Virgílio Gomes da Silva foi o primeiro desaparecido da ditadura militar. Nasceu no Rio Grande do Norte e foi para São Paulo em busca de melhores condições de vida. Na capital paulista teve inúmeros trabalhos até entrar, em 1957, na empresa Nitroquímica como operário. Lá começou a atuar no movimento sindical, liderando greves. Filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) e, depois do golpe militar de 1964, passou uma temporada no Uruguai, retornando pouco tempo depois ao Brasil.
Dissidente do PCB, em 1967, uniu-se à Aliança Libertadora Nacional (ALN), quando viajou para Cuba para fazer treinamento de guerrilha. Conhecido como “Jonas”, chegou a ser o segundo na hierarquia da organização, abaixo apenas de Carlos Marighella. Em setembro de 1969, comandou a ação do sequestro do embaixador americano, Charles Burke Elbrick e logo depois foi preso pela Operação Bandeirante, (Oban), em São Paulo.
No mesmo dia foram detidos pela polícia sua mulher, Ida, e três de seus quatro filhos. A esposa ficou presa por nove meses, permanecendo incomunicável por todo o período. Segundo diversos presos políticos, Virgílio foi morto um dia após seu sequestro. As Forças Armadas jamais admitiram o crime oficialmente.
Em 2004, foram encontrados o laudo e a foto do corpo de Virgílio. Ele tinha escoriações e hematomas nos órgãos internos e afundamento do osso frontal. Em agosto de 2009, o jornal O Globo publicou matéria divulgando um dossiê do Exército que registra o assassinato de Virgílio pela ditadura. De acordo com um documento de 8 de outubro de 1969, o militante reagiu à prisão e morreu em virtude de “ferimentos recebidos”. “Virgílio Gomes da Silva, vulgo Jonas ou Borges, reagiu violentamente desde o momento de sua prisão, vindo a falecer (…) antes mesmo de prestar declarações”. A Comissão Estadual da Verdade de São Paulo realizou uma audiência sobre o caso de Virgílio, com a presença de sua viúva e seus filhos.
Virgílio Gomes da Silva morreu no dia 29 de setembro de 1969, aos 36 anos, após ser preso em uma emboscada na avenida Duque de Caxias, em São Paulo, por agentes da Operação Bandeirante (Oban). Encapuzado, foi encaminhado diretamente à sala de tortura e morto 12 horas após a prisão. Naquela época, depois do envolvimento no sequestro do embaixador norte-americano, Virgílio era um dos guerrilheiros mais procurados pelos órgãos de repressão. No mesmo dia, sua mulher Ilda e três de seus filhos (Wladimir, com 8 anos, Virgílio, com 7, e Maria Isabel, um bebê de 4 meses), que viviam na clandestinidade, também foram detidos em São Sebastião, litoral de São Paulo. Ilda permaneceu presa durante meses, incomunicável, sendo torturada em várias ocasiões. Seus filhos foram encaminhados ao Juizado de Menores. Gregório, com dois anos na ocasião, não foi levado por não estar em casa no momento da chegada dos agentes. Vários ex-presos políticos que passaram pela Oban presenciaram as torturas sofridas por Virgílio e as denunciaram em auditorias militares, entre eles, seus ex-companheiros Paulo de Tarso Venceslau e Manoel Cyrillo de Oliveira Neto, além de Celso Antunes Horta e Diógenes de Arruda Câmara. Seu irmão Francisco Gomes da Silva, que tinha sido preso no dia anterior, afirmou ter visto sua chegada e escutado brutais cenas de tortura, comandadas pela equipe do capitão Albernaz, o mesmo que teria afirmado que Virgílio fugira da prisão momentos depois. De acordo com o depoimento do irmão Francisco, Virgílio foi algemado e agredido por cerca de quinze pessoas, que lhe davam pontapés e lhe cuspiam no rosto. Depois, ainda teria sido levado para outra sala, onde continuou a ser torturado até a morte. Com as informações prestadas nos depoimentos emitidos sobre o caso foi possível identificar uma série de agentes envolvidos diretamente em sua morte, comandada pelos então chefes do centro de tortura da Oban, os majores Inocêncio Fabrício de Matos Beltrão e Valdir Coelho. Segundo os relatos, ainda estavam envolvidos diretamente no caso, além do capitão Benone Arruda Albernaz, Dalmo Lúcio Muniz Cirillo, Maurício Lopes Lima, Homero César Machado, “Tomás”, da PM/SP, o delegado Otávio Gonçalves Moreira Jr., o sargento da PM Paulo Bordini e os agentes policiais Maurício de Freitas, vulgo Lungaretti, Paulo Rosa, vulgo Paulo Bexiga e “Américo”, agente do Departamento da Polícia Federal. Ainda foram identificados, a partir de carta escrita pelos presos políticos do Presídio do Barro Branco/SP, o delegado Raul Careca e o capitão da Polícia Militar Coutinho. Em novembro de 2010, o Ministério Público Federal moveu uma ação com o intuito de autuar alguns responsáveis pelas graves violações de direitos humanos, ocorridas no período, entre eles três militares envolvidos diretamente no caso de Virgílio: Inocêncio Fabrício de Matos, Homero César Machado e Maurício Lopes Lima. O documento reúne depoimentos e informações sobre as circunstâncias da morte de Virgílio, quando este se encontrava encarcerado na Oban, concluindo serem os agentes em questão alguns dos principais responsáveis por perpetrar atos de violência que resultaram em sua morte. Apesar das significativas evidências que atestam as circunstâncias de sua morte em decorrência de tortura perpetrada por agentes da repressão, os órgãos de segurança até hoje não se posicionaram de forma clara sobre o caso, chegando a informar, em algumas ocasiões, que Virgílio se encontrava desaparecido. De acordo com Relatório Especial de Informações do Ministério do Exército, emitido pelo CIE em outubro de 1969, Virgílio teria sido preso no dia 29 de setembro em seu “aparelho”, tendo reagido à bala. O documento ainda afirma que ele teria se “evadido” após a prisão, concluindo apenas que “sabe-se que está morto”. O SNI-SP emitiu documento, em 3 de outubro de 1969, afirmando que o “terrorista” Virgílio Gomes da Silva, vulgo “Jonas” teria falecido após resistir à prisão. Já o Relatório dos Ministérios Militares, emitido em 1993, afirma que Virgílio, militante na década de 1960, era dado como “desaparecido”. Afirmava apenas que “segundo o JB de 27 jan 91” há referências sobre sua morte e que teria sido encontrada, “segundo edição do Correio Braziliense de 1990″, uma sepultura em seu nome no cemitério de Vila Formosa. Em decorrência da abertura da Vala de Perus, em 1990, e o posterior acesso aos arquivos do IML/SP, foi possível o acesso a uma requisição de exame de um desconhecido de nº 4059/69, enterrado como indigente no cemitério de Vila Formosa um dia após o desaparecimento e morte de Virgílio. O documento afirma que o corpo foi encontrado com equimoses, sendo a causa de sua morte traumatismo cranioencefálico. Por mais que estas novas informações tenham impulsionado as buscas, não foi possível precisar com exatidão o paradeiro do corpo, uma vez que não existia à época um mapa das quadras no cemitério e, além disso, teria sido plantado um bosque no local. Foi apenas em 2004, com a localização de um laudo necroscópico pelo jornalista Mário Magalhães, que foi possível atestar que aquele documento se relacionava efetivamente ao corpo de Virgílio. O laudo, assinado por Roberto A. Magalhães e Paulo A. de Queiroz Rocha, descreve um corpo – com foto e identificação de Virgílio – encontrado com inúmeras e intensas equimoses, escoriações, fraturas e hematomas. Junto ao laudo foi encontrada uma folha de papel onde aparecia, escrito à mão, que o caso não deveria ser informado, o que evidentemente significava uma tentativa de manter segredo sobre aquela morte. No final de 2010, por motivação do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo, foi iniciado um trabalho de exumação, pela Polícia Federal, nas valas onde possivelmente o corpo de Virgílio estaria localizado. Em julho de 2012, a Comissão Nacional da Verdade solicitou ao Ministério da Justiça informações sobre a análise e identificação das ossadas que, até aquele momento, ainda não teriam sido finalizadas. Em resposta à solicitação, a Divisão de Perícias do Instituto Nacional de Criminalística emitiu, em 15 de agosto de 2012, um parecer afirmando que foram exumados 31 restos mortais das sepulturas de nº 924 a 929, e, após realização de exames preliminares, em 26 casos foi excluída a possibilidade de os restos mortais serem de Virgílio. As quatro amostras restantes foram encaminhadas a exames complementares e a testes de DNA, sendo que seus resultados estariam naquele momento sendo analisados e, posteriormente, seriam consolidados em Laudo Pericial. Até o presente momento, a análise da exumação ainda se encontra em processo de finalização. Sabe-se, então, que o corpo de Virgílio Gomes da Silva foi enterrado no cemitério da Vila Formosa (SP), mas seus restos mortais ainda não foram identificados.
Diante das investigações realizadas, conclui-se que Virgílio Gomes da Silva é desaparecido em decorrência de ação perpetrada por agentes do Estado brasileiro, em um contexto de sistemáticas violações de direitos humanos promovidas pela Ditadura Militar implantada no país a partir de abril de 1964. Recomenda-se a retificação da certidão de óbito de Virgílio Gomes da Silva, assim como a localização dos restos mortais, continuidade das investigações sobre as circunstâncias do caso para a identificação e responsabilização dos demais agentes envolvidos.