Atuação Profissional
psicólogaOrganização
Vanguarda Popular Revolucionária – VPRFiliação
Ethel Reichstul e Selman ReichstulData e Local de Nascimento
18/7/1947, Praga, TchecoslováquiaData e Local de Morte
entre 7 e 9/1/1973, Paulista/Abreu e Lima (PE)Pauline Reichstul nasceu em Praga, localizada hoje na República Tcheca, filha de judeus poloneses sobreviventes da Segunda Guerra Mundial. Com 18 meses, mudou-se com seus pais para Paris e, em 1955, aos oito anos, eles chegaram ao Brasil.
Mais tarde, passaram temporadas em Israel, França e Dinamarca, até fixarem residência na Suíça. Na Europa, Pauline manteve contato com militantes brasileiros e trabalhou para divulgar as violações de direitos humanos cometidas pelo regime militar. Voltou ao Brasil e entrou para a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), na qual também militava seu companheiro, Ladislau Dowbor, quem havia conhecido antes mesmo de ir para Israel.
Em janeiro de 1973, a militante foi assassinada brutalmente com outros cinco de seus companheiros da VPR, em Paulista, na Grande Recife (PE), num episódio conhecido como o Massacre da Chácara São Bento, considerado pelo jornalista Elio Gaspari, em “A ditadura escancarada”, “uma das maiores e mais cruéis chacinas da ditadura”.
As forças da repressão, chefiadas por Sérgio Fleury, teriam conseguido obter informações sobre a localização dos militantes graças aos serviços de Cabo Anselmo, militar que se infiltrou na VPR e, inclusive, mantinha uma relacionamento com Soledad Barrett Viedma, uma das vítimas da chacina que na ocasião estava grávida de um filho dele.
Segundo a versão oficial, os militantes foram mortos numa troca de tiros na chácara. Gaspari aponta, no entanto, que eles foram capturados, levados até a chácara e então teriam sido torturados e mortos. Foram encontrados 26 tiros nos corpos dos militantes, sendo 14 na região da cabeça. Outro agente repressor que teria participado do massacre é Carlos Alberto Augusto, codinome “Carlinhos Metralha”, que até recentemente era delegado na cidade de Itatiba (SP).
O irmão de Pauline, Henri Reichstul, que também foi militante da VPR, fundou um instituto com seu nome na cidade de Belo Horizonte com o dinheiro que recebeu da indenização concedida pelo Estado.
Pauline foi morta, junto com outros cinco integrantes da VPR, entre os dias 8 e 9 de janeiro de 1973, no episódio conhecido como massacre da Chácara São Bento, em operação conduzida pela equipe do Delegado Sérgio Paranhos Fleury, do DOPS/SP, com a colaboração do ex-cabo José Anselmo dos Santos, que era dirigente da VPR e atuava como agente infiltrado.
O “Cabo” Anselmo era controlado por Fleury e suas ações eram acompanhadas por agentes do Estado, tendo contribuído com a captura e morte de vários militantes políticos. No momento em que Anselmo articulou a emboscada contra os seis integrantes da VPR, com o objetivo de desmantelar o movimento de guerrilha urbana no Nordeste do Brasil, já havia fortes suspeitas, dentro da organização, quanto à sua atuação como agente infiltrado.
A versão oficial, veiculada pela imprensa na época, registrava que os militantes tinham sido mortos durante um tiroteio travado com os agentes de segurança na Chácara São Bento. A partir de suposta delação de José Manoel da Silva, preso no dia 7 de janeiro, a polícia teria localizado o aparelho, onde seria realizado um congresso da VPR.
O Ofício no 002/75- GAB/CI/DPF, de 17 de março de 1975, encaminhado pelo diretor do Centro de Informações do Departamento de Polícia Federal ao chefe da Agência Central do SNI, relatou que os militantes foram mortos “[…] à bala quando do desbaratamento de um Congresso Terrorista em Recife/PE, no dia 08-01-73, no Município de Paulista no Loteamento São Bento […]”. Pouco tempo depois do ocorrido, integrantes da VPR questionaram a versão divulgada e, em fevereiro de 1973, publicaram no Chile um pronunciamento no jornal Campanha, no qual afirmavam que a “Vanguarda Popular Revolucionária do Brasil não realizou tal congresso, que tal informação é um pretexto mentiroso para justificar o assassinato desses seis (6) lutadores da causa anti-fascista”.
Na mesma declaração, responsabilizaram o “Cabo” Anselmo pela delação dos militantes de Pernambuco. Os órgãos de segurança registraram o pronunciamento da VPR na Informação nº 217/DIS-COMZAE-4 do DEOPS/SP e a encaminharam à Divisão de Informações de Segurança da 4ª Zona Aérea da Aeronáutica. Não obstante, a versão oficial foi mantida pelos Relatórios das FFAA enviados ao então Ministro da Justiça, Maurício Correa, em dezembro de 1993. Sobre Pauline, consta no Relatório da Marinha que “foi morta em Paulista/PE, em 8/1/73, ao reagir a tiros à ordem de prisão dada pelos agentes de segurança”.
As investigações realizadas pela CEMDP, pela CEMVDHC e pela CNV comprovaram que não houve tiroteio, que os militantes foram capturados em lugares e ocasiões diferentes e mortos sob tortura, de modo que o tiroteio foi somente uma encenação para justificar as mortes. Um primeiro indício da falsidade da versão oficial pode ser extraído do Exame de Perícia em Local de Ocorrência, elaborado em 9 de janeiro de 1973 pelo Instituto de Polícia Técnica, uma vez que não faz menção a marcas de projéteis nos cômodos em que foram encontradas as vítimas, com exceção da cozinha que, segundo consta no exame, “apresentava vários orifícios produzidas por projéteis de arma de fogo”.
Não se sustenta, tampouco, a ideia de que o aparelho foi localizado a partir de delação de José Manoel. A operação de captura dos militantes pelos órgãos de segurança, sob o comando de Fleury, foi possível graças à atuação de “Cabo” Anselmo como agente duplo. Essa atuação é comprovada pelo “Relatório de Paquera” produzido pelo “Cabo” Anselmo e enviado ao DOPS/SP, em que relatava a rearticulação da VPR no Nordeste e o contato que estabeleceu com as vítimas antes da chacina, demonstrando a estreita vigilância policial a que estavam submetidos os militantes.
O relato de testemunhas confirma que os militantes tinham sido presos antes da chacina. Em depoimento prestado para a CEMVDHC, Jorge Barrett Viedma, irmão da Soledad e, na época, simpatizante da VPR, narrou que Pauline e Eudaldo dormiram no “aparelho” de Anselmo no dia 7/1 e que, na manhã do dia seguinte, todos saíram para o centro de Recife em carro dirigido por Anselmo, sendo que Pauline e Soledad foram deixadas na boutique de Sonja Maria Cavalcanti de França Lócio, em Boa Viagem.
Sonja Cavalcanti, proprietária da boutique Chica Boa, declarou à CEMDP, em 1996, que Pauline e Soledad foram capturadas em sua boutique por cinco homens que se diziam policiais e estavam em um carro do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Sonja relatou que a ação foi muito violenta, que os homens espancaram Pauline, acertando-a até com coronhadas, e que as duas mulheres foram levadas amarradas.
Sonja também prestou depoimento à CEMVDHC, no qual reconheceu o Delegado Sérgio Paranhos Fleury como um dos responsáveis pela captura de Soledad e Pauline em sua boutique. No mesmo dia em que elas foram capturadas, foram efetuadas as prisões de Eudaldo, de Jorge Barrett e sua esposa.
Jorge Barrett relatou para a CEMVDHC que Fleury também participou da sua detenção. Houve, portanto, uma ação coordenada que resultou nas prisões, indicando que ao menos duas equipes atuaram na operação de cerco aos militantes. Ainda com relação à autoria, em depoimento prestado para a CNV em 30/10/2012, o ex-sargento do Exército Marival Chaves afirmou que, além do informante Anselmo e do Delegado Fleury, a operação que resultou na prisão e morte do grupo da VPR contou com a participação, pelo CIE, de José Brant Teixeira, Paulo Malhães, Félix Freire Dias e Rubens Gomes Carneiro (o Laecato). Também informou que a operação foi paga com recursos do CIE, com verbas descaracterizadas.
Outro depoimento relevante foi prestado em 1996, à CEMDP, pela advogada Mércia de Albuquerque Ferreira, que teve acesso aos corpos das vítimas no necrotério. A advogada relatou que “todos os corpos estavam muito estragados, marcas de pancadas, cortes e que me impressionou foi porque aqueles corpos estavam desnudados e todos os corpos estavam inchados”. Em particular, sobre a situação do corpo de Pauline, descreveu a advogada: […] estava também deitada numa mesa a Pauline, eu então cobri com uma toalha que tinha na entrada do necrotério, uma toalha de mão mas era grande eu botei por cima do corpo dela.
Pauline tinha a boca arrebentada, tinha marcas pela testa, pela cabeça e o corpo muito marcado […]. Ainda sobre as marcas no corpo de Pauline, o Laudo de Perícia em Local de Ocorrência registrou: “O corpo apresentava as seguintes lesões, todas características das produzidas por projétil de arma de fogo: quatro na cabeça, sendo uma na região occipital, uma na região frontal, uma na região mentoniana, e uma na região parietal esquerda”, que caracterizam execuções de pessoas indefesas.
Além disso, tanto o laudo da Inspeção Médico-legal de corpo quanto o laudo da Perícia Tanatoscópia descreveram: “escoriações e equimoses violáceas, generalizadas”, que são lesões próprias de vítimas de violência e tortura, e não de tiroteio, como havia concluído o Relatório da Morte de Pauline Reichstul anexado pela Comissão dos Familiares de Mortos e Desaparecidos ao processo da CEMDP.
Embora os órgãos de segurança soubessem a identidade de Pauline, ela foi considerada desconhecida e sepultada como indigente no Cemitério da Várzea, em Recife. Em 12 de janeiro de 1973, o diretor da Seção Administrativa do Departamento de Ordem Social/PE autorizou a exumação e o traslado do corpo para São Paulo. A família sepultou o corpo de Pauline no Cemitério Israelita/PE. A CEMVDHC está realizando investigações sobre o local em que foram mortos os militantes da VPR, com apoio do testemunho e da colaboração de Jorge Barrett.
As investigações ainda estão em curso, mas levantam indícios no sentido de que os militantes teriam sido mortos sob tortura em aparelho situado em Abreu e Lima e identificado pelos integrantes da VPR como Sítio São Bento, e não no local indicado como a Granja São Bento, localizado em Paulista, que corresponde ao lugar tradicionalmente apontado como cenário das mortes. Segundo depoimento prestado por Jorge Barrett à CEMVDHC, havia um equipamento de recuo da VPR em Abreu e Lima, onde viviam Pauline e Eudaldo.
Este aparelho era chamado pelos membros da organização de Sítio São Bento e deveria funcionar como um local para receber pessoas que estivessem em perigo de vida e para, eventualmente, levar futuros sequestrados. Em razão da suspeita de identificação do local pela repressão, Pauline e Eudaldo teriam ido para outro equipamento situado em Rio Doce, onde era o aparelho de Soledad e de “Cabo” Anselmo. A partir dessas informações, a CEMVDHC tem trabalhado com a possibilidade, ainda não confirmada, de o aparelho em Abreu e Lima ter sido o local das mortes.
No depoimento prestado, Jorge Barrett sugere que a Granja São Bento, apontada oficialmente como local da chacina, teria sido utilizada pela repressão para a encenação das mortes, mas não corresponderia ao aparelho mantido pela VPR. Essa hipótese ganhou força após um trabalho de reconhecimento feito pela CEMVDHC em parceria com Jorge Barrett, que conseguiu identificar o local do Sítio São Bento. Testemunhos colhidos de moradores da região reforçam essa hipótese, uma vez que eles se recordam do local como “Sítio dos Cabeludos” e relatam ter presenciado os militantes levados amarrados, bem como os corpos retirados em redes.
No momento em que a CNV encerra as suas atividades, encontra-se em andamento um trabalho pericial realizado pela polícia científica de Pernambuco para avançar na identificação do local em confronto com os laudos e fotografias da época.
Portanto, os resultados parciais das investigações conduzidas pela CEMVDHC apresentam indícios que apontam para a possibilidade de os militantes terem sido capturados em locais e momentos distintos e levados ao equipamento de recuo da VPR situado em Abreu e Lima, chamado Sítio São Bento, possivelmente para fazer o reconhecimento do local, onde teriam sido torturados e mortos, inclusive Evaldo que, pela versão oficial, teria fugido e, no dia seguinte, localizado e morto em Olinda.
Diante das circunstâncias do caso e das investigações realizadas, conclui-se que Pauline foi presa e morta sob tortura por agentes do Estado brasileiro, restando desconstruída a versão oficial de tiroteio, divulgada à época dos fatos. Essa ação foi cometida em um contexto de sistemáticas violações de direitos humanos perpetradas pela ditadura militar instaurada no Brasil em abril de 1964.
Recomenda-se a retificação do atestado de óbito de Pauline Philippe Reichstul, assim como a continuidade das investigações sobre as circunstâncias do caso, para a identificação dos demais agentes envolvidos.
O Estado brasileiro utilizou uma série de mecanismos para amedrontar a população, sobretudo aqueles que não estivessem de acordo com as medidas ditatoriais. Conheça os reflexos do aparato repressivo e os focos de resistência na sociedade.