo Cruz trabalhava numa delegacia ligada ao DOPS. Pedro Eurico: Luis Miranda estava lá nessa época também? Jorge Tasso: Miranda nunca foi agente de poliícia. Miranda era um araque, violento, agressivo, trabalhou como jornalista no jornal, no Diário da Manhã.

Eu, inclusive, trabalhei uma época no Jornal do Comércio, e ele trabalhava, e eu conhecia ele. E ele era um infiltrado dentro da polícia, como era o que ela citou o nome, Humberto Amaro de Souza; agora eu não sei se ele estava presente, eu não sei a ligação dele com o pessoal do DOPS. Miranda era mais ligado ao pessoal do DOI-CODI, ligadíssimo.

Nadja Brayner: em 1971?  Jorge Tasso: nessa época, que foi na época que eu entrei. Nadja Brayner: Porque as informações que se tem que Miranda estava vinculado ao DOPS. Jorge Tasso: Não, mas ele nunca foi agente de polícia, ele era um araque, ele tinha carteira de jornalista, trabalhou nos jornais, crônica esportiva no Diário, um jornal pequeno, mas polícia nunca foi. Agora, agressivo e violento.

A advogada Mércia Albuquerque, defensora de inúmeros presos políticos, relatou o contato que teve com Odijas no dia em que antecedeu a morte do militante político: Não se tinha certeza da prisão de Odijas e Lígia, sobretudo porque sabíamos que ele havia saído daqui. Recebi um telefonema anônimo, que me informava que Odijas estava preso no DOPS, muito mal, precisando de um médico. Tudo indicava que havia rotura de vísceras. Eu gostava muito de Odijas. Fiquei tensa. Procurei amigos que começaram, com cautela, a se movimentar e constataram que a informação era verdadeira.

Procurei o Dr. Francisco de Paula Acioly. Pedi sua ajuda. Ele foi à polícia e me informou que Odijas estava no Hospital da Polícia Militar. No dia 7 de fevereiro, consegui entrar clandestinamente naquele hospital. Odijas tinha muita febre, apresentava equimoses em todo o corpo, usava apenas uma cueca ou um calção. O rosto estava macerado e roxo. Olhou-me e disse-me: “Estou fodido”. Riu, fechou os olhos e disse alguns nomes. Passei a mão de leve na cabeça dele, beijei-o e saí desorientada.

Eu não chorava, eu sofria, sofria muito. Já ia pela Praça do Derby, sentindo-me sufocada, quando parou um carro, um amigo me chamou. Entrei no automóvel. Desci em minha casa. Implorei a Deus que fizesse parar com tanta tragédia. No dia 8, morria Odijas com 25 anos. A Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câmara (CEMVDHC), de Pernambuco, conseguiu, na 12ª Vara de Família e Registro Civil da Comarca da Capital, a retificação da certidão de óbito de Odijas e a causa mortis foi alterada para “homicídio por lesões corporais múltiplas decorrentes de atos de tortura”.

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